Ticiano Gadêlha

Era 2000 e eu, apenas um menino de 16 anos que tocava em uma banda de rock e participava do grupo de teatro na escola. Do vôlei e do coral fui convidado a "não dar continuidade" tanto por não ter talento nato para o esporte quanto dons vocais.
Queria apenas deixar o cabelo crescer e entrar para o mundo da música ou das artes cênicas, mas minha família insistia em sugerir medicina, profissão de meu exemplar e saudoso pai e dos sonhos de minha amada e arrependida mãe, que cursou Direito a contragosto. Em 1967, a matemática era matéria obrigatória em tempos de ditadura militar para o curso médico - não sabia aquela jovem a importância da lei em período tão singular.
Ao chegar o tempo de inscrições para o vestibular, soube de um curso de cinema voltado às atividades de roteiro e direção que uma importante faculdade paranaense estava oferecendo e busquei apoio em casa. O resultado foi certeiro: meu sensato pai sugeriu que eu participasse de alguns cursos de curta duração a fim de conhecer a sétima arte por dentro e não apenas o que era veiculado pela mídia, digamos, tradicional.
[formulario_fulllist]
Fiz. Entre um curso e outro de roteiro, de direção, de crítica de cinema, o que mais me despertou o interesse foi um de direitos autorais que aconteceu por acaso em um festival de cinema. Enlouquecido com aquelas questões, busquei conhecer um pouco mais o mercado e uma colega de um dos cursos me convidou pra ser seu assistente de direção naquele que seria seu primeiro curta metragem profissional. Óbvio que aceitei. Contudo, percebi que gostaria de estar fora do set cuidando do emaranhado de relações jurídicas que envolviam aquele belíssimo trabalho. Ela se tornou uma grande amiga e hoje também é minha cliente justamente na área que, antes mesmo de ingressar na faculdade de Direito, já sabia que queria seguir - algo raro e que eu não poderia desperdiçar.
Se não havia talento para as artes, sejam elas médicas, musicais, cênicas ou cinematográficas, não era difícil perceber que o Direito talvez fosse uma boa opção, correto? Não. Absolutamente incorreto. Em minha família, há diversos advogados, juízes e até um desembargador que chegou a ser vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região(TRF5). Advogados então, nem se fala. Embora gostasse muito da família como um todo, detestava aquela série de protocolos que eles aparentavam encarar com naturalidade: barbas constantemente bem feitas, ternos impecáveis, sapatos bem lustrados, sem falar com o excesso (?) de café. Bom, de toda a pseudo-inspiração jurídico-familiar só me restou o enorme apreço pela cafeína hoje consumida responsavelmente cerca de seis vezes ao dia.
Comecei a faculdade e, dois meses depois, a estagiar com assistência social gratuita na área de Direito do Consumidor, vaga ofertada por Maura Gomes, uma simpática professora do primeiro período da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Semanalmente, estávamos aprendendo um pouco das relações de consumo e seus impactos na sociedade. Contudo, não era aquilo que me movia.
Marcel Costi, um querido amigo de infância (hoje, também sócio) me telefona (sim, mensagens instantâneas eram raras e celular com internet em 2002 era coisa pra CEO de multinacional) dizendo que o escritório onde ele estagiava estava com uma vaga aberta para a área de recuperação de crédito bancário. Lógico que eu nunca sonhei em buscar crédito para bancos, mas vi ali a oportunidade de estar em um grande escritório com unidades pelo Brasil inteiro. Particularmente, ao pesquisar o nome, descobri que estava no Rio de Janeiro a advogada com quem eu queria trabalhar: Tatiana Campelo Lopes, sócia responsável pela área de Propriedade Intelectual. Trabalhando supervisionado por Mirella Cavalcanti, pedi autorização para entrar em contato com Tatiana, da unidade do Rio de Janeiro. Estranhando um estagiário querendo conversar com uma sócia, ela deixou - talvez por acreditar que eu não seguiria com isto.
Segui. Tatiana não apenas foi extremamente simpática por email e telefone, como me convidou para conhecer o escritório carioca e conversar um pouco mais sobre a área. Quarenta e cinco dias depois, em janeiro de 2006, lá estava eu: empresarial RB1 na Av. Rio Branco, nº 1, centro, Rio de Janeiro, bem perto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), onde ingressei no mestrado em 2011. Por óbvio, ela estranhou aquele batendo à sua porta, mas o recebeu extremamente bem e terminou se tornando uma amiga e conselheira profissional até hoje.
Não tive dúvidas, com o passar dos meses, que era na propriedade intelectual que eu encontrava o prazer de estudar e trabalhar. A fim de realizar um curso de extensão em Propriedade Intelectual com ênfase em direitos autorais na FGV (Fundação Getúlio Vargas), no início do quinto período, busquei transferência para a PUC Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Agarrei essa oportunidade e, aqueles dez dias de aulas presenciais da FGV se tornaram 6 anos de moradia no Rio. Depois disso, estagiei no Dannemann Siemsen, maior escritório do Brasil nessa área, voltei à PUC para cursar a especialização em Direito da Propriedade Intelectual e ingressei no mestrado do INPI.
Atualmente, moro na capital pernambucana, enfrento os trabalhos à frente das comissões de propriedade intelectual da OAB/PE e do Instituto dos Advogados de Pernambuco e estou terminando o CopyrightX, um curso maravilhoso de Direito Autoral oferecido pela Universidade de Harvard.
Deliciosamente, passei por uma semana bastante atribulada e repleta de satisfação profissional respirando tudo que mais gosto: propriedade intelectual.
Segunda-feira 
Na sexta-feira anterior (24/03), proferi uma palestra sobre a importância das marcas na Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) em Recife e, no sábado, (25/03), foi o dia de um workshop que organizamos com o consultor de São Paulo especialista em branding e em user experience Marcos Hiller, que auxilia alguns de nossos clientes por aqui.
Isso fez com que a segunda-feira fosse de balanço dos eventos do final da semana e de planejamento estratégico.
Talvez essa seja a demanda mais importante de um profissional de qualquer área: planejamento. Embora muitas vezes as coisas ocorram de forma distinta do que havíamos previsto, é de crucial importância analisar as razões e olhar adiante buscando melhorias.
Para finalizar, teria aula do CopyrightX, curso de direito autoral da Universidade de Harvard, mas ela foi adiada para quarta-feira, em virtude de um problema com um de nossos professores que estava na Índia em um congresso de propriedade intelectual. Dia bem longo e muito prazeroso em função dos resultados positivos dos últimos eventos.
Terça-feira 
Logo no início da manhã, participamos da sessão de julgamento de um artista, cliente de nosso escritório, que teve sua obra reproduzida sem autorização por uma faculdade pernambucana. O desconhecimento do direito autoral é tão grande no Poder Judiciário brasileiro que perdemos esta porque o juiz entendeu que não houve cópia, embora a jurisprudência nacional seja uníssona em sentido contrário - podemos afirmar também por termos vencido um processo idêntico do mesmo cliente contra uma universidade do Paraná.
Às 14h teria reunião com a mesma cineasta que me mostrou um set de filmagem profissional há cerca de 16 anos, mas ela adoeceu e precisou adiar para sexta-feira nosso compromisso. Nos últimos três anos, prestei serviços profissionais a uma prefeitura e, como tudo em nosso país relacionado a política é complicado e burocrático, ainda tenho compromissos (mesmo após 3 meses de término dos trabalhos). Ao final da tarde, fui a uma empresa de contabilidade que prestou assessoria ao município e, embora tenha ficado 5 meses sem receber pela prestação de seus serviços profissionais (eu ainda tenho 2 meses de salários de 2016 em atraso), foi extremamente gentil ao me ajudar a finalizar um detalhado relatório contábil para que pudesse finalizar meu parecer jurídico sobre a prestação de contas de 2016.
À noite, participei de um evento sobre inovação organizado por um grupo de líderes empresariais que contou com palestras da Uber, da Google, da IBM e da Salesforce. Evento maravilhoso, especialmente para pensarmos em como inovar em nosso segmento. Estou convicto que nós, operadores do Direito, temos imensa dificuldade em lidar com a inovação - o que é uma grande falha de nossa classe, uma vez que empresas de outras áreas desenvolvem inteligência artificial até para soluções jurídicas.
Recentemente, o banco americano JPMorgan anunciou a criação de um software entitulado COIN (Contract Intelligence) que faz trabalhos jurídicos em poucos segundos enquanto advogados levariam 360 mil horas para finalizar. Quem não inovar, facilmente terá o mesmo destino dos operadores de tíquete de estacionamento de shoppings: descontinuidade da função por causa da criação de um robô simples que cobra pouco e erra menos ainda.
Quarta-feira 
Hoje o dia foi bem longo. Ainda bem que uma das duas reuniões de conselho (da ABCC) que eu teria às 9h30 foi adiada para a semana seguinte. Ao retornar da academia, participei da reunião mensal do conselho da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI) com uma pauta extremamente propositiva visando melhorar o diálogo com o Poder Público e se opor a alguns projetos legislativos que vão de encontro ao que acreditamos ser temerário para a sociedade brasileira em nossa área de atuação.
Precisei retificar o relatório constante no parecer para a prestação de contas do município porque a equipe da gestão eleita nos passou novos dados contábeis.
À tarde, me debrucei sobre a revisão de alguns contratos e iniciei a elaboração de duas notificações extrajudiciais, além de finalizar um Recurso contra Indeferimento ao INPI em defesa de um cliente nosso que teve o registro de sua marca negado por causa de um outro processo - pasmem! - de sua própria titularidade. O erro se deveu ao fato de o INPI não ter processado logo a cessão para a mudança de titularidade do processo anterior. Apesar de acreditar no êxito da medida apresentada, deveremos aguardar cerca de 4 a 5 anos para o julgamento do recurso…
Noite muito corrida e proveitosa com duas reuniões das comissões de Propriedade Intelectual que tenho o orgulho de presidir (IAP e OAB-PE). Além de ratificarmos o calendário deste ano, confirmamos dois eventos em homenagem ao dia mundial da propriedade intelectual (26/04) para expor e debater o direito autoral e políticas públicas sobre a questão das grafitagens x pichações em São Paulo e as ações de empresas como Amazon que doaram livros para aquele município. A questão é analisar não o bom mocismo, mas o direito envolvido nessa guerra política.
Cheguei atrasado para a nona aula do CopyrightX por causa dessas duas reuniões. Embora tenham sido regidas pela eficiência em termos de tempo (nos limitamos aos horários e pautas previstas), não dá pra criarmos mais horas aos nossos dias.
Com o corpo destruído após um dia tão corrido, um banho e um bom sono foram minhas últimas providências da noite.
Quinta-feira 
Após suar um pouco na academia, fui ao Fórum Estadual despachar três processos. Por muita sorte, não tomou o tempo habitual e consegui até ter o luxo de almoçar em casa.
Depois de uma consulta médica no início da tarde (pontual, graças a Deus!) tive o prazer de ir dar um abraço e meu sincero apoio às mulheres, especialmente às homenageadas pela OAB-PE no evento anual chamado Medalha Heroínas de Tejucupapo que ocorreu no Banco Central. É com grande orgulho que aplaudo pessoas fortes do sexo feminino que recebem tão importante homenagem. Foram as bravas mulheres de Tejucupapo (antigo distrito de Goiana/PE) que expulsaram os holandeses das invasões às suas terras. Bravas não apenas em força física, mas em intelectualidade, como heroínas das letras, dos estudos jurídicos, dentre tantos outros campos em que desfrutam de sucesso.
Finalmente, no início da noite, consolidei e assinei a prestação de contas do município. O prazo ainda não havia se esgotado, mas quem pode confiar que tudo dará certo e adiar um trabalho que já fora finalizado com antecedência? Agradecendo novamente aos contadores que me ajudaram com o brilhante e rigoroso trabalho técnico, finalizei a prestação e dei por encerrada minha participação com aquela experiência pública.
Sexta-feira 
Depois de correr um pouco na academia, terminei a revisão de um contrato de empreitada de uma construtora cliente nossa. Nosso trabalho é centrado em propriedade intelectual, mas surgem algumas demandas de clientes que não podemos passar adiante e atuamos com áreas do Direito afins ao nosso core business.
Passei o resto da manhã revisando umas pesquisas de anterioridade de marca e trocando email com clientes sobre colidências, que é quando terceiros buscam registrar uma marca igual ou semelhante à sua. Obviamente, precisamos defender os interesses de nossos clientes e evitar que outros consigam algo semelhante.
Como estou noivo e a mulher costuma mandar, precisei obedecer a participar de uma reunião sobre convites de casamento no início da tarde. Afinal de contas, não apenas de petições e fóruns vive um advogado, especialmente o que está prestes a se casar…
No meio da tarde, tive o prazer de receber a cineasta que me abriu os olhos para essa área e que, por um resfriado, não conseguiu vir na terça-feira. Discutimos o arcabouço jurídico para uma peça de teatro que ela está produzindo com recursos da Lei Rouanet. Tema interessantíssimo. Temos o orgulho de trabalhar em mais uma demanda dela que, além de cliente há 4 anos, é uma querida amiga desde que me ofereceu a possibilidade de conhecer o trabalho profissional no cinema.
Chegando próximo ao final de semana, elaborei e enviei o email de agradecimento aos alunos do workshop do sábado anterior que organizamos e tivemos a imensa alegria de ter lista de espera. Com o meu muito obrigado a todos aqueles que enriqueceram o debate sobre branding e user experience, pude finalmente sair pra namorar um pouco - antes que minha noiva me desse uma bronca!
Sábado e domingo 
Além de descansar e dormir como não consigo ao longo da semana, precisei resolver algumas questões de casamento com minha noiva, mas houve bastante espaço para descansar e tirar o atraso da leitura que fica muito corrida ao longo da semana.
Finalizei este texto e, para não perder o hábito, continuei a escrever (sem pressa e com muito café) um artigo sobre a atual necessidade de registro de contrato de direito autoral para transações quando o direito autoral por si próprio não demanda esta mesma exigência.
Mais Diários de Carreira 
<a href="https://jota.info/carreira/diario-de-carreira-juiz-substituto-do-tj-rj-24032017" target="_blank">Juiz substituto do Tribunal de Justiça do RJ</a> 
<a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-carreira-procurador-da-republica-em-tabatinga-27012017" target="_blank">Procurador da República em Tabatinga 
</a><a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-carreira-semana-de-trabalho-numa-defensoria-mista-25112016" target="_blank">A semana de trabalho numa Defensoria mista 
</a><a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-carreira-conciliadora-da-justica-trabalho-08022017" target="_blank">Conciliadora da Justiça do Trabalho 
</a><a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-carreira-rotina-de-um-delegado-plantonista-da-policia-civil-rj-01112016" target="_blank">A rotina de um delegado plantonista da polícia civil do RJ 
</a><a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-carreira-semana-de-um-advogado-trabalhista-20012017" target="_blank">A semana de um advogado trabalhista 
</a><a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-carreira-semana-de-trabalho-de-um-juiz-federal-numa-vara-civel-28102016" target="_blank">A semana de um juiz federal numa vara cível 
</a><a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-carreira-rotina-de-um-headhunter-direito-23122016" target="_blank">A rotina de um headhunter do Direito 
</a><a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-carreira-promotor-de-justica-da-infancia-e-da-juventude-11102016" target="_blank">Promotor da infância e juventude 
</a><a href="https://www.jota.info/carreira/diario-de-carreira-consultor-legislativo-senado-09122016" target="_blank">Consultor legislativo do Senado 
</a><a href="https://jota.info/carreira/diario-de-carreira-diretor-de-ong-de-direitos-humanos-17022017" target="_blank">Diretor de ONG de Direitos Humanos 
</a><a href="https://jota.info/carreira/diario-de-carreira-advogado-tributario-consultivo-03032017" target="_blank">A rotina de um advogado tributário consultivo</a>

concept-1868728

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Ramo da advocacia busca compreender e defender a criação intelectual e os bens culturais

Diário de Carreira: advogado em propriedade intelectual

Quer patrocinar nossa cobertura permanente sobre a formação de profissionais do Direito? Mande um e-mail para contato@jota.info.