Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian

O JOTA me trouxe o desafio de falar sobre a importância do ensino e do estudo do Direito Internacional Privado (DIPr) no Brasil. E que desafio!
Os editores me pediram respostas. Mas, quando este é o assunto, sou toda perguntas.
Por isso, inicio este texto com uma: “Quem estudou ou estuda Direito Internacional Privado na Universidade”?
Àqueles(as) que disseram “sim”, faço uma segunda pergunta: “Quem, à época em que estudou, pensou que a disciplina era próxima de nossa realidade”?
Para o segundo questionamento tenho algumas respostas. Fiz esta pergunta aos meus alunos e alunas da Universidade em que leciono. Para 90% dos(as) discentes, a resposta foi negativa. E a justificativa para o quase tão uníssono “não” foi a de que casos que envolviam mais de uma jurisdição eram praticamente inexistentes em escritórios, empresas, órgãos públicos... e até mesmo na própria Universidade.
Tenho absoluta certeza de que a negativa não se aplica somente ao contexto em que estou inserida. Quantos são os cursos de Direito em IES no País que sequer contam com as disciplinas clássicas do Direito Internacional em suas grades curriculares? Nas Universidades nacionais em que tais matérias são lecionadas, há também evidente distanciamento da teoria com o que os(as) alunos(as) entendem por prática.
À essa resposta – um tanto frustrante para uma Professora de DIPr -, rebati com mais um questionamento: “será que a disciplina é distante de nossa realidade ou nós que estamos verdadeiramente afastados do Direito Internacional”?
Foi com essa dúvida que consegui compreender onde estamos. E estamos longe.
Apesar de todos(as) concordarem com o fato inegável de que vivemos em um mundo globalizado, em que as fronteiras hoje representam prioritariamente limites físicos às jurisdições, a compreensão sobre as relações humanas que se travam nesse contexto e sobre seus efeitos jurídicos no Brasil é repleta de desconhecimentos.
Vivemos focados em nossos próprios problemas. A começar por nosso senso de identidade sul-americana. Temos consciência de nossa posição geográfica no mapa, mas não nos identificamos como tal quando nos questionam<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Nos sentimos singulares, excepcionais, ilhados em um oceano de Estados, culturas, costumes... isso em nosso próprio continente!
Esse sentimento se confirma quando estudamos Direito no Brasil. Encontramos um universo de leis nacionais nos Vade Mecums como se somente elas fossem relevantes ao nosso estudo e prática. Poucos são os que conseguem imaginar que aos juízes brasileiros é dada a possibilidade – em casos previstos nas fontes de Direito Internacional Privado, que atualmente são plurais<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, sobrepondo-se, em determinadas ocasiões, aos elementos de conexão previstos exclusivamente na LINDB – de aplicar a lei estrangeira em casos envolvendo mais de uma jurisdição. Poucos são os que conseguem imaginar a incidência de um tratado para solucionar tais problemas. E menos ainda são aqueles e aquelas que conseguem compreender e interpretar um tratado em um caso concreto em conformidade com o Direito Internacional em suas peculiaridades.
Estamos mesmo distantes. A importância do estudo do Direito Internacional Privado (e, consequentemente, do Direito Internacional Público) se confirma ao lermos quase que diariamente nos meios de comunicação notícias relacionadas ao sequestro internacional de crianças, cooperação jurídica internacional em casos de corrupção e nos mais variados contextos, tráfico internacional de pessoas, situação dos refugiados e imigrantes no país, extradição de brasileiros que cometeram crimes ou outros atos no exterior, etc., e não fazermos a correta conexão de tais temas às questões discutidas e lecionadas em sala de aula e – sim - postas em prática nos escritórios, empresas e órgãos públicos. A importância se confirma com mais vigor nas decisões judiciais equivocadas que saltam aos nossos olhos, nas interpretações de normas internacionais com um viés puramente nacional - que, afinal, é o único conhecido com profundidade em nosso País. O desconhecimento do Direito Internacional e o preciosismo com a lei interna são tamanhos a ponto de se ouvir cotidianamente afirmações no sentido de que é possível e natural violar tratados (que foram incorporados ao ordenamento jurídico pátrio) em nome exclusivamente do Direito Brasileiro.
Precisamos de mudanças. As novas gerações, que, em breve, ocuparão os altos cargos do Poder Judiciário nacional (e outros, igualmente relevantes ao bom funcionamento das profissões jurídicas no País), necessitam compreender o momento de transição em que vivem (apesar de, em minha opinião de jovem professora, este momento já ter passado há décadas, sendo necessário aliviarmos o prejuízo que criamos com nossa própria desídia em relação à disciplina), sabendo que este é um caminho sem volta e estar dispostas a conhecer e, sobretudo, interpretar o Direito Internacional com as lentes transnacionais.
Precisamos aproximar nossos(as) alunos(as) do tema. Analisar casos práticos, utilizar novas metodologias, discutir o efeito do Direito Internacional no plano interno da forma adequada, aproximando-o dos(as) estudantes. Precisamos internacionalizar nossos(as) alunos(as) de Direito desde o primeiro dia de aula. Faz-se cada vez mais necessária, portanto, uma abordagem do Direito Internacional em todas as disciplinas do curso de Direito. Mostrar que, apesar da desimportância cultivada a esta matéria no Brasil será ela que, hoje e futuramente, conseguirá trazer de forma cada vez mais eficaz as respostas aos nossos problemas internos – que são reflexos naturais dos inúmeros anseios de toda a sociedade internacional.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A esse respeito, ver BETHELL, Leslie. Brazil and “Latin America”. Journal of Latin American Studies. Vol.42, nº 03, p. 457-485, 2010. Ver também notícia do site da BBC Brasil intitulada “Brasileiro despreza identidade latina, mas quer liderança regional, aponta pesquisa”, publicada em 2015 e disponível em: &lt;<a href="http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/12/brasileiro-despreza-identidade-latina-mas-quer-lideranca-regional-aponta-pesquisa.html">http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/12/brasileiro-despreza-identidade-latina-mas-quer-lideranca-regional-aponta-pesquisa.html</a>&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Sobre a ideia de pluralidade das fontes do Direito Internacional Privado, ver CARVALHO RAMOS, André de. Pluralidade das fontes e o novo Direito Internacional Privado. Revista da Faculdade de Direito (USP), v. 109, p. 597-620, 2014.

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JOTA

A relevância se confirma com vigor nas decisões judiciais equivocadas que saltam aos olhos

A importância do estudo do Direito Internacional Privado

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