Marina Copola

Um dos melhores livros que eu li durante a pandemia foi Topeka School, do Ben Lerner. Em determinada passagem, um dos personagens, um psicanalista, sentencia, tomando de empréstimo uma citação do Niels Bohr, que o oposto do que chamamos de uma “verdade profunda” não é bem uma mentira, mas sim, uma outra “verdade profunda”.
Eu venho há tempos enrolando para escrever essa coluna a pedido do JOTA. E eu confesso que isso aconteceu porque toda hora me pegava fazendo listas de recomendações e, ao mesmo tempo, questionando a real utilidade daquilo tudo.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Isso porque quanto mais eu conheço a história dos advogados que admiro, mais eu vejo que, em comum, todas aquelas carreiras têm o fato de não terem saído exatamente como o planejado. E são todas brilhantes. Não ajudou que eu resolvi retomar essa pendência no meio da pandemia, quando os planos de todo mundo foram pelos ares.
Mas eu fiquei pensando muito no Ben Lerner, e se o segredo, a “verdade”, estava na segurança da preparação meticulosa ou no abandono ao imponderável que há por trás de qualquer decisão de risco, para chegar a uma conclusão, desculpe, óbvia: que eu só passei um ano procrastinando essa coluna por conta de uma contradição que, no fundo, não existe.
Ela não existe porque, na sua carreira, essas duas forças antagônicas vão ter que conviver, e tudo que vier de mais interessante vai ser produto da forma como você vai administrar as incertezas e os trade offs que vão aparecer.
Dito isso, de largada, eu penso que algumas coisas são requisitos mínimos se você cogita uma carreira em mercado de capitais.
Dedique-se à sua faculdade, sobretudo a matérias que, aparentemente, não têm nada a ver com o que você imagina que seja a advocacia empresarial. Estude Direito Civil, Processo e Penal – cada vez mais essas dimensões têm se cruzado e, como advogado, você vai precisar ser capaz de fazer escolhas em situações não ideais, e ajudar a traçar estratégias mais abrangentes para os seus clientes. Esses são, aliás, os casos mais divertidos (bom, para você, ao menos).
Fale e escreva inglês fluentemente e domine conceitos fundamentais de contabilidade e finanças. Seja honesto consigo próprio sobre suas capacidades nestes dois “idiomas”.
Faça uma pós-graduação em Direito – eu recomendo ao menos um mestrado ou doutorado stricto sensu. O exercício de se ver sozinho, tendo que produzir concretamente um pensamento jurídico que é seu, com a sua voz, mas que não tem uso mais imediato (como em um caso no escritório) pode ser muito transformador.
E, se você tiver sorte, criará uma rede de amigos e colegas com interesses comuns que o acompanhará por toda a carreira. Networking é um negócio real e começa antes do que você imagina – preste atenção nisso já na faculdade.
Além disso, leia muito.
Leia literatura porque a palavra é a ferramenta do seu ofício, os vocábulos têm peso, e conseguir se expressar com precisão (e estilo!) na forma escrita é um grande diferencial.
Por fim, leia o site da CVM e ao menos um jornal especializado todos os dias – a bem da verdade, um amigo que é consumidor voraz de conteúdo me fez ver que nessa rotina matutina precisam necessariamente figurar alguns blogs e periódicos estrangeiros também.
Com tantas fontes de distração nas redes sociais, essa é uma recomendação que vem se tornando progressivamente mais difícil de cumprir, mas é um hábito que você precisa desenvolver com rigor absoluto, como tomar água. Full disclosure: na correria da semana, eu estou sempre me policiando para fazer as duas coisas.
Isso tudo é, pelo menos eu acho, o básico, mas daí por diante, eu confesso que não tenho como lhe ajudar muito.
Me perguntam com frequência: vale a pena fazer um LL.M.? Depende – alguns dos melhores advogados que eu conheço não fizeram. Para mim, por outro lado, ter trabalhado de igual para igual com os gringos em NY é parte indissociável de quem eu sou hoje.
Escritório ou empresa? Também não sei dizer em abstrato – foi-se o tempo em que ser in-house era sinônimo de uma trilha mais tranquila e previsível. Eu estou cheia de clientes que estão em indústrias super disruptivas e que eu não faço ideia quando dormem.
Se você conseguir, eu recomendo algum tempo no serviço público: eu poderia escrever uma coluna inteira sobre tudo o que isso pode lhe ensinar, mas eu lhe asseguro que, para algumas pessoas, nenhuma experiência será tão gratificante.
<blockquote class="jota-article__eye">O meu ponto todo aqui é que o que eu estou chamando de básico em termos de preparação assim o é por um único motivo: porque como um jovem advogado você tem só uma falsa ilusão de controle do que você vai enfrentar profissional e pessoalmente nos próximos anos.</blockquote>
E isso, eu devo lhe contar, é maravilhoso. Porque são precisamente as escolhas que você não pôde prever e os riscos que vai tomar que, daqui um tempo, quando olhar para trás, vão ter feito sua carreira mais interessante e dar mais sentido ao todo.
É sobre elas que você vai falar na mesa do bar, jogando conversa fora antes de uma reunião importante, e que vão fazer a diferença num pitch com um cliente novo.
A realidade é que a lista das coisas que você não controla é infinitamente maior do que as dicas que eu compilei alguns parágrafos acima porque a sua carreira não vem embalada a vácuo – e eu estou, no fundo, falando da sua vida.
Ela inclui a vaga de estágio para a qual você foi dolorosamente rejeitado, o mentor que você descobriu por acaso, um racha no seu escritório, a possibilidade de um secondment – e até coisas bem mais sérias, como a saúde de um parente próximo, o nascimento de um filho ou por quem você se apaixona.
Aquele roteiro básico tem, por isso, uma única função: é ele que vai lhe dar condições de tomar as melhores decisões possíveis frente a esse conjunto de coisas que vai lhe acontecer.
Com aquelas habilidades debaixo do braço, no mínimo, na adversidade, você não vai passar apertado. Com sorte (e você nem imagina como ter sorte é importante nisso tudo!) você vai conseguir enxergar mais adiante que a maioria e saber criar oportunidades para você.
Em suma: eu lhe recomendo disciplina e lhe desejo coragem. A gente se cruza!
<hr />
O episódio 52 do podcast Sem Precedentes discute os bastidores e as desconfianças envolvendo o caso Lula no Supremo Tribunal Federal. Ouça:
https://youtu.be/1T8EYyNCQeM

mulher, trabalho

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JOTA

Algumas coisas são requisitos mínimos se você cogita uma carreira na área

Carta a um jovem advogado do mercado de capitais

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