Alfredo Attié

Para entender o que é o exercício da profissão do Direito, sobretudo no Brasil, é preciso mais do que estudo e experiência. Eu diria que estamos precisando de alguma coisa como uma terapia coletiva, em que as pessoas, com os mais variados graus de estudo e anos de experiência, possam não apenas trocar ideias, mas sobretudo expressar alegrias e frustrações, que permitam uma renovação de energia para os que já se convenceram de que o caminho trilhado, mesmo difícil, vale a pena, e para ajudar os jovens a entender não o que os espera, mas o que podem e devem fazer para transformar tanto o estudo quanto a experiência.
Os profissionais ou operadores do Direito, que, em minha opinião, devem voltar a se chamar de juristas, estão esquecidos da importância e da finalidade de sua atividade. Estudam para quê? Trabalham para quê?
Lá atrás, no início da formação da especialização profissional dos juristas, essas dúvidas não existiam, uma vez que a palavra Justiça (Iustitia) já continha a palavra Direito (Ius), pelo que não era possível pensar as duas coisas de forma separada. Direito se dizia justo e, presumivelmente, devia ser praticado assim, tendo em vista o que culturalmente era aceito como justiça.
Portanto, o que todos os juristas devem guardar como objetivo de sua profissão é fazer justiça, coletivamente. Isto significa participar da vida social com uma qualidade, que é a de construir justiça entre as injustiças do cotidiano.
Isso é particularmente difícil num país como o Brasil, cujo espírito social nega a ideia de justiça todos os dias, na casa, no trabalho, nas ruas e na política.
Após estudar Direito e História na Universidade de São Paulo, tinha mais ou menos uma ideia do que viria a ser a prática do Direito. Escolhi continuar os estudos, no Mestrado em Teoria do Direito e no Doutorado em Filosofia.
Sabia que o Direito brasileiro e mesmo as humanidades estavam mal quebrados, uma vez que a ditadura civil militar e a censura pesada, no ambiente interno, e a guerra fria, no ambiente externo, haviam afastado a liberdade de conhecimento, de investigação, de leitura e de expressão, que são essenciais para a formação de qualquer pessoa e fundamentais para a estipulação de uma ciência e de uma arte efetivamente livres e humanas.
Já o estudo da História, no ambiente da FFLCH da USP, foi um antídoto e uma abertura cultural que me demonstraram quão precária era a ciência que se praticava nas faculdades de Direito.
Mas veio a democratização e uma esperança de que o Direito pudesse voltar a ser estudado e praticado de uma maneira mais sincera, talvez menos hipócrita. Com efeito, não era possível ensinar que as pessoas tinham direitos e deveres, se na prática isso não existia e, de certa forma, até hoje não existe plenamente.
Pensei que a atividade do Direito transcendia a ilusória divisão em profissões – magistratura, advocacia, promotoria, docência, procuradoria, defensoria, atividades policiais e cartorárias – e deveria ser praticada na forma da construção de um discurso e de uma experiência que permitissem traduzir para o Direito a plenitude da existência humana. Construir por meio do Direito, junto com os outros, uma vida feliz.
Passei pela docência, na USP e na UNESP, pela atividade de procurador do Estado, pela docência em faculdades particulares, pela construção de ONGs voltadas à distribuição da Justiça, à preparação de pessoas para resolverem de modo original conflitos sociais, à proteção ambiental e ao desenvolvimento sustentável, até chegar aos dias de hoje, em que, mais ou menos, fixei-me – se é possível usar o verbo fixar, numa realidade fluida e sempre em movimento - na experiência da magistratura no Tribunal de Justiça de São Paulo, na experiência de pesquisa, na Universidade de São Paulo e em Agências Internacionais, na participação formal em Agências Internacionais, inclusive da ONU, na docência e no intercâmbio de ideias e culturas internacionais, em universidades brasileiras e estrangeiras, e na atividade docente, seja na magistratura, seja no âmbito da Academia Paulista de Direito, da qual sou titular da Cadeira San Tiago Dantas, sucedendo o professor Gofredo da Silva Telles, e presidente.
Não há, portanto, como eu havia intuído, profissões jurídicas, mas a atividade de jurista, que transcende todas elas. É preciso construir essa unidade, no meio do diálogo que referi ao início, pelo termo da terapia coletiva e é assim, um pouco, meu dia a dia, que compartilho a seguir.
Segunda-feira (2 de abril)
Muito embora as várias atividades, e, sobretudo, em face de as ter de desenvolver com seriedade, há necessidade de uma certa disciplina e meus dias se desenvolvem com o deslocamento para meu gabinete, no Tribunal de Justiça e a sede da Academia Paulista de Direito.
O gabinete fica no centro histórico da cidade de São Paulo, e a Academia, na Avenida Paulista, cada vez mais o centro cultural da capital paulista.
Pela manhã, fui à Academia e realizei as reuniões com os Grupos de Pesquisa e Extensão à Sociedade, que ali criei.
Nessa segunda, minha reunião se deu com o grupo Diversidade e Direito, em que discutimos a construção de políticas públicas voltadas à inclusão social das chamadas minorias: gêneros, etnias, imigrantes e refugiados, portadores de deficiência, indígenas.
Na parte da tarde, o gabinete. O gabinete de 2ª Instância é constituído por um Magistrado, que exerce a função de desembargador, escreventes, assistentes e estagiários. A atividade de escreventes e assistentes é a de ajudar na organização do trabalho, por meio da elaboração de minutas relativas à atividade propriamente jurídica, que são os votos individuais, levados à sessão de julgamento para debate entre os desembargadores que compõem a turma de julgamento.
Esses votos são votos de relator, portanto, aquele juiz que conhece em 1ª mão do recurso, bem como votos convergentes ou divergentes, de revisão, como 2º ou 3º julgador, de votos proferidos por outros relatores. Os recursos são de apelação, agravo de instrumento e embargos de declaração, que correspondem aos previstos no Código de Processo Civil, na atividade desenvolvida na Câmara de Direito Privado.
São votos que seguem, na grande maioria dos casos, teses já apreciadas, tanto no Tribunal de Justiça quanto nos Tribunais de Brasília, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Há alguns casos especiais e diferentes, alguns que demandam uma análise mais dedicada dos fatos, outros que impõem uma revisão do próprio direito.
À noite, em geral, a atividade de presidente da Academia Paulista de Direito determina o comparecimento a atividades sociais, sejam reuniões para recepção de juristas visitantes, sejam palestras e cerimônias de que vive o mundo jurídico.
Nesta segunda-feira, compareci à bela homenagem prestada a um dos maiores juristas brasileiros, o professor Celso Lafer, que recebeu o título, no Salão Nobre de Direito da USP, de Professor Emérito daquela instituição, merecidamente.
Em seu discurso, o professor Lafer, com seu estilo elegante e com a profundidade permitida por sua inteligência e erudição, ainda citou outro acadêmicos importantes como,  Gofredo Telles e Miguel Reale, que foram membros fundadores, é bom ressaltar, da Academia Paulista de Direito, além de Vicente Marotta Rangel.
Terça-feira (3 de abril)
Na parte da manhã, no gabinete, além da elaboração dos votos, recebi dois advogados e uma advogada, que foram levar memoriais, que são alegações finais, em sede de recurso, além de argumentar pessoalmente a respeito dos pontos, que segundo eles e ela, na defesa do direito e dos interesses das partes que representavam, deveriam ser bem analisados no voto a ser proferido.
É importante que o magistrado sempre esteja aberto a esse diálogo, seja porque o processo judicial é um modo de construção democrática de uma decisão, seja porque o relacionamento da magistratura com a sociedade é essencial para a construção cultural da Justiça e para a formação permanente do próprio jurista.
À tarde, ainda no Gabinete, além da redação dos votos, cuidei da preparação de artigos para a imprensa e para revistas especializadas. O artigo para a imprensa, posteriormente publicado no jornal O Estado de São Paulo, dizia respeito a uma crítica do modo como a discussão a respeito dos temas atuais, no Brasil, vem se desenvolvendo e como é importante salientar os aspectos jurídicos que permitam a melhor compreensão da própria política.
Depois, voltei à faculdade de Direito da USP, para reunião com o professor Doutor Wagner Menezes, relativa à efetivação de trabalho conjunto entre núcleo de estudos da USP e os grupos de Pesquisa da Academia Paulista de Direito.
Quarta-feira (4 de abril)
Pela manhã estive no gabinete para as minhas atividades regulares. Mais tarde, fui à Academia para reunião com os jovens que estavam dedicados à construção do website da entidade. Eu tinha de lhes entregar textos relativos à história e à sede da Academia, além de discutir o design das páginas.
Ainda no período da tarde, gravação de depoimento veiculado pelo <a href="https://www.apd.org.br/" target="_blank" rel="noopener">site da Academia Paulista de Direito</a> e por sua <a href="https://www.facebook.com/academiapaulistadedireito/" target="_blank" rel="noopener">página no Facebook</a>, em vídeo, relativo à questão da presunção de inocência e da prisão em 2º. Grau.
À noite, visita ao bairro da Luz, no centro de São Paulo, para participar de grupo de pesquisa da Universidade de São Paulo, que envolve o diálogo com os habitantes do local e as organizações sociais que ali desenvolvem trabalho social e cultural relevante.
Quinta feira (5 de abril)
Pela manhã, na Academia Paulista de Direito, reunião para distribuição aos revisores, professores e pesquisadores de várias universidades do mundo dos artigos enviados para apreciação e publicação na Polifonia – Revista Internacional da Academia Paulista de Direito, volume do ano de 2018, número relativo ao Outono e Inverno, a ser publicado em junho deste ano.
Período da tarde, expediente no gabinete do Tribunal, para a redação dos votos e sua revisão, além de atividades de orientação aos estagiários.
Sexta feira (6 de abril)
Pela manhã, participação de entrevista ao PodCast  Mamilos, para discutir a situação atual da judicialização da política e da politização do Judiciário, apreciando a sessão do STF e a decisão relativa ao HC impetrado pelo ex-presidente Lula, bem como crítica da tese da prisão automática após decisão de 2ª Instância condenatória.
Período da trade: ida ao gabinete do Tribunal.
Noite: reunião com o grupo de Pesquisa da Academia Direito e Economia, com a participação dos representantes do B-System.
Em seguida, jantar com o professor e escritor Deonísio Silva e com o psicanalista Jacob Goldberg, para discutir o projeto Diálogos e Etmologias Jurídicas, a ser realizado pela Academia Paulista de Direito.
Sábado (7 de abril)
Pela manhã, reunião com o grupo de pesquisas de Tribunais Internacionais de Direitos Humanos da USP, na Academia Paulista de Direito. À tarde, comparecimento a lançamento de livro.
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