CORONAVÍRUS

Países em desenvolvimento sofrerão mais com a crise gerada pela covid-19, diz OCDE

Para OCDE, países devem se preocupar com empregos e empresas, e depois com o deficit gerado pela covid-19

OCDE diz que países em desenvolvimento sofrerão mais com a crise gerada por covid-19
Crédito: pixabay

Os países em desenvolvimento, como o Brasil, devem ser os mais afetados pela crise causada pela pandemia da covid-19 e, por isso, devem fortalecer políticas públicas fiscais de mitigação dos danos, dando maior liquidez às empresas e condições de sobrevivência para as famílias. A constatação está no relatório “Política tributária e fiscal em resposta à crise do coronavírus: fortalecendo a confiança e a resiliência”, divulgado no dia 15 de abril pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A organização defende que poderá ser necessária uma ação internacional para fornecer financiamento adicional e ajudar a reduzir o ônus da dívida dos países emergentes.

O relatório mostra que os países de todo o mundo vêm sofrendo os efeitos da pandemia e estão adotando medidas fiscais para amenizar os efeitos da crise, como o diferimento no pagamento de tributos, flexibilização de medidas acessórias – como a extensão dos prazos de declaração do Imposto de Renda – e desonerações. Na sequência, o documento divide a crise em possíveis fases a serem vividas pelas nações e as respostas a cada fase.


No primeiro momento, a OCDE acredita que os governos devem contribuir com políticas para as empresas e as famílias tanto na esfera tributária quanto na não tributária, para manter a liquidez e os empregos dos trabalhadores. Em um segundo momento, com o prolongamento da pandemia, o auxílio deve continuar e, nesta fase, a solvência dos negócios deve ser o foco das políticas públicas. Assim, a OCDE acredita em uma fase de recuperação da economia. Somente em um momento posterior os Estados devem focar em como vão conter o deficit gerado pela pandemia.

“A mensagem da OCDE é a de que os Estados precisam adotar medidas para dar fôlego, linha de vida para as empresas sobreviverem e manterem os empregos”, analisa Ana Monguilod, professora de Direito Tributário do Insper e diretora da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF). “Não há dúvida que a crise vai gerar um déficit enorme e que nós, como sociedade, vamos pagar essa conta. Mas não é hora de se definir como essa conta vai ser paga porque a gente não sabe o tamanho dela e quem serão os sobreviventes”, complementa.

No texto, a OCDE mostra uma preocupação especial na forma como os países em desenvolvimento vão encarar as fases geradas pela crise da pandemia. De acordo com o organismo internacional, esse grupo de países apresenta mais fragilidades do que as nações ricas. Um dos motivos apontados no relatório é a alta densidade populacional e a informalidade dos negócios, que podem reduzir a eficácia das medidas de contenção e de mitigação dos impactos da pandemia na sociedade e na economia.

Para a OCDE, os países em desenvolvimento têm mais dificuldade para fornecer suporte às empresas e às famílias por meio do sistema tributário. “Os grandes setores informais significam que muitas empresas não estão pagando ou pagando menos impostos e, portanto, não podem se beneficiar do aceno ou adiamento dos pagamentos de impostos ou dos reembolsos mais rápidos”, diz o texto.

O relatório destaca ainda entraves como o alto endividamento público, os impactos da desvalorização cambial e participação expressiva das commodities nas receitas dos países em desenvolvimento. Por isso, a OCDE defende que as medidas tributárias para apoiar as empresas devem considerar o nível de desenvolvimento econômico de um país.

O texto informa que os mercados emergentes sofreram fortes desvalorizações cambiais nas últimas semanas, o que agrava essas pressões das dívidas públicas e dos preços das mercadorias negociadas no mercado internacional. O relatório lembra que muitos países em desenvolvimento tomam empréstimos em moedas estrangeiras, por isso, quando a moeda doméstica se desvaloriza, aumenta o custo da dívida.

Além disso, os países em desenvolvimento têm alta participação nas receitas de commodities e recursos naturais, sendo  particularmente afetados se o declínio na demanda e nos preços globais persistir.

Para a OCDE, os países em desenvolvimento são mais dependentes do que os países desenvolvidos de impostos corporativos e impostos sobre consumo, que provavelmente enfrentarão quedas substanciais e uma recuperação mais lenta do que outros tipos de tributos.

Diante desse cenário, a OCDE indica que os países emergentes continuem os estímulos para a manutenção das empresas e dos empregos, e que eles possam ser refinados de acordo com a peculiaridade de cada país e de cada setor econômico, para evitar benefícios desnecessários. O documento cogita ainda a hipótese de auxílio internacional a esses países.

Na análise de Raquel Novais, sócia da área tributária do escritório Machado Meyer, o Brasil está caminhando na linha orientada pela OCDE ao postergar tributos como PIS , Cofins, contribuições sociais e complementar a renda familiar aos grupos mais vulneráveis. No entanto, ela ressalta que o Brasil poderia ter feito mais, como, por exemplo, aliviar as empresas do pagamento de Imposto de Renda por estimativas mensais, uma vez que muitas empresas terão prejuízos.

“O Brasil não está fora do rumo. Está muito melhor do que o México, que não deu nada até agora. Na comparação com outros países da América Latina, o Brasil está dando um bom nível de apoio”, diz.

Para as especialistas ouvidas pelo JOTA, o Brasil, como país em desenvolvimento, precisa prestar atenção nas fases e respostas sugeridas pela OCDE, não devendo, por exemplo, pensar em aumentar tributos por agora. Raquel critica a proposta contida no PLP 34/2020 de instituição de um empréstimo compulsório.

“Em 2019 a nossa carga tributária bateu em 35% do PIB [Produto Interno Bruto]. A média da OCDE é de 34%. Ou seja, é uma vergonha em um país que tem a média tributária mais alta que a da OCDE, algumas pessoas, de uma forma oportunista, só ficarem falando em empréstimo compulsório, criar um imposto sobre grandes fortunas ou tributar dividendo”, complementa Ana Monguilod.