Fabio Pallaretti Calcini

No mês passado tivemos o chamado “setembro verde”, que tem por objetivo conscientizar da importância da doação de órgãos.
Aproveito este tema para contar um pouco deste ato de amor que é dar parte de seu corpo literalmente para salvar uma ou mais vidas!
Tudo começa em 2000, quando, após um emagrecimento repentino e passagens por vários médicos, descubro que sofria de uma doença autoimune que prejudica a função renal.
Nesta época estava no último ano do Curso de Direito, em período de monografia, OAB e com todos os sonhos a concretizar como todo acadêmico que ama aquilo que faz.
A doença, todavia, de alta gravidade e em estágio avançado em poucos meses me levou a um mundo que desconhecia: a hemodiálise e a luta pela vida!
Sim, no final de minha faculdade, jovem e com todos os desafios pela frente, recebia mais um.
Para quem tem conhecimento desta realidade, as sessões de hemodiálise levam à exaustão do corpo, sem contar diversos efeitos colaterais. Apesar disso, era no momento o único meio de continuar vivo e acreditar que ainda tudo que sonhava poderia ser concretizado um dia. Por isso, 3 vezes por semana, acordava às 5h30 para ir às sessões de diálise que duravam 4 horas.
Apesar destas dificuldades, continuei o meu caminho, cumprindo meu estágio, assistindo às aulas, confeccionando minha monografia – TCC – e também estudos para o exame da OAB.
Minha vontade de viver e a paixão pelo Direito era tanta que toda as dificuldades não me desanimavam.
Com esta inspiração, dei início ao meu TCC, tratando na época de tema pouco explorado até mesmo em pós-graduação, que é o princípio da razoabilidade.
Meu esforço e amor no trabalho foi tanto que, além de ser aprovado com nota máxima, o trabalho de conclusão foi publicado como livro com o títulto “O princípio da razoabilidade: um limite à discricionariedade administrativa”, pela Editora Millenium.
Este grande presente que foi a publicação do livro em período muito difícil da minha vida ainda resultou em mais frutos, já que se tornou um trabalho citado por diversos autores e Tribunais, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça, o que me honrou muito!
Para se ter uma ideia da dificuldade do período, que acometia não somente o físico, mas também o psicológico, quando do exame da OAB, como era comum passar muito mal pela manhã, acordei mais cedo que o horário do exame para que, antes do momento da avaliação, já tivesse tido toda a crise de vômitos e evitasse que isso ocorresse durante a prova. Felizmente, com muita fé e dedicação, isto não me impediu de ser aprovado no primeiro exame que fiz.
Com o bacharelado em Direito e a inscrição na OAB, dei início à advocacia, sem deixar de ir ao trabalho e, como todo profissional, buscando desde o início fazer o melhor para nossos clientes. Mas não parava por aí, comecei meus estudos de pós-graduação em Direito Tributário pelo IBET, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
Por graça divina, meus pais eram compatíveis e durante este primeiro ano de formado fiz o transplante de rim, tendo como doador, meu querido pai.
Após o sucesso da cirurgia e alguns meses de recuperação, finalizei o IBET começando então a dar mais ênfase à minha atuação na área tributária.
Mas será que nossa história de luta e amor pela vida e ao Direito para por aqui? Não.
Com minha recuperação, retomei com mais dedicação minha atividade profissional e acadêmica que tanto amo, com atuação na advocacia, publicação de artigos e livros, aulas, palestras, ingressando então em 2004 no mestrado em Direito do Estado pela PUC/SP.
Um grande sonho para um jovem do interior, de família humilde e sem qualquer tradição na área do Direito.
Durante este período de muito trabalho e aprendizado, ainda cursei uma especialização em Tributação Internacional em Salamanca, na Espanha.
Infelizmente, no período de finalização do mestrado, faltando escrever a dissertação, mais uma surpresa ou provação.
Por algumas intercorrências meu rim transplantado deixa de funcionar, obrigando-me a novamente reviver todas as dificuldades e sofrimento já passado. Foi realmente um momento de muita dor e sofrimento, em alguns momentos revolta. Duvidava se realmente gostaria de continuar a viver.
Apesar disso, mais uma vez, a fé em Deus, o amor à vida e ao Direito estiveram do meu lado, motivando-me a cada dia de diálise e na busca de um novo transplante.
Foi durante este período que, mesmo com dificuldade, elaborei minha dissertação de mestrado.
Aliás, em razão de prazos no mestrado e a urgência de meu problema de saúde, depositei o trabalho e fui para a mesa de cirurgia para realizar um novo transplante renal.
Graças a Deus, o novo transplante com a doação de minha também querida mãe foi um sucesso! Em pouco dias, já estava melhor e em frente à banca de avaliação do mestrado!
Com a saúde novamente recuperada, e ampla gratidão, segui meu caminho de amor à profissão e ao Direito, sendo agraciado com inúmeros trabalhos jurídicos, aulas em faculdades, livros, como também exercício de cargos e funções que muito me orgulham como Conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF/MF), Diretor Jurídico Adjunto do CIESP, Membro da Comissão Especial Tributária do Conselho Federal da OAB e também da OAB/SP.
Esta alegria e gratidão pela oportunidade de continuar a viver e dedicação ao Direito ainda me motivaram a cursar o doutorado novamente pela PUC/SP, que também se tornou livro sob o título “Princípio da Legalidade” (Editora Lumen Juris), além de atualmente realizar o sonho do curso pós-doutorado em Coimbra, Portugal.
Não se pretende com este texto exaltar de forma vaidosa o que consegui, mas, verdadeiramente, buscar conscientizar da importância da doação de órgãos como ato de amor verdadeiro e incondicional capaz de salvar vidas como a minha.
Mais do que isso, também servir como uma humilde inspiração ou exemplo para aqueles que passam por dificuldades de todo tipo. Tenham fé, acreditem em si mesmos, busquem com muita força de vontade viver e atingir seus sonhos, pois são capazes!
Com esta gratidão de estar vivo, por um ato de amor de meus pais, e minha paixão pelo Direito, encerro este singelo texto com a humilde intenção de reforçar a importância da doação de órgãos e de que exerçam seu trabalho com dedicação e paixão. Vale a pena!

Advogados Brasil Salomão

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Sessões de diálise duravam 4 horas. Escrevo para reforçar a importância da doação de órgãos

Descobri uma doença renal no último ano da faculdade

Quer patrocinar nossa cobertura permanente sobre a formação de profissionais do Direito? Mande um e-mail para contato@jota.info.