Reforma tributária

‘Simplificação com alíquota única sobre consumo pode custar caro ao brasileiro’

Em seminário, especialistas criticam o modelo de unificação para o setor do agronegócio

reforma do processo tributário
Crédito: Pixabay

A adoção de uma alíquota única sobre o consumo, como propõem os textos de reforma tributária em discussão no Congresso Nacional, pode trazer impactos negativos a todos os brasileiros. A exemplo das famílias mais pobres, que têm o consumo concentrado em alimentos, e no potencial de questionamentos jurídicos futuros para toda a cadeia do agro, o que impactaria nos preços.

Para a advogada e mestre em Direito Tributário e Desenvolvimento Econômico pelo IDP, Rebeca Müller, a simplificação pode custar caro. Ela falou sobre reforma tributária no 2º Seminário Nacional de Tributação do Agronegócio, realizado na quinta (15), pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em parceria com o JOTA.

“Há alguns mitos, como o agro ser beneficiado por muitas isenções. No primeiro trimestre de 2022, o PIB do setor sofreu leve decréscimo em razão do aumento dos custos dos insumos. Esse é um indício dos impactos que uma reforma tributária não pensada e que não olha para dados estatísticos pode causar. O agro incrementa o PIB colocando comida nas mesas das famílias e isso tem que ser levado em consideração na condução dos trabalhos”.

A advogada acompanhou as discussões de Reforma Tributária na Câmara dos Deputados e afirmou que a PEC 110 foi a que mais avançou neste ano. Segundo ela, uma mudança na CCJ retirou as alíquotas diferenciadas, permitindo que uma lei complementar posterior preveja o tratamento diferenciado para alguns setores, expressos no texto constitucional.

“Se existem regimes diferenciados para pequenas empresas, por exemplo, por que não para o agro? A possibilidade de ter contencioso, de ficarmos à espera de que regimes diferenciados ocorram é uma preocupação. Em relação à qualquer coisa que se deixe para o futuro, há zona de penumbra e não podemos comprar esse risco”.

Segundo Rebeca, o Brasil caminha na contramão de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que têm como regra geral alíquotas diferenciadas para o agro.

“Estamos caminhando para uma alíquota única. Na Europa, já se discutem isenções adicionais aos alimentos. Apenas alguns países do mundo não têm alíquotas diferenciadas. E quando o assunto é agro, é importante haver diferenciação. A Constituição Federal prevê diferenciação para o desenvolvimento socioeconômico e o agro participa disso”, concluiu.

Para o advogado e doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Júlio Sales D’Araújo, é fundamental ter um regime de tributação que favoreça os alimentos da cesta básica. A carga tributária hoje, levando em conta as subvenções que existem, é em média 15%. Já com o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), que está na PEC 110, se estima que alcance de 20% a 25%.

“Considerando os gastos das famílias com alimentos, essa carga tende a gerar um efeito regressivo. O peso da tributação dos alimentos nas famílias mais pobres é maior. Imaginem se essa carga for ampliada. Qual seria o peso? Teremos sim aumento de custos para famílias de baixa renda, que já têm orçamentos restritos. Não estamos falando de coisas que as famílias podem abrir mão, mas de alimentos”.

Outro ponto levantado pelo advogado é que, sob o aspecto jurídico, a discussão sobre o princípio da seletividade na Constituição gera um debate sobre se as alterações propostas podem ser feitas por meio de emenda constitucional ou se a diferenciação de alíquotas em função da essencialidade do bem faria parte da estrutura fundamental da tributação, prevista originariamente pela Constituição.

“Em que medida a estrutura pensada pelo Constituinte seria elemento estruturante da matriz tributária ou facultativa ao Estado tributante? A depender do que entendermos, pode assumir contornos de cláusula pétrea e sequer poderia ser debatida em emenda à Constituição. Ou seja, o debate não é simples”, explicou o advogado.