Felipe Recondo

Era uma vez uma grande investigação aberta contra um agente público. Um procurador da República era designado para cuidar do caso e levar adiante a apuração dos malfeitos. A imprensa focava suas atenções em mais um caso de corrupção a partir da visão do procurador. E um único membro do Ministério Público parecia falar pela instituição como um todo. O enredo é velho, batido, e termina muitas vezes em final melancólico. A Lava Jato repetiu essa narrativa. Em vez de um procurador personificar uma instituição maior, que é o MP, um grupo de procuradores com o CNPJ da Força-Tarefa da Lava Jato agigantou-se, como se a parte fosse maior e mais importante que o todo.
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Resultado, fazendo um spoiler deste texto: quem paga a conta hoje é o Ministério Público como um todo. E aqueles procuradores – bem-intencionados – agora pedem refúgio à categoria diante da virada do enredo. O julgamento da parcialidade do ex-juiz Sergio Moro não foi o turning point dessa história. Assim como os problemas da Lava Jato não surgiram da Vaza Jato, com a revelação das mensagens trocadas por procuradores e pelo ex-juiz do caso. Quem estava atrás das câmeras deste filme já apontava problemas graves em 2015, 2016. Quando o enredo ainda estava no seu clímax, gerado por sequências de novas fases.
Quem por tanto tempo viu grandes investigações terminarem com resultados tímidos já sabia que a dicotomia “unidade e independência funcional” é de difícil equilíbrio e que a personificação do MP pode trazer problemas para as grandes apurações. Essa lógica também vale para a estrutura inicialmente positiva, mas não definitiva, de forças-tarefas. Se esses grupos, de saída, são positivos por juntar procuradores com estrutura e exclusividade para atuar na investigação de uma rede complexa de crimes, seu fim pouco reverte para o MP como instituição. Concluídas as investigações, os procuradores voltam para a origem e nada deixam de aprendizado.
Já em 2016, procuradores avaliavam que o modelo precisava ser trocado. Algo precisava ser colocado no lugar. Algo definitivo, estruturado de forma a institucionalizar a experiência de procuradores. Em vez de pessoas, a instituição. Em vez de um nome alçado artificialmente ao posto de herói, uma instituição cada vez mais forte, coesa e experiente.  A Lava Jato perdeu este tempo. E não foi por falta de aviso e de debate interno.
Houve um momento em que a força-tarefa da Lava Jato se tornou um corpo estranho dentro do Ministério Público. Como definiram alguns dos integrantes do MP, um corpo que usufruía dos benefícios do corpo/MP, mas pouco dava em troca. Ou seja, houve um momento que a persistência da Lava Jato como marca passou a prejudicar a instituição. E aqui, como closed caption, é necessário dizer que os procuradores da Lava Jato poderiam estar cobertos das mais republicanas das intenções, mas isso não obstrui uma visão mais afastada do que vinha acontecendo.
Por sinal, dizem alguns dos integrantes do MP, talvez este tenha sido um problema. Quem estava imerso nas investigações – no Paraná e na Procuradoria-Geral da República – não conseguia enxergar o cenário mais amplo. Não se via mais capaz de projetar os próximos passos, os próximos obstáculos e os sempre necessários ajustes de rota. E aí, inercialmente, o Ministério Público caminhou para os mesmos problemas que enfrentou no passado.
Houve um momento em que o então procurador-geral Rodrigo Janot, conversando com uma autoridade da Itália, que acompanhou os altos e baixos da Operação Mãos Limpas, ouviu a seguinte pergunta: você sabe quando isso [a força-tarefa] vai acabar? Janot não sabia. Como Deltan Dallagnol não sabia, como Moro não sabia. Em busca de resultados, perderam o mapa, tropeçaram nas estratégias, cometeram erros – tanto Brasília quanto Curitiba - que agora ficam mais evidentes.
Quem esperava apenas uma fraqueza para reagir encontrou muitos elementos para virar o jogo. Havia uma brecha aberta no próprio MP, com uma pessoa jurídica – Lava Jato – cada vez mais apartada da sua origem – o MP como um todo. Havia erros de avaliação na gestão de Janot, para dizer o mínimo, havia dubiedades e/ou interesses políticos dentro do gabinete dos seus sucessores. Havia políticos, que aguardavam o momento de reagir contra os procuradores e contra o avanço do combate à corrupção. Havia Moro e seus planos políticos que não preservavam a investigação – e só reforçaram a narrativa de sua suspeição.
Para se contrapor a essas reações consorciadas – não às críticas fundadas pelos erros cometidos, mas aos movimentos destrutivos direcionados ao Ministério Público –, a Lava Jato não dispunha da força institucional necessária.
O resultado está sendo colhido agora, com ataques que vêm de diversas direções, especialmente de dentro da Procuradoria-Geral da República. E não mira apenas a Lava Jato do Paraná. Pelo contrário. Mira toda a instituição. Mira as outras Lava Jato (como do Rio de Janeiro, por exemplo).
A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, portanto, foi um bom ponto de partida para a investigação do amplíssimo esquema de corrupção que envolvia políticos, empreiteiras e Petrobras. Permitiu que outros tantos esquemas fossem apurados em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco. Mas não era ponto de chegada. A conta chegou, mais rápido do que imaginado e inflacionada pelo vazamento de conversas entre procuradores, obtidas ilegalmente por um hacker. A conta é alta. As forças-tarefa não existem mais, e nada foi colocado no lugar.

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JOTA

Capítulos finais da Lava Jato mostram que não há nada para colocar no lugar no combate à corrupção

O que o fim da Lava Jato diz hoje do Ministério Público e do combate à corrupção?

Quem esperava apenas uma fraqueza para reagir encontrou muitos elementos para virar o jogo não só contra Lava Jato, mas contra o MP