CRISE COVID-19

Para tributaristas, empresas devem rever planejamentos tributários e economizar

Durante a crise causada pelo coronavírus, escritórios indicam cautela e contato próximo com assessoria jurídica

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Crédito: Pixabay

Empresas de diferentes portes em todo o Brasil e no mundo estão de olho nas repercussões sociais e econômicas geradas pela pandemia da covid-19. Devido à quarentena voltada à diminuição do contágio, as companhias tiveram que mudar rotinas, metas e planejamentos, entre eles, os tributários. Especialistas ouvidos pelo JOTA destacam que o período ainda é de incertezas e de constantes mudanças, por isso, indicam cautela na tomada de decisões para evitar escolhas precipitadas.

Um levantamento feito pelo JOTA em escritórios revela que, de uma maneira geral, tributaristas têm orientado às empresas reverem planejamentos tributários feitos antes da crise gerada pelo coronavírus, acompanhar as alterações normativas federais, estaduais e municipais e os impactos delas nos negócios e a economizar o capital de giro e o caixa da empresa. Em casos extremos, em que a empresa precisa de medidas mais urgentes para evitar a falência, os advogados estão ajuizando ações pedindo a suspensão do pagamento de tributos. Nestes casos existem algumas liminares deferidas.

Para auxiliar as empresas de uma maneira mais macro, tributaristas têm oferecido estudos fiscais comparativos entre países, e as companhias têm contado com o apoio das associações de classe para o diálogo com o governo. Um dos principais pleitos é a ampliação da suspensão do pagamento de tributos federais para todas as empresas. Atualmente, a suspensão é válida somente para as cadastradas na modalidade do Simples Nacional. “Qual o nosso objetivo? Colocar na mesa todas as alternativas juridicamente viáveis. Não adianta apresentar uma aventura para o cliente”, explica Gláucia Lauletta, sócia do escritório Mattos Filho.

Cenários

Escritórios consultados pelo JOTA reuniram equipes para gerir a crise, estudar cenários e passar as informações necessárias aos clientes. Para isso, montaram comitês especializados nos impactos econômicos e fiscais da pandemia e acompanham as notícias em tempo real. No plano individualizado, estão recalculando projeções das empresas e instruindo sobre a possibilidade de escolher tributos a serem pagos levando em consideração as sanções, como multas.

Os advogados ressaltam que a preocupação dos clientes é com o fluxo de caixa para o cumprimento de obrigações, já que poucas empresas têm reserva suficiente para ficarem de dois a três meses paradas. “Atualmente a gente tem orientado aos empresários que têm caixa que guardem porque é só o início de um processo que deve durar, no mínimo, de dois a três meses”, alerta Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon.

Para o momento, os especialistas recomendam o acompanhamento dos acontecimentos para traçar cenários e estratégias. Os escritórios têm mostrado aos clientes a necessidade de assessoria para evitar decisões incertas. “O cliente tem que buscar um contato muito próximo com a assessoria jurídica. Primeiro para que ele tenha ciência imediata das novidades que estão surgindo e segundo para que o escritório de advocacia possa participar das decisões que serão tomadas, porque são decisões que podem impactar na continuidade da empresa”, analisa Hugo Reis, sócio do escritório HRD Advogados.

Reis cita como exemplo o caso de um frigorífico que precisou ajustar a modalidade de negócios planejada porque o público principal eram restaurantes, agora fechados pelas medidas de lockdown. Toda a estratégia da empresa está sendo revista, assim como a procura de novos parceiros. Ele comenta também que alguns clientes estão pleiteando a suspensão do pagamento de tributos na Justiça.

Escolher tributos

Sócio da área de tributário do Machado Meyer, o advogado Fernando Tonanni afirma que as companhias têm perguntado aos especialistas do escritório quais as consequências dos atrasos e do não-recolhimento dos tributos, nas distintas esferas tributárias. “Tem uma preocupação maior em relação ao ICMS, principalmente em virtude do julgamento do STF, da criminalização diante do não recolhimento”.

O advogado relata a preocupação do empresariado em manter em dia os tributos retidos em face de terceiros, como o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e as contribuições previdenciárias. Segundo ele, as empresas estão estudando sobre os atrasos dos recolhimentos, calculando o custo de não recolhimento e as consequências de juros e multa e parcelamentos. “As companhias vão trabalhar os seus caixas à luz das consequências do inadimplemento de cada tipo de tributo. Trabalhar com hipótese de parcelamentos e ir controlando a manutenção para manter o status positivo via CND [ Certidão Negativa de Débito]”, afirma.

Os prazos processuais judiciais foram suspensos em todo o país por determinação do Conselho Nacional de Justiça até o dia 30 de abril. Os processos administrativos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) foram suspensos até 30 de abril e os da Receita Federal até 29 de maio. Alguns estados suspenderam ICMS de alguns produtos. O Distrito Federal, por exemplo, definiu a isenção do ICMS para mercadorias como o álcool em gel. No Rio de Janeiro, serviços de energia elétrica e de comunicação também estão com suspensão fiscal por 180 dias. E no Maranhão, o prazo de pagamento do IPVA foi prorrogado.

Essa variedade de datas e de normativos têm demandado atenção das empresas, que reclamam das decisões e prazos pulverizados na consolidação de estratégias diante da crise.

Gláucia Lauletta, do escritório Mattos Filho, comenta que o escritório tem produzido material para atualizar os clientes das alterações administrativas e jurídicas provenientes da ofensiva da covid-19 no Brasil. A advogada conta que associações de diferentes segmentos e entidades de classe têm procurado o escritório para auxiliá-los na confecção de sugestões de alívios fiscais a serem apresentados para o governo.

Entre as sugestões propostas estão o adiamento do pagamento de tributos federais por 90 dias, a desoneração da folha de pagamento, o diferimento tributário, o adiantamento de ressarcimentos e compensações que as empresas tenham a receber do governo e a injeção de capital em setores que estão sofrendo diretamente com a crise do Covid-19, como as companhias aéreas.

“Se o empresário tem que escolher entre cumprir as obrigações com o fisco ou com as pessoas que trabalham com ele e os terceiros fornecedores, é intuitivo que as pessoas e os terceiros vão prevalecer. É justo cobrar pela penalidade? São empresas que vão lutar para preservar os empregos”, defende Gláucia.

O advogado Rodrigo Brunelli, do escritório Ulhôa Canto, explica que os clientes pedem soluções tributárias para o alívio de caixa. “A gente começou a estudar alternativas eficientes e, que, ao mesmo tempo, não deixassem o governo desamparado. A gente está chegando à conclusão de que vai ser um negócio que governo e contribuintes devem atravessar de mãos dadas. Não adianta não dar alívio fiscal e matar as empresas ou dar alívio fiscal e matar o governo”.

Brunelli acredita que entre as alterações normativas importantes para as empresas estaria a suspensão temporária da trava de 30% para compensação de prejuízos fiscais e a permissão da compensação de créditos tributários com estimativas. “Isso vai fazer com que as empresas que têm crédito possam compensá-los para pagar as estimativas mensais, o que dá um belo alívio de caixa para as empresas”.

Além disso, propõe a possibilidade de migração do regime do lucro presumido para o real e do real anual para real trimestral. “Pelo modelo atual, a empresa opta por um dos regimes no primeiro recolhimento, no entanto, as empresas fizeram a opção antes da crise”, avalia. Outra solução proposta pelo escritório é a possibilidade de usar o prejuízo fiscal de uma empresa para outra companhia do mesmo grupo econômico.

O especialista pondera que, se o governo federal não adotar as medidas cabíveis, as empresas terão que judicializar a negociação do pagamento de tributos. “O que me parece o pior cenário, pois só aumentará o custo para as empresas e a pressão sobre o governo”, explica.