Mayra Cotta

Neste <a href="https://www.jota.info/carreira/o-enfrentamento-ao-assedio-sexual-e-as-possibilidades-da-compliance-de-genero-26112020">segundo artigo</a> de uma <a href="https://www.jota.info/autor/mayracotta">série</a> que se propõe a examinar os possíveis caminhos para o enfrentamento do assédio sexual no trabalho, a discussão se concentra no que as empresas e instituições podem fazer quando precisarem lidar com casos específicos entre seus funcionários. Progressivamente, o assédio sexual contra as mulheres está deixando de ser algo vivido em silêncio pelas vítimas e o número de denúncias e exposições públicas de assediadores vêm aumentando consistentemente. É cada vez mais necessário, portanto, o desenvolvimento de instrumentos adequados para a distribuição de responsabilidades e reparação às vítimas.
Especificamente no Brasil, a criminalização do assédio sexual é relativamente recente, ainda não tendo completado sequer duas décadas. A tipificação está prevista, desde 2001, no artigo 216-A do Código Penal Brasileiro, que dispõe como crime constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.  Apesar de a punição ser considerada leve - a pena é de detenção, de um a dois anos - a conduta pode ainda ensejar a reparação pecuniária no âmbito da responsabilidade civil.
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O tratamento penal do assédio sexual, contudo, está sujeito às falhas estruturais do Sistema de justiça criminal para lidar com os crimes desta natureza. Revitimização, revivência do trauma pela necessidade de recontá-lo diversas vezes, exposição da vítima como estratégia de defesa e descrédito sistêmico de relatos de abusos são alguns exemplos dos problemas da abordagem criminalizante.
Empresas e instituições, entretanto, podem atuar de maneira mais efetiva em casos de assédio sexual em seus ambientes e contextos de trabalho. Para tanto, devem ter prontamente disponíveis, seja por meio de estruturas internas, seja por meio de uma consultoria de compliance, estratégias para investigação de casos específicos e para mediação e resolução de conflitos.
Três princípios devem guiar o endereçamento interno do assédio sexual em empresas e instituições. O primeiro deles é o reconhecimento extensivo e categórico das formas de manifestação do assédio sexual, que pode acontecer por meio de comportamentos inapropriados, micro-agressões, estímulo e manutenção de ambientes tóxicos e outras violências tipicamente cometidas contra mulheres.
<blockquote class="jota-article__eye">Reconhecer que o assédio sexual não é apenas uma ação específica que acontece em um tempo determinado, mas também um complexo conjunto de práticas que se combinam de maneira sustentada é um passo fundamental para o seu enfrentamento efetivo.</blockquote>
O segundo princípio deve ser o compromisso com uma abordagem estrutural do assédio sexual. Isso significa que comportamentos individuais devem ser propriamente contextualizados e casos específicos devem ser lidos como reflexos de estruturas, que também devem ser endereçadas. A partir deste princípio, entende-se que conflitos interpessoais específicos são também sinais de problemas ainda mais amplos, e que muito dificilmente um episódio dentro de um local de trabalho será um fato isolado.
É preciso reconhecer, portanto, que episódios individuais de assédio sexual, violência de gênero e microagressões, e qualquer tipo de comportamento inadequado são sinais significativos de um ambiente de trabalho sistemicamente problemático, sendo necessário considerar tanto a possibilidade de existência de outros casos, como as causas estruturais que levaram ao incidente.
Evidentemente, a abordagem estrutural não pode ser feita em prejuízo da responsabilização individual. E aqui se apresenta o terceiro princípio: nem bodes expiatórios, nem complacência podem ser caminhos aceitáveis para lidar com os casos específicos. Não se pode em nenhum momento abrir mão do reconhecimento formal dos problemas e das pessoas afetadas, além da distribuição adequada de responsabilidade. A reparação e a responsabilização, contudo, estão além da punição.
Nesse sentido, o paradigma da justiça restaurativa tem muito a ensinar, pois supera a abordagem adversarial em busca de uma responsabilidade coletiva pelos problemas individuais. De acordo com seus princípios, todo conflito oferece a oportunidade de compreender melhor o ambiente em que ocorreu, o que amplia o grupo de interessados que se beneficiam de uma resolução efetiva. De fato, os círculos de justiça restaurativa vem sendo utilizados com sucesso na mediação de conflitos resultantes de casos específicos de assédio sexual e outras violências de gênero no trabalho. Por meio deles, é oportunizado aos envolvidos em um conflito falar sobre o caso e discuti-lo responsavelmente, garantindo-se de fato o contraditório e a ampla defesa.
Isso não significa, evidentemente, abdicar da responsabilização individual - e às vezes até mesmo criminal, claro - dos assediadores. O foco contudo não pode ser exclusivamente esse. As mulheres vítimas de assédio sexual, em geral, buscam, muito mais do que a punição específica do agressor, principalmente o restabelecimento de uma vida livre de violência e a possibilidade de trabalharem sem serem submetidas a constrangimentos morais e sexuais pelos seus chefes. Não se pode perder de vista que o assédio sexual, sustentado e reproduzido por ambientes de trabalhos tóxicos, deixa para trás uma terra arrasada que precisa ser endereçada.
Por fim, a investigação interna de um caso de assédio sexual deve gerar recomendações de punições e admoestações, bem como oferecer suporte a vítimas e testemunhas. As respostas para abordar episódios específicos de assédio sexual nestes casos precisam ser firmes, com foco na responsabilização dos diretamente envolvidos, na repararação das vítimas e na restauração do ambiente de trabalho. Se este processo revelar outros comportamentos problemáticos, é preciso que seja imediatamente estabelecido um espaço de comunicação para que as conversas difíceis com aqueles que se comportam de maneira problemática possam acontecer.
<blockquote class="jota-article__eye">O assédio sexual é uma complexa trama de situações que se repetem, e é precisamente esta repetição que faz com que estas práticas violentas se tornem corriqueiras e até mesmo banais, construindo assim a sua invisibilidade.</blockquote>
Sabemos que os episódios de assédio sexual são repetitivos e progressivamente mais graves, caracterizados por uma crescente toxicidade do ambiente de trabalho. Se uma empresa ou instituição não age, o problema apenas se agrava. É nosso papel urgente construir caminhos para que o endereçamento de casos específicos de assédio sexual dentro de empresas e insitutições seja capaz de garantir a resposabilização efetiva dos responsáveis, a reparação das vítimas e a restauração do ambiente de trabalho.
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O episódio 45 do podcast Sem Precedentes trata de dois julgamentos que irão começar no Supremo Tribunal Federal (STF) e que interferem diretamente nas relações da Corte com o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional. Ouça:
https://youtu.be/8vxcYqw2vRc
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assédio sexual

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JOTA

Princípios para o endereçamento interno do assédio sexual em empresas e instituições

Enfrentamento ao Assédio Sexual: responsabilização e reparação

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