Martim Della Valle

Um dos assuntos da moda tem sido a economia comportamental, recentemente coroada com o prêmio Nobel de 2017, concedido a Richard Thaler. A economia comportamental acentua o estudo empírico do comportamento humano em oposição à presunção de racionalidade da teoria clássica.
O estudo do processo decisório humano não é exclusivo da economia comportamental; pertence igualmente (e talvez sobretudo) a algumas outras ciências (como psicologia e antropologia). Por meio de estudos empíricos, essas ciências (por conveniência, passarei a chamá-las  de ciências comportamentais) desvendam as formas de decidir do ser humano.
Sem entrar em demasiados detalhes, o resultado é para lá de surpreendente: boa parte de nossas decisões são tomadas de modo direto e quase automático, com base em diversos vieses que desenvolvemos ao longo da vida. Assim, nossas decisões são muito menos racionais do que pensamos, pelo simples fato de que não paramos para refletir na maioria delas.
+JOTA: <a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-um-chefe-de-compliance-16012018" target="_blank" rel="noopener">Leia o primeiro artigo da série Diário de um Chefe de Compliance</a>
Um dos livros mais famosos nesse assunto  é Nudge - O Empurrão para a Coisa Certa (Cass Sunstein e Richard Thaler; Elsevier – Campus, 2008), que discute os vieses decisórios e como utilizá-los para chegar às melhores opções. Outra obra importante (e há muitos outras) é Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar (Objetiva, 2012), de Daniel Khaneman (um psicólogo que ganhou o Nobel de economia, colaborador de Thaler).
Já há algum tempo, governos têm usado as ciências comportamentais para calibrar melhor as políticas públicas ou planejar intervenções como redução do número de multas, aumentar arrecadação de impostos, criar maior adesão a planos de aposentadoria, entre muitos outros casos. O mais famoso de que me lembro é a antiga “Nudge Unit” do gabinete do primeiro-ministro da Inglaterra, que depois se tornou um empresa que presta esse tipo de serviço a governos e a clientes particulares.
+JOTA: <a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-um-chefe-de-compliance-o-que-fazer-primeiro-23012018" target="_blank" rel="noopener">Diário de um Chefe de Compliance: o que fazer primeiro?</a>
Por outro lado, compliance visa, com seus métodos e ferramentas, fazer com as pessoas se comportem de um determinado modo (em conformidade com a lei ou outras regras). Para atingir esse objetivo, é necessário saber que ações produzem quais resultados. E a partir desse conhecimento, desenhar e calibrar suas intervenções (ou seja, quais ações tomar para produzir o resultado desejado, o cumprimento de leis e regras). E, neste sentido, compliance é uma “ciência” comportamental.
Não é preciso pensar muito para chegar à conclusão de que as ciências comportamentais, na medida em que mostram a “arquitetura” das decisões humanas, são ferramentas valiosíssimas para qualquer profissional de compliance. Afinal de contas, tudo que queremos na vida é que as pessoas tomem as decisões certas.
+JOTA: <a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-um-chefe-de-compliance-onde-botar-o-sarrafo-30012018" target="_blank" rel="noopener">Diário de um chefe de Compliance: onde botar o sarrafo?</a>
Mas o que significa isso na prática? São observações empíricas sobre o modo de decidir das pessoas utilizadas em certas intervenções. Depois medem-se os resultados obtidos. Podem ser constatações muito simples, com utilidade prática e que estão ao alcance de quase todos. Um exemplo banal e poderoso: o viés de padrão.
Quando existe possibilidade de escolha, a maioria das pessoas acaba escolhendo a opção que vem como padrão. Ha casos comprovados de que, quando certo regime de aposentadoria é colocado como opção padrão, o número de pessoas que opta por ele é muito maior do que nas opções que não foram  pré-definidas. Logo, quem quer promover certa escolha deve colocá-la como padrão inicial. E não é por outra razão que academias de ginástica ou sites de internet colocam a opção de  débito automático: o padrão é continuar a pagar.
+JOTA: <a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-um-chefe-de-compliance-quem-e-o-profissional-dessa-area-06022018" target="_blank" rel="noopener">Diário de um chefe de Compliance: quem é o profissional dessa área?</a>
Outro viés importante: simplificar e reduzir exigências. Quer que as pessoas respondam a um questionário? Faça com que o link se abra diretamente no email (e não coloque três telas e senhas antes de chegar ao lugar desejado). E há dezenas, se não centenas, de outros vieses. Uma simples pesquisa na Wikipédia daria uma lista enorme.
Já há algum tempo mantenho contato com empresas que trabalham com ciências comportamentais para ao menos ensinar minha equipe como usar essa importante caixa de ferramentas. Em geral, um projeto específico de ciências comportamentais pode levar tempo e algum dinheiro, porque envolve pesquisas empíricas, incluindo grupo de controle.
+JOTA: <a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-um-chefe-de-compliance-cultura-corporativa-13022018" target="_blank" rel="noopener">Diário de um chefe de Compliance: cultura corporativa</a>
Mas não é necessário fazer uma pesquisa específica em sua empresa para que você possa usar as descobertas da ciências comportamentais. Basta estudar um pouco os vieses e os casos já publicados para ter ideias muito úteis e baratas para melhorar seu programa de compliance.
+JOTA: <a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-um-chefe-de-compliance-metricas-e-sistemas-podem-salvar-ou-matar-20022018" target="_blank" rel="noopener">Diário de um chefe de Compliance: métricas e sistemas podem salvar ou matar</a>
Hoje ainda há pouco rigor acadêmico no mundo de compliance (no Brasil e no exterior). Quanto mais densidade técnica essa especialidade tomar, maior será o uso de métricas e métodos comprovados. E não tenho a menor dúvida de que o ferramental das ciências comportamentais faz parte do futuro do compliance. Um empurrãozinho para que as pessoas tomem as decisões certas.

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JOTA

Tudo que queremos é é que as pessoas tomem as decisões certas, mas somos muito menos racionais do que pensamos

Diário de um chefe de compliance: um empurrãozinho

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