Jamile Racanicci
Foi repórter em Brasília. Cobria tributário, em especial no STJ e no STF. Antes, passou pelas redações do Poder 360 e, como estagiária, da TV Globo, da GloboNews, do G1 e do Correio Braziliense.
Mesmo com a pandemia da Covid-19, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve em 2020 o ritmo célere de julgamentos de processos relacionados ao Direito Tributário pelo qual a Corte é conhecida. Tributaristas avaliam que a realização de sessões por videoconferência permitiu que as Turmas e a Seção de Direito Público do tribunal superior perpetuassem, apesar do coronavírus, a tradição de produtividade no julgamento de matérias fiscais relevantes.
Além de manter a celeridade, esse ano o STJ colheu os frutos de um acordo de cooperação técnica com a Advocacia-Geral da União (AGU) iniciado em 2019 para reduzir o contencioso tributário. Como resultado, em 2020 houve queda anual de 40% no número de processos enviados pela Fazenda Nacional dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) para o STJ, segundo levantamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
“A redução será ainda mais drástica em 2021”, promete o coordenador da atuação judicial da PGFN perante o STJ, José Péricles Pereira. “Isso mostra que a AGU está comprometida em levar para o STJ só os casos estratégicos. A Fazenda não precisa levar todo tipo de tema para a Corte.”
Em grande parte, a redução se deve a mudanças feitas pela PGFN na portaria 502/2016, que autoriza os procuradores a deixar de recorrer nos casos em que a jurisprudência sobre a matéria favorecer os contribuintes. Em agosto, a norma passou a autorizar apenas em hipóteses limitadas a interposição de agravo após a inadmissão de recursos especiais.
“Os agravos em recurso especial agora são exceção. A procuradoria só entra com agravo nas instâncias de origem se houver uma hipótese taxativa da portaria. Antes era livre, os procuradores entravam com todo tipo de agravo. Isso tende a diminuir bastante a quantidade de agravos em 2021”, projetou Pereira.
A partir da alteração na portaria, os procuradores só apresentarão agravo se a matéria for relevante a ponto de ser monitorada pelas equipes de acompanhamento especial no STJ, se no acórdão houver inequívoca omissão, contradição, obscuridade ou erro material, se a decisão de segunda instância contrariar súmula do STJ, se o principal tema do processo for a tempestividade e se houver orientação expressa pela interposição do recurso por parte de coordenadores da instituição.
Segundo tributaristas que acompanham o STJ desde antes da pandemia, as sessões de julgamento por videoconferência permitiram que o tribunal superior reproduzisse com fidelidade a rotina de julgamentos que mantinha presencialmente. Para advogados, os ministros não julgaram os temas às pressas, mas respeitaram o tempo necessário para apreciar suficientemente as controvérsias tributárias.
“O STJ conseguiu manter uma dinâmica boa de julgamentos, sem colocar uma infinidade de casos e acelerar as coisas só porque o julgamento era virtual. Funcionou para os ministros e também para os contribuintes”, assinalou o tributarista Flavio Carvalho, sócio do Schneider Pugliese Advogados.
A advogada Vanessa Benelli Corrêa, do Costa Tavares Paes Advogados, destacou que de forma geral o STJ, assim como outros tribunais, ampliou o acesso a audiências com ministros e assessores. Isso porque as audiências passaram a ser realizadas por telefone ou videoconferência, de maneira que não só os advogados com presença constante em Brasília puderam se reunir com os magistrados.
“A possibilidade de despachar com ministros e assessores de forma remota, sem ter que comprar passagem, organizar agenda, ter despesas com hotel e deslocamento da equipe facilitou muito nosso dia a dia”, avaliou.
Apesar de a adaptação das sessões durante a pandemia ter sido a mais próxima possível do ideal, a advogada Cristiane Romano, sócia do escritório Machado Meyer, ressaltou que os advogados não abrem mão do retorno às atividades presenciais do tribunal superior na capital federal assim que houver segurança.
“A advocacia entende que o julgamento por videoconferência deve se tornar a exceção, uma faculdade do advogado, e não a regra. Nada substitui a presença física na sustentação oral, nas questões de ordem, o olho no olho durante o julgamento”, afirmou.
Ainda que as sessões de julgamento voltem a ser realizadas presencialmente, o avanço tecnológico no STJ deve continuar imprescindível para garantir a segurança dos 255 mil processos que tramitam na Corte. No início de novembro, o tribunal superior foi vítima de ataque hacker que preocupou os contribuintes.
O autor do ataque invadiu o sistema da Corte, criptografou os dados e pediu um resgate em dinheiro para não destruir as informações. Auxiliada pelo Centro de Defesa Cibernética do Exército Brasileiro, a equipe de tecnologia do tribunal confirmou, segundo nota divulgada pelo STJ, que todos os dados foram 100% preservados nos sistemas de backup da Corte.
“O ataque gerou insegurança para os advogados. Não sabíamos muito bem o que estava acontecendo e em que extensão. Mas a nossa impressão é que o problema foi resolvido rapidamente. O tribunal reagiu em tempo à situação, com muita competência”, comentou a tributarista Cristiane Romano, sócia do Machado Meyer.
Após suspender as sessões e os prazos processuais por uma semana, o STJ voltou às atividades normalmente em 10 de novembro. O ataque hacker é investigado pela Polícia Federal.
Combustível - por unanimidade, a 1ª Turma do STJ afastou a incidência de ICMS sobre a dilatação no volume do combustível decorrente do calor durante o carregamento e o descarregamento da mercadoria. Em um julgamento que beneficia empresas que comercializam a mercadoria, os ministros negaram que o fenômeno da física possa ser qualificado como fato gerador de tributação, porque a dilatação ou a evaporação do combustível decorrem de seu caráter volátil. (REsp 1.884.431)
Importadoras - em recurso repetitivo, a 1ª Seção do STJ mudou a jurisprudência e incluiu o serviço de capatazia - manuseio e movimentação de cargas e mercadorias em portos e aeroportos - na composição do valor aduaneiro, que serve de base para a cobrança do Imposto de Importação (II). Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que atuou como amicus curiae no processo, o custo das compras no exterior deve subir 1,5% com a incidência, o que afeta diretamente empresas importadoras. (REsp 1.799.306)
Sacolinhas de supermercado - Em uma derrota para o comércio, a 1ª Turma do STJ decidiu que supermercados não podem tomar créditos de ICMS sobre a compra de sacolas plásticas personalizadas oferecidas aos clientes para transporte das compras. Os ministros avaliaram que as sacolas são uma comodidade oferecida aos clientes, e não um insumo essencial à atividade produtiva. (REsp 1.830.894)
Telecomunicações - a 1ª Turma do STJ manteve a incidência de IRRF e Cide-tecnologia sobre pagamentos feitos por companhias de telecomunicação instaladas no Brasil a operadoras estrangeiras para completar chamadas internacionais (DDI) originadas em território nacional. A fim de viabilizar o tráfego conhecido como sainte, a empresa instalada no Brasil paga a estrangeira para utilizar as redes de transmissão situadas no exterior e completar a ligação. (REsp 1.772.678/DF)
Zona Franca de Manaus - a 1ª Turma do STJ permitiu que empresas situadas na Zona Franca de Manaus tomem créditos de PIS e Cofins sobre insumos isentos que compram de fornecedores localizados fora da área de livre comércio, ainda que as contribuições não tenham sido recolhidas na operação anterior. O entendimento foi uma boa notícia às companhias da zona franca, que se destaca pela presença dos setores eletroeletrônico, químico e motociclístico. (REsp 1.259.343)
Correção monetária de restituição - em repetitivo, por apertada maioria a 1ª Seção do STJ determinou que a correção monetária incidente nos pedidos de ressarcimento de tributos pagos indevidamente deve começar a contar 360 dias após o protocolo do pedido administrativo. Ou seja, em caso de atraso por parte da Receita Federal para aprovar um pedido de ressarcimento, o valor devido ao contribuinte fica um ano sem correção monetária. Se a taxa Selic fosse aplicada desde o protocolo do pedido, o valor ressarcido às empresas seria maior. O repetitivo afeta todas as companhias que tenham valores tributários a serem restituídos. (REsps 1.767.945, 1.768.060/RS e 1.768.415)
Prejuízos fiscais de incorporadas - por maioria de três a dois, a 1ª Turma do STJ manteve a trava de 30% para que uma empresa extinta ou incorporada compense prejuízos fiscais de IRPJ e bases negativas de CSLL. É comum no mercado de fusões e aquisições a compra de empresas com prejuízos fiscais acumulados. Como a legislação proíbe que o valor seja aproveitado pela empresa incorporadora, os contribuintes pediam que o prejuízo fiscal fosse integralmente compensado pela própria incorporada no seu encerramento. A discussão afeta principalmente grandes empresas, já que prejuízos fiscais de IRPJ e bases negativas de CSLL só podem ser aproveitados por companhias no Lucro Real. A sistemática é obrigatória para empresas que auferem receita bruta anual superior a R$ 48 milhões e setores como o bancário. (REsp 1.805.925)
Drawback em licitações internacionais - por unanimidade, a 1ª Turma do STJ manteve no regime de drawback empresas que fornecem máquinas e equipamentos ao mercado interno mesmo após vencer uma licitação internacional promovida pelo setor privado. O regime aduaneiro especial de drawback concede isenção, suspensão ou restituição de tributos na aquisição de produtos utilizados na produção de mercadorias que serão exportadas. O objetivo da política é desonerar o processo de produção nacional e incentivar as exportações brasileiras. (REsp 1.715.820)
Empréstimos compulsórios - a 1ª Seção do STJ começou a julgar em 2020 o recurso da Eletrobras contra decisão do ano passado que, de maneira desfavorável à estatal, fixou como prazo final dos juros remuneratórios de 6% ao ano a data do efetivo pagamento dos empréstimos compulsórios não convertidos em ações. Por ora o placar está 4x3 para reverter a decisão anterior e, consequentemente, favorecer a estatal. Ainda faltam votar as ministras Assusete Magalhães e Regina Helena Costa. Segundo o formulário de referência da Eletrobras de 2020, se a estatal for derrotada nos embargos de declaração precisará provisionar mais R$ 11 bilhões. A provisão registrada pela empresa em relação a todas as disputas judiciais em torno dos empréstimos compulsórios chega a R$ 17,562 bilhões. Por outro lado, uma derrota da estatal seria positiva às companhias que possuem valores a receber a título de empréstimos compulsórios. (EAREsp 790.288)
Doença grave - as pessoas com doenças graves que continuam trabalhando não têm direito à isenção de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) destinada a aposentados portadores de moléstias severas. É o que decidiu a 1ª Seção do STJ em repetitivo, em um recurso que se aplica unicamente às pessoas físicas. Com a decisão favorável à Fazenda, a União evitou perda de R$ 17,8 bilhões aos cofres públicos. Entre as doenças listadas na lei que concede o benefício estão câncer, esclerose múltipla, tuberculose, hanseníase, doença de Parkinson e moléstias severas que afetam coração, rins e fígado. (REsps 1.814.919 e 1.836.091)