“O impacto do julgamento influencia diretamente no interesse público, seja pelo resultado positivo em favor do contribuinte – que tem o direito do ressarcimento ou nulidade da penalidade aplicada – ou pelo provimento do pleito da União que resguarda seu direito do crédito tributário”. É assim que Laércio Cruz Uliana Junior, da 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), avalia como pode repercutir na sociedade a posição de um membro do colegiado.
Indicado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), Laércio Cruz Uliana Junior está no primeiro mandato como conselheiro do Carf.
Em entrevista ao JOTA, Laércio Cruz Uliana Junior afirma que já acumula calorosos debates tributários, sobretudo em casos de importações e exportações e demais temas correlatos, tendo como auxílio na tomada de decisões um hobby peculiar: o tiro olímpico.
“Para um bom índice no tiro, é necessário que a mente trabalhe pelo inconsciente, pois com o consciente ativado a probabilidade de erro é grande. Assim, a tomada de decisão acaba sendo instintiva e condiciona o cérebro a ter menos interferência de pensamentos externos, desconectando dos problemas corriqueiros. Isso me ajuda muito na minha vida pessoal e profissional”, comenta Laércio Cruz Uliana Junior.
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Ficha-técnica de Laércio Cruz Uliana Junior
Formação: Bacharel e mestre em Direito
Alma matter: Centro Universitário Autônomo do Brasil (UNIBRASIL)
Vida acadêmica: Bacharel em Direito (2010) e mestre em Direito (2018) pela UNIBRASIL, especialista em Planejamento e Gestão de Negócios pela FAE Business School com ênfase em Comércio Exterior (2012); especialista em Direito Marítimo e Portuário pela Universidade Católica de Santos (2013); coordenador-adjunto da Pós em Direito e Processo Tributário e da Pós em Direito Empresarial, da Academia Brasileira de Direito Constitucional
Origem da indicação: Contribuinte –CNI
Time do coração ou hobby: Tiro ao prato (tiro olímpico). Esse hobby é um tanto contagioso, pois o primeiro diferencial é a prática ao ar livre e em zonas rurais, quebrando aquela rotina da correria do dia-a-dia, além de ser um esporte bem democrático, pois o condicionamento físico influencia pouco nos resultados. O mais impressionante é você observar um torneio que tem competidores com mais de 80 anos de idade competindo de igual forma com outros de 30.
Além disso, o que mais me fascina no esporte é que, para um bom índice, é necessário que a mente trabalhe pelo inconsciente, pois com o consciente ativado a probabilidade de erro é grande. Assim, a tomada de decisão acaba sendo instintiva e condiciona o cérebro a ter menos interferência de pensamentos externos, desconectando dos problemas corriqueiros. Isso me ajuda muito na minha vida pessoal e profissional.
Essa questão do condicionamento me chamou muito atenção e Malcolm Gladwell, em seu livro “Blink”, descreve muito esses aspectos de utilizar o consciente versus inconsciente para tomada de decisão.
Outro grande ponto forte é a lealdade dos demais competidores. Em sua maioria, eles lhe ajudam a melhorar seu índice, afinal, querem concorrer com bons competidores e não serem rasteiros para ganhar algo.
Tenho pra mim como sendo um grande esporte que proporciona equilíbrio mental para o nosso dia a dia.
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Sobre as decisões do conselheiro
Qual foi o voto mais inovador que proferiu?
Eles se deram em dois momentos e ambos ocorreram em 2019. No primeiro caso se discutia o não cumprimento do ex-tarifário, que é matéria muito comum envolvendo Direito Aduaneiro. Naquela ocasião, a contribuinte tinha de importar um robô com 78 peças, e no ato, que autorizava a redução do Imposto de Importação e outros, a contribuinte tinha informado que realizaria a importação até determinada data. Diante disso, foi reduzida uma série de impostos conforme ato da Câmara do Comércio Exterior (CAMEX).
Ocorre, que as duas últimas peças chegaram fora do prazo, e no colegiado discutíamos se as duas peças gerariam condição da perda da redução de todos os impostos. Nisso, entramos num grande debate e quase todos concordaram que não se tratava de benefício fiscal.
Naquela oportunidade segui o entendimento já proferido em outros casos pelo conselheiro Paulo Duarte de que o ex-tarifário é uma vantagem tarifária e não um benefício fiscal. Isso teria uma enorme diferença, pois se fosse reconhecido como benefício fiscal, teríamos de seguir interpretação restritiva. No entanto, o conselheiro Hélcio Lafetá durante o julgamento invocou a Lei do Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784/99) que se tratava de proporcionalidade.
Diante da minha compreensão de que não era o caso de benefício fiscal e do princípio da proporcionalidade do art. 2º da Lei 9.784/99, compreendi que o contribuinte faria jus à redução dos impostos das 76 peças importadas no prazo e as últimas duas não, pois estariam fora do prazo da redução.
Já num segundo momento, em 2019, julgávamos um auto de infração aduaneiro por suposta ocultação do real adquirente. O principal objeto em discussão era se o importador ocultou terceiro e se esse terceiro realizava o pagamento das importações mediante sinal do negócio.
Nesse caso, lembro que o colegiado olhou todo o fluxo de caixa e registros contábeis da empresa. Aderi ao entendimento de que se tratava em verdade de sinais para compra de máquinas, e que os sinais em si eram atos típicos de negócios jurídicos, devendo ser tratado como arras do negócio.
Discutimos muito em torno de tal tese, e ficou caracterizado que a contribuinte tinha capacidade econômica e assim, o sinal do negócio sendo válido.
Qual foi o caso mais importante em que seu posicionamento se tornou o entendimento do colegiado?
Tratava-se do adicional de 1% do COFINS importação em 2018.
Eu era relator do processo e a contribuinte alegava ser ilegal a cobrança do adicional de 1% por não respeitar o período da anterioridade nonagesimal e outro pelo General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) vedar tratamento desigual na tributação do produto importado e do nacional.
Naquele momento, foi pacífico o entendimento que a cobrança do adicional respeitava o período da anterioridade, pois o prazo se iniciava com a Medida Provisória e quando convertido em lei já teria respeitado o prazo de 90 (noventa) dias.
Já em relação ao GATT e o tratamento dado pelo adicional de 1%, o caso foi emblemático porque era caso inédito no CARF e a preocupação se tratava de tratamento diferenciado.
O caso perdurou por três sessões diante da complexidade, sendo julgado improcedente o recurso voluntário.
Qual foi o caso mais difícil de formar sua convicção?
Foi o caso em que uma empresa de marketing detinha em seu grupo a operação de cartão de crédito. Discutia-se se o marketing gerava crédito de PIS/COFINS para sua atividade.
Na época o caso era relatado pela então conselheira Tatiana Belisário e existia uma dúvida sobre a atividade da empresa de minha parte, se a empresa exercia a atividade de cartão de crédito e o marketing era contratado, assim, não sendo atividade essencial e relevante para seu exercício, ou se era empresa exclusivamente de marketing.
O que dificultava no julgamento do caso, é que pensávamos que a empresa lucrava com taxa da manutenção da bandeira nos estabelecimentos, quando em verdade, a empresa tinha se transformado para o ramo de marketing, sendo que seus aportes eram para promoção das entidades bancárias junto com a sua marca.
Depois que compreendemos o caso, conseguimos fazer a segregação da atividade e reconhecemos que o marketing era essencial e relevante para empresa, assim, fazendo jus ao pleito de seu crédito.
Qual foi o caso em que sua decisão teve mais força para pacificar uma discussão?
Foram três casos envolvendo ocultação do real adquirente na exportação.
Os casos envolviam duas grandes empresas de grãos. Elas vendiam seus produtos do Brasil para suas filiais no exterior. Quando o navio estava em alto mar, a filial vendia os produtos para terceiros, nesse caso os autos de infrações compreenderam que estava se ocultando o real adquirente.
Ocorre que o colegiado analisando todos os casos, verificava que as operações de venda ocorriam em bolsa de valores e que a negociação ocorria após o embarque, então de fato a contribuinte negociava posteriormente a venda e que tal fato não era vedado pela legislação, também não existindo dolo de fraude, pois, em nenhum momento as empresas omitiram tais operações.
Verificamos também que existia imposição da legislação de venda da matriz (brasileira) para filial (exterior). Ainda não havia campo para constar o nome do “real adquirente”, como se fosse uma exportação por conta e ordem. Desse modo, entendemos por julgar procedente o pleito dos contribuintes.
Qual foi o caso mais marcante em que você foi voto vencido?
Eu era o relator do Recurso Voluntário em 2018. Tratava-se de um pedido de compensação de PIS/COFINS, que faltando uma semana para homologação tácita, a unidade de origem da Receita Federal proferiu despacho indeferindo o pedido e o patrono se deu por intimado antes do prazo da homologação tácita. O valor era expressivo, próximo de R$ 18 milhões.
Mas o que chamava atenção no processo é que, além da intimação pessoal que tinha ocorrido pela contribuinte e posterior intimação por via postal, foi proferido novo despacho decisório com o mesmo teor e existindo nova intimação.
Nesse caso, entendi que, como foi proferido novo despacho decisório, em que pese com o mesmo teor, seria nulo o anterior, pois teria sido proferido novo ato administrativo e o anterior sendo revogado, assim, devendo reconhecer a homologação tácita.
Qual é a discussão que adoraria ter a oportunidade de participar como julgador?
Gostaria de participar dos julgamentos envolvendo os casos sobre IPI na revenda das companhias que obtiveram favoravelmente o trânsito em julgado no STJ porque se trata do alcance em relação ao trânsito em julgado que as tradings têm em seu favor e se o trânsito em julgado beneficiariam ou não os demais contribuintes na importação por conta e ordem de terceiros.
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Visão de mundo de Laércio Cruz Uliana Junior
Qual é o papel do Estado e do seu trabalho no desenvolvimento da nação?
O Estado deve ser meio para promoção de regulação e mecanismo para o desenvolvimento. Já a função que desempenho deve ser exercida com parcimônia, pois o impacto do julgamento influencia diretamente no interesse público, seja pelo resultado positivo em favor do contribuinte que tem o direito do ressarcimento ou nulidade da penalidade aplicada ou pelo provimento do pleito da União que resguarda seu direito do crédito tributário.
Quem são as pessoas que te inspiram (pessoalmente e profissionalmente)?
Certamente, a primeira pessoa seria meu pai Laércio, apesar de tê-lo perdido aos 12 de anos de idade numa triste fatalidade da vida. Isso me deixou grandes ensinamentos de que traçando objetivos e trabalho árduo, tudo podemos alcançar e ultrapassar nossos limites, e o mais interessante, que aparecem pessoas em nossa vida que ajudam nessa caminhada. Ainda, minha mãe Vanir, que levou os ensinamentos do meu pai e a força de lutar e seguir a vida.
Também cito Jorge de Oliveira Vargas, meu professor na graduação e que se tornou um valioso amigo. Foi a pessoa que mais me incentivou e ensinou a compreender o Direito. Simplesmente no momento que eu tinha uma resposta “pronta” para determinados casos, me fazia pesquisar e checar se minha concepção não era rasa, e muitas vezes, de tanto pesquisar eu acabava encontrando outros caminhos inimagináveis.
Meu tio Neimar Batista foi uma espécie de segundo pai. Ele ajudou e muito na construção da minha educação e caráter, mostrando os caminhos a seguir e dando broncas pelos erros. Profissionalmente me deu um grande exemplo, pois na época que cursava Direito, tinha certas dificuldades financeiras, mas conseguiu superar e despontar na carreira.
Quais são os livros e referências que não saem de cima da sua mesa?
“Blink: A decisão num piscar de olhos”, de Malcolm Gladwell. O livro basicamente trata sobre o modo que tomamos decisão institivamente com base nas nossas experiências e as chamadas fatias finas de nosso pensamento.
“Sapiens”, “Uma breve história da humanidade” e “21 lições para o século 21”, todos do Yuval Harari. O autor consegue descrever com clareza e sutileza como os seres humanos evoluíram e fazendo repensar das perspectivas futuras de evolução e o que esperar do futuro.
“O Santo e a Porca”, de Ariano Suassuna. Adoro o livro por retratar a realidade de muitos de nós que acabamos nos privando de algumas alegrias diante de ser “pão duro”, quando necessitamos desfrutar do dinheiro, nem sempre tem valor.
“Grande sertão: veredas”, de João Guimarães Rosa. Grande clássico que sempre nos faz aprofundar a essência humana.