A velocidade e complexidade cada vez maiores do setor financeiro - origem da crise internacional que teve início em 2008 - mantém uma discussão sempre presente na área de direito financeiro: quando seguir ou quando deixar de lado a norma legal. Isso porque a lei deixaria de acompanhar a evolução da sociedade em temas muito técnicos exige que alguns conflitos sejam resolvidos pelo Direito. 
Segundo o advogado Jairo Saddi, às vezes é preciso pisar na legislação para garantir um bem maior à sociedade. “Em algum momento é preciso fazer isso até para acabar com o pânico”, afirma.
Saddi aponta que a discussão de se aplicar o Direito quando não existe lei ou quando a lei está ultrapassada está relacionado à segurança jurídica e com o uso temporário e excepcional.
“É preciso proteger o sistema. No Direito Bancário existe uma coisa que não tem em qualquer outra área do mundo do direito, que é a ideia de confiança. Aliás, não é à toa que no dólar tem uma inscrição que diz ‘nós confiamos em Deus’”, disse o especialista.
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Novo mundo
Ao JOTA, o sócio do Saddi Advogados Associados falou ainda sobre risco sistêmico e novos métodos de pagamento . 
“Isso é um admirável mundo novo, acho que vai ter imensas mudanças pro futuro, pois a rigor qualquer coisa pode ser meio de pagamento", disse. "Mas está claro que o Banco Central vai regular. Se bem ou não, é outro problema.”
Jairo Saddi é vice-presidente do Conselho do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), árbitro da Câmara de Arbitragem da Associação Nacional das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima) e diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
Leia abaixo a entrevista:
Métodos alternativos de pagamento estão ganhando força no Brasil, como o cartão pré-pago e o bitcoin. Qual é a sua opinião sobre o papel dessas formas de pagamento no mercado e quais são os maiores desafios para os bancos centrais?
O  banco é o principal regulador porque há uma resolução específica sobre o meio de pagamento e o Banco Central assumiu isso com o objetivo de regular. Mas isso [meios alternativos de pagamento] é um admirável mundo novo, acho que vão haver imensas mudanças no futuro, a rigor qualquer coisa pode ser meio de pagamento. Meio de pagamento é sobre seguro, confiança, e eu acho que isso tem alguns problemas. Especialmente se olhar evolução de bitcoin está o primeiro problema seríssimo de volatilidade.
Isso para não falar sobre problemas auxiliares de lavagem de dinheiro, de uso não legal desse tipo de moeda, já que o sigilo bancário no meio de pagamento tradicional veio para ficar. No passado, dizia-se “pecunia non olet”, que significa “o dinheiro não tem cheiro”. A expressão foi criada por dioclesiano imperador romano quando resolveu cobrar para uso dos banheiros públicos em roma e seu filho disse “papai, mas como poderemos cobrar? As moedas ficarão fedendo” e o imperador teria dito: “o dinheiro não tem cheiro”.
Mas hoje o dinheiro pode ser rastreado..
A verdade é que hoje o dinheiro tem cheiro, é possível identificar de onde ele veio. E isso vai transformar o panorama e novas moedas podem surgir e na maior parte serão moedas virtuais. Mas, está claro pra mim que o Banco Central vai regular. Se bem ou não, é outro problema. E é claro que moeda de pagamento precisa de massa crítica, isso é, precisa de muita gente usando para ser aceita. Hoje, ainda preferimos usar papel moeda porque é aceito. Acho que é um mundo novo, com muitos desafios, e vai ser interessante estar nele.
O risco sistêmico já tem uma definição específica? 
O risco sistêmico não é novo. Nós discutimos o tema há mais de seis séculos e não sabíamos o nome. Mas quando o risco existe, é possível perceber claramente, porque existe um pânico generalizado. Eu diria que não se conhece o risco sistêmico. Sabe-se que é preciso tentar administrá-lo, é preciso criar mecanismos no FGC para mitigar esses riscos e acalmar a fervura quando as coisas estão quentes. É preciso saber acalmar o sistema.
O que causa o risco sistêmico?
O que causa risco sistêmico ainda é pouco compreendido. Quando você tem uma fumaça em um quarto de hotel, nem todo mundo acha que pode causar um incêndio no prédio. Mas as vezes pode. Nem todo mundo está vendo a fumaca, sentindo cheiro, mas ela pode deflagrar um incêndio. O sistema financeiro é ainda mais difícil porque você imagina risco, transfere o risco, o que o sistema faz é envelopar esse risco e administrá-lo. Porque as vezes não é possível saber aonde está o risco. Não era óbvio em 2005 que o mercado americano de imóveis iria quebrar. Por uma razões muito simples, o preço estava subindo, todos precisam de casa, imóvel é uma garantia que não vai desaparecer, não se deteriora tão rapidamente, existe demanda por moradia. Então, por que acontece esse tipo de coisa com algo aparentemente seguro? E por que a quebra de um banco de investimento causou tanto problema? Acho que pouca gente entende isso. Você só sabe que passou depois que passou.
Decisões que acompanham o Direito e não a lei colocam em xeque a segurança jurídica?
Isso está relacionado com a segurança jurídica e com o fato de poder fazer isso temporariamente e excepcionalmente. Em se tratando de direitos políticos não é admissível, mas em direitos financeiros é preciso, porque há diferença entre a acionista e o depositante, nunca devemos ligar para o acionista. Mas depositante é relevante, porque ele amedrontado causa estrago muito maior. E é preciso proteger o sistema. Então em Direito Bancário existe uma coisa que não tem em qualquer outra área do mundo do direito, que é a ideia de confiança. Aliás, não é à toa que no dólar tem uma inscrição que diz “nós confiamos em Deus”. A ideia é que as pessoas confiam no dinheiro, e não é nada mais do que um pedaço de papel, contém direito. O dinheiro na verdade é um direito que restringe ou aumenta a liberdade e quando existem regras pré-estabelecidas, sempre é mais fácil agir em momentos excepcionais.
Isso não é pisar na lei?
É, mas as vezes você precisa pisar na lei, até para acabar com o pânico. É mais ou menos a ideia de que uma pessoa em transe, você não pode dar uma injeção contra a vontade dele, forte, para ele se acalmar. Não estou falando de Direitos Políticos.
É possível comparar a regulação norte-americana com a do Brasil? Em que pé estamos?
Estamos muito bem! A regulação está ligada à cultura de cada país. Não é um bom regime aquele que se quebra pouco. Veja, não é uma boa ideia dizer “eu nunca bati meu carro, mas nunca tive carro”. O bom índice é ter um carro e nunca ter batido. Eu diria que não há um regime universal, mas o Brasil é um país com particularidades muito próprias, levando em consideração o tamanho do Estado, mercado financeiro, bancos públicos, FGC privado, e é um sistema muito diferente, o que impõe algumas dificuldades e algumas facilidades. Como isso vai ser no futuro, eu não sei. Existem vantagens e desvantagens. Eu acho que o sistema vai ser diferente no futuro. Hoje, o Brasil demanda menos do Estado, mas principalmente o outro lado da moeda que os privados tem que demandar menos dívida pública. Juros no Brasil é alto, não é porque o banqueiro é ganancioso, mas porque o Estado historicamente é mau pagador, é gastador, e por isso juros alto. É a ovelha negra da família que gasta mal.
O Brasil resiste ao ajuste fiscal?
O Brasil cresce R$ 78 bilhões com ajuste, prova que não é perfeito. Temos que fazer ajuste fiscal com sacrifício. Querer fazê-lo sem sacrifício não existe. E o Brasil tem sido muito generoso com isso, temos um povo que gosta de gastar. Nem sempre isso funciona. Setor privado forte mas setor público em frangalhos.
Hoje, a crise econômica afeta a crise política no Brasil. Mas o país já passou por várias outras crises. Será que o país saiu de todas elas sem grandes arranhões por sorte ou usamos um sistema muito bom?
Acho que um pouco de tudo: sorte, talento, conjuntura, servidores públicos extraordinários que se dedicaram. Acho que é um conjunto de fatores, e tem sorte. A Argentina, por exemplo, também tem sorte. Um país castigado pelo azar as vezes tem sorte. O Brasil precisa de alguém para o mercado. Por outro lado, o Sistema Financeiro continua muito sólido, cumprindo o seu papel. Vamos continuar com a vida.

Evento FGC Dez 2015 – FGV – Auditório Itaú

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JOTA

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