Servidor de carreira da Receita Federal, o membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) Fernando Brasil de Oliveira Pinto considera que a presença do Estado em países desiguais como o Brasil ainda necessita ser mais evidente para, ao menos, minimizar o sofrimento dos menos abastados no curto prazo, e criar mecanismos de inclusão e desenvolvimento dessa parcela da população mais necessitada.
“O papel do Estado é essencial ao desenvolvimento de seu povo, à manutenção de uma qualidade de vida mínima e a uma melhor distribuição de renda, e, ao mesmo tempo, de interferir pontual e minimamente no mercado, incentivando e apoiando a iniciativa privada de modo que os proveitos econômicos daí advindos possam ser angariados por toda a sociedade”, avalia Fernando Brasil de Oliveira Pinto.
No terceiro mandato como conselheiro do Carf, Fernando recorda ter analisado centenas de recursos no órgão. Apesar da experiência, o conselheiro afirma que ainda deseja participar de julgamentos relacionados a ágios ou lucros obtidos no exterior.
“Creio que, no momento, seria interessante o exame de exigências tratando de amortização de ágio ou de lucros auferidos no exterior, mas sob o novo tratamento trazido pela Lei nº 12.973/2014”, frisa.
O conselheiro Fernando Brasil de Oliveira Pinto considera que o caso mais marcante em que foi vencido foi o da Resolução nº 1402-000.401, em que maioria votou no sentido de sobrestar o julgamento dos processos administrativos fiscais objetos de matéria em que houve reconhecimento de repercussão geral por parte do STF.
Para o conselheiro, somente norma específica (em lei ou ainda no Regimento Interno do CARF) poderia dispor sobre essa hipótese de arquivamento. Além disso, afirma, sendo o CARF incompetente para examinar a constitucionalidade de lei, não faria sentido o sobrestamento dos feitos cuja repercussão geral fosse reconhecida pelo STF, sob pena de colocar em risco o próprio funcionamento do órgão.
“Esse meu entendimento foi objeto de declaração de voto nesse processo específico, e, talvez em razão da influência de seus fundamentos, não me recordo de identificar outro caso em que, naquele colegiado, a maioria da turma tivesse mantido o entendimento proferido na Resolução nº 1402-000.401”, conta.
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Ficha técnica de Fernando Brasil De Oliveira Pinto
Formação: Bacharel em Ciências Contábeis – Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis – FEA/Universidade de São Paulo/USP (1997); Direito, pela Universidade Feevale (2011).
Vida acadêmica: Especialista em Direito Processual Civil – Universidade Feevale em parceria com PUC/RS (agosto/2013)
Origem da indicação: Fazenda Nacional
Time do coração ou hobby: meu time do coração é o Santos F.C. Sou nascido na cidade de São Paulo, mas meu pai e meus avôs eram santistas e me ensinaram desde cedo a admirar esse mágico clube. “Sofri” bastante nas décadas de 80 e 90, mas desde a virada do século meu time me compensou com muitas alegrias.
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As decisões do conselheiro
Qual foi o voto mais inovador que proferiu?
Não é fácil identificar quais das decisões possam ter essa característica inovadora. Contudo, ouso destacar o Acórdão nº 1402-001.705, julgado em 3 de junho de 2014.
Nesse precedente, em uma demanda contra a União, o contribuinte logrou êxito em seu pleito a fim de receber indenização em decorrência da fixação de preços, pela própria União, de açúcar e álcool em valores inferiores ao custo de produção.
Para o contribuinte, tratar-se-ia de indenização por danos emergentes, e tais valores não estariam sujeitos à incidência de tributação. Para o Fisco, tais valores configurariam lucros cessantes e, consequentemente, deveriam ser oferecidos à tributação, o que acabou ensejando o lançamento.
Em sua defesa, além da discussão acerca da natureza da indenização percebida, o contribuinte argumentou que teria havido erro na fixação da data de ocorrência do fato gerador: em primeiro lugar, em razão de suposto erro do Fisco na data em que considerou a demanda transitada em julgada; e também pelo fato de o recebimento do total devido pela União, por meio de precatório, se daria em dez parcelas, tendo sido recebidas somente quatro até a data da realização do lançamento, enquanto a autoridade fiscal procedeu ao lançamento considerando o total do valor que o contribuinte faria jus.
A discussão acerca da natureza da indenização recebida, a meu ver, era a de menor importância, por restar evidente que os valores pleiteados, e garantidos pela decisão judicial em questão, diziam a respeito à recomposição do lucro que o contribuinte houvera deixado de auferir em razão da fixação de preços levada a efeito pela União. Logo, tratava-se de lucros cessantes e, portanto, sujeitos à tributação.
Na realidade, a maior discussão travada no colegiado dizia respeito à forma de tributação dos valores recebidos, e ainda a receber pelo contribuinte: a União estava procedendo à quitação dos valores em que foi condenada nos termos da Emenda Constitucional nº 30/2000, a qual estipulava o parcelamento do montante devido via expedição de precatórios de forma parcelada, em dez anos.
O fisco, após o contribuinte ter recebido quatro dessas parcelas, procedeu ao lançamento considerando o valor total a ser recebido pelo contribuinte, sob o fundamento de que, com o trânsito em julgado da demanda judicial, o contribuinte já teria disponibilidade jurídica dos rendimentos (inciso I do art. 43 do CTN).
No âmbito do Carf, até aquele momento, eu não havia identificado decisões que poderiam flexibilizar o conceito de disponibilidade jurídica para casos desse jaez, mas, por meio de uma análise das circunstâncias legais em que se permite o diferimento de tributação, inclusive de valores a receber do poder público, aliado ao fato de que, no momento do lançamento, o Fisco estava exigindo, de ofício, tributos (principais) equivalentes a 43,25% do valor que o contribuinte receberia em dez anos, mas, que, até aquele momento, havia recebido somente 40% desse montante – ou seja, o Estado estaria se tornando credor antes de extinguir o próprio débito que dava origem àquela exigência -, encaminhei meu voto no sentido de que a tributação somente deveria se dar à medida que as despesas da União fossem efetivamente empenhadas e pagas (até mesmo porque, ao menos no âmbito estadual, muitos contribuintes, embora com decisões judiciais transitadas em julgado a seu favor, permaneciam anos a fio aguardando o efetivo adimplemento, tornando até mesmo incerto o conceito de disponibilidade jurídica dos valores a que faziam jus).
Qual foi o caso mais importante em que seu posicionamento se tornou o entendimento do colegiado?
Identificar o caso mais importante em que meu posicionamento se tornou o do colegiado, novamente, não é tão fácil, pois várias nuances podem influenciar a percepção sobre isso. De toda forma, considero que no Acórdão nº 1402-002.445 (julgado em 10/04/2017), em que tive que abrir divergência em relação ao voto do relator, pode ser considerado um caso que se enquadra nessa hipótese de influência no colegiado.
Esse caso tratava de uma acusação de omissão de receitas por parte de uma pessoa jurídica que, na condição de acionista e nu-proprietário dessas ações, não teria oferecido à tributação Juros sobre o Capital Próprio (JCP). No caso concreto, o contribuinte usufrutuário dessas ações é quem efetivamente houvera percebido os rendimentos de JCP e os oferecido à tributação.
Em um voto muito bem fundamentado, o conselheiro relator concluiu que o JCP pertenceria sempre ao acionista, ainda que houvesse contrato de usufruto dessas ações.
Depois de solicitar vista dos autos, constatei que as acionistas do contribuinte autuado subscreveram parcela de seu capital mediante aporte dessas ações na holding do grupo empresarial, com reserva de usufruto dos direitos patrimoniais. Desse modo, o autuado tornou-se titular somente da nua-propriedade e do direito de voto dessas ações.
Observei ainda que não havia qualquer acusação de simulação, de modo que seria inconteste que o contribuinte autuado não havia percebido os JCP em questão.
Por mais complexo que o caso parecesse, fiz a seguinte indagação ao colegiado: “o contribuinte estaria sendo tributada por não ter recebido uma renda que, no entender do Fisco, deveria ter recebido?” Eu mesmo respondi: estaríamos “diante de hipótese em que se desejou tributar quem efetivamente não auferiu renda”.
Argumentei ainda que “Partindo- se da premissa adotada pela autoridade fiscal autuante de que o JCP somente poderia ter sido pago aos acionistas da fonte pagadora, o lançamento poderia ter atacado outras frentes: cobrar eventual diferença de imposto dos reais beneficiários dos rendimentos em questão (no caso, os acionistas da Recorrente), bem como glosar na fonte pagadora […] os valores contabilizados como JCP, pois, se os valores foram efetivamente pagos a quem não faria jus ao JCP, os valores pagos não seriam dedutíveis”.
Adicionalmente, concluí que os usufrutuários fariam direito aos JCP. Isso porque a Lei das S/A dispõe explicitamente em diversos artigos (40, 114, 171 e 205) sobre a possibilidade de usufruto no caso dos dividendos e, em relação ao JCP, o § 7º do art. 9º da Lei nº 9.249/95, o legislador permite que o JCP seja atribuído aos dividendos obrigatórios (art. 202 da Lei das S/A). Logo, se a própria Lei nº 9.249/95 prevê a possibilidade de o JCP ser imputado a dividendos, e os dividendos, por expressa disposição legal, podem ser objeto de usufruto, não haveria como se contestar o procedimento adotado pelos contribuintes no que diz respeito ao pagamento de JCP aos usufrutuários das respectivas ações.
Nesse caso, com exceção do ilustre Conselheiro Relator, os demais membros do colegiado acompanharam meu voto.
Qual foi o caso mais difícil de formar sua convicção?
No Acórdão nº 1301-004.091, julgado na sessão de 17 de setembro de 2019, acabei por divergir do relator em um caso que, sob o ponto de vista prático, tratar-se-ia de uma infração de caráter formal do contribuinte, em que esse teria trazido aos autos elementos de prova para demonstrar que não teria havido ausência de recolhimento de tributo.
Por outro lado, o legislador, a meu ver, não teria deixado muita margem de manobra para o intérprete, imputando à omissão formal do contribuinte consequências de ordem material, de modo a gerar a cobrança de tributos.
O lançamento dizia respeito a autos de infração decorrentes da adição, de ofício, na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) da diferença positiva entre os valores do ativo na Escrituração Contábil Digital (ECD) do contribuinte e na sua escrituração contábil fiscal (ECF, e também no FCONT). Isso em razão de o contribuinte não ter evidenciado a respectiva diferença em subconta vinculada ao ativo quando da adoção inicial das disposições da Lei n° 12.973/2014.
Fundamentei meu voto no art. 66 da Lei nº 12.973/2014 que determina que “a diferença positiva entre o valor de ativo mensurado de acordo com as disposições da Lei nº 6.404/1976, e o valor mensurado pelos métodos e critérios vigentes em 31 de dezembro de 2007, deve ser adicionada na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL […] em janeiro de 2015, […], salvo se o contribuinte evidenciar contabilmente essa diferença em subconta vinculada ao ativo.”
E no âmbito administrativo, eventual incompatibilidade entre esse dispositivo de lei ordinária e o art. 43 do CTN (no que diz respeito ao conceito de renda), implicaria a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 63 a 67 da Lei nº 12.973/2014, procedimento vedado por lei e que constitui o enunciado de Súmula CARF nº 2.
Citei ainda que diversos outros dispositivos legais que tratavam de reavaliação espontânea de ativos já impunham a tributação imediata dessa “mais valia”, exceto nos casos em que o legislador optou por condicionar a não incidência de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e CSLL, nesse momento de reavaliação, ao cumprimento de determinados controles, como nos arts. 434, 436 e 437 do RIR/99 no que diz respeito à reavaliação de bens do então denominado “Ativo Permanente”.
De maneira ainda mais gravosa, o art. 438 do RIR/99 impunha, inclusive, a tributação imediata da reavaliação de participações societárias, independentemente da adoção de qualquer outro controle.
Desse modo, a apresentação de qualquer outro controle extracontábil por parte do contribuinte não elidiria a aplicação do art. 66 da Lei nº 12.973/2014 – com a consequente tributação imediata dessa “mais valia” -, o qual exigia, como condição da não exigência imediata de IRPJ e de CSLL, o controle em subcontas da diferença positiva entre os valores de ativos mensurados com base nas recentes alterações da Lei das S/A e os valores mensurados com base nos métodos e critérios contábeis vigentes em 31/12/2007.
Por fim, finalizei argumentando que esse controle em subcontas era essencial à Receita Federal para o “controle prévio desses ajustes ao longo do tempo, de forma remota e eletrônica, sem que fosse necessária a abertura de procedimentos fiscais, em uma infinidade de contribuintes e sem critérios técnicos de seleção, para averiguar se houve ou não prejuízo ao Fisco no que diz respeito ao registro de avaliações de ativos a valor justo”.
Qual foi o caso em que a decisão teve mais força para pacificar uma discussão?
No acórdão nº 1402-002.216, julgado em 08 de junho de 2016, durante os debates, muita dúvida surgiu acerca da possibilidade de dedução, com base no art. 9º da Lei nº 9.430/96, de perdas no recebimento de créditos, em especial se o desconto de duplicatas caracterizaria perda sem ou com garantia, o que alteraria os critérios de dedutibilidade, como o tempo de vencimento dos créditos e a necessidade de procedimento judicial para seu recebimento.
Para o ilustre relator desse acórdão, “o penhor de direitos creditórios é tido como garantia real o que valeria para as duplicatas, como no presente caso, eis que de acordo com o posicionamento supra descrito não importaria a modalidade”.
Após os debates, solicitei vista dos autos, e, na reunião seguinte proferi meu voto divergindo da posição do relator.
Argumentei que, à época, da edição da Lei nº 9.430/96, vigia o Código Civil de 1949 que, em seus artigos 755, 756, 768 e 769 tratavam como suscetível de penhor somente os bens móveis. Entretanto, em seu arts. 789 e 790, o Código Civil então vigente equiparava a penhor a caução de títulos de créditos.
O Código Civil de 2002, por sua vez, em seus arts. 1451 a 1459, dispôs sobre o tratamento do penhor de direitos e títulos de crédito, mantendo o penhor como direito real (art. 1.225, inciso VIII).
Asseverei que não me parecia acertado o argumento da recorrente de que, para o penhor ser classificado como garantia real, seria preciso que essa garantia recaísse sobre um bem móvel, imóvel ou semovente, pois os arts. 1451 a 1459 do Código Civil de 2002 (e também os arts. 789 e 790 do Código Civil de 1916) incluem como direito real o penhor de direitos e títulos de crédito.
Entretanto, chamei a atenção para o disposto no inciso III, do § 1º do art. 9º da Lei nº 9.430/96 que dispunha que, que para se configurar a perda de crédito com garantia, as operações necessitavam estar vencidas há mais de dois anos, e deveriam ter sido inciados e mantidos os procedimentos judiciais para o seu recebimento ou o arresto das garantias.
E, no que tange ao arresto, tanto como ato executivo (arts. 653 a 654 do CPC/1973), como medida cautelar (arts. 813 a 821 do CPC/1973), tal instituto é aplicável tão somente a bens, característica mantida pelo CPC/2015 (arts. 159, 301, 495, 828, 830 e 844).
Com efeito, concluí que “para fins do disposto no art. 9º, § 1º, III, da Lei nº 9.430/96, para o débito ser considerado como garantido, há a necessidade de a garantia ser passível de arresto, ou seja, um bem, e não um direito”.
Por fim, arrematei que, além disso, a operação em questão não se trata efetivamente de uma operação com garantia, se trata, em realidade, de descontos de duplicatas, e, estando os débitos em aberto, evidentemente nem a duplicata descontada foi paga nem se obteve êxito na cobrança direta do devedor originário (mediante débito em conta corrente). Desse modo, a duplicata oferecida à instituição financeira para obtenção de empréstimos não constituiria garantia real, “uma vez que as duplicatas, em realidade, são os meios primários para adimplemento da obrigação, e não de sua garantia, tanto que, uma vez não honradas as duplicatas, a instituição financeira tenta debitar das contas do devedor o valor correspondente, para, somente em caso de nova frustração, partir para outros meios de cobrança sem qualquer privilégio em sua execução. Em outras palavras, o que a instituição financeira iria arrestar pra a cobrança da dívida? Ainda que se admitisse o arresto de direitos, certamente não seriam os títulos de crédito em questão alvo de tal medida, uma vez que esses já foram inadimplidos”.
Tratava-se de tema em que não havíamos identificado precedentes no âmbito do CARF.
Ao final, a maioria do colegiado acabou acompanhando meu entendimento, cancelando a exigência nesse ponto.
Qual foi o caso mais marcante em que você foi voto vencido?
Na resolução nº 1402-000.401, que julgamos na sessão de 6 de outubro de 2016, acabei vencido pela maioria do colegiado, que acompanhou o voto do ilustre conselheiro relator no sentido de sobrestar o julgamento dos processos administrativos fiscais objetos de matéria em que houve reconhecimento de repercussão por parte do STF.
Aduzi que o CPC já era aplicado de forma subsidiária ao processo administrativo fiscal mesmo antes do advento do CPC/2015, e que a previsão de sobrestamento do trâmite de processos judiciais quando da determinação do STF contido CPC/2015 já existia à época da vigência do CPC/1973.
Salientei ainda que entre os princípios norteadores do processo administrativo estaria o princípio da oficialidade, segundo o qual compete à própria administração impulsionar o processo até a sua conclusão, diligenciando no sentido de reunir o conhecimento dos atos necessários ao seu deslinde, princípio posteriormente positivado (art. 2º, parágrafo único, inciso XII, da Lei nº 9.784/99). Ao lado desse princípio, elenquei ainda o princípio constitucional da duração razoável do processo.
Nessa linha de argumento, concluí que somente norma específica (em lei ou ainda no Regimento Interno do CARF) poderia dispor sobre essa hipótese de arquivamento, tal qual ocorreu na vigência da Portaria MF nº 586/2010 – que previa o sobrestamento dos julgamentos dos recursos sempre que o STF também sobrestasse o julgamento dos recursos extraordinários da mesma matéria, até que fosse proferida decisão no recurso representativo de controvérsia, até o advento da Portaria MF nº 545/2013 que revogou esse dispositivo regimental, até mesmo ante ao verdadeiro caos administrativo advindo do sobrestamento de inúmeros processos no CARF.
Ademais, sendo o CARF incompetente para examinar a constitucionalidade de lei, não faria sentido o sobrestamento dos feitos cuja repercussão geral fosse reconhecida pelo STF, sob pena de colocar em risco o próprio funcionamento do órgão (citei como exemplo a eventual hipótese de reconhecimento de repercussão geral sobre a aplicação da taxa Selic, por exemplo, que imporia o sobrestamento de praticamente 100% dos processos em trâmite no CARF).
Esse meu entendimento foi objeto de declaração de voto nesse processo específico, e, talvez em razão da influência de seus fundamentos, não me recordo de identificar outro caso em que, naquele colegiado, a maioria da turma tivesse mantido o entendimento proferido na Resolução nº 1402-000.401.
Qual é a discussão que adoraria ter a oportunidade de participar como julgador?
Nesses oito anos que atuo como conselheiro, já participei de julgamentos envolvendo praticamente todas as matérias em que eu mais tenho familiaridade e em que sentia maiores desejos por debater nos colegiados em que participei.
Apesar disso, frequentemente continuamos a nos deparar com temas que, em que pese já ter sido objeto de deliberações anteriores, apresentam nuances que levam a abordagens, discussões e, invariavelmente, a decisões distintas.
Creio que, no momento, seria interessante o exame de exigências tratando de amortização de ágio ou de lucros auferidos no exterior, mas sob o novo tratamento trazido pela Lei nº 12.973/2014.
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Visão de mundo de Fernando Brasil De Oliveira Pinto
Qual é o papel do Estado e do seu trabalho no desenvolvimento da nação?
O Estado é, sem sombra de dúvidas, essencial em qualquer sociedade. Obviamente, a depender do nível de desenvolvimento socioeconômico e cultural, a importância do Estado pode ser maior ou menor, em diversas áreas. Em países como o nosso, com péssima distribuição de renda e com desigualdade abismal entre os mais pobres e os mais ricos, a presença do Estado ainda necessita ser mais evidente para, ao menos, minimizar o sofrimento dos menos abastados no curto prazo, e criar mecanismos de inclusão e desenvolvimento dessa parcela da população mais necessitada.
Por outro lado, a presença do Estado na economia precisa se dar tão somente em setores estratégicos, e na medida exata dessa necessidade, buscando interferir minimamente no mercado, e ainda assim de modo a preservar a concorrência e incentivar o desenvolvimento.
Sob o ponto de vista dos serviços prestados pelo Estado, este deve focar nas atividades em que a iniciativa privada não pode (atividades exclusivas de Estado) ou não quer atuar, mas que sejam necessárias à coletividade. Esse ponto de vista deve ser sopesado de acordo com o nível de desenvolvimento de cada Estado, dotado de estrutura proporcional às necessidades da população, em especial os vulneráveis.
A importância dessa estrutura e apoio estatal, ao menos no Brasil, se mostrou ainda mais necessária nesse último ano, pois, frente à pandemia, tanto o apoio financeiro, como, principalmente, o Sistema Único de Saúde, mostraram-se essenciais para que as perdas humanas e sociais não fossem ainda maiores do que a que nos assolou.
Enfim, o papel do Estado é essencial ao desenvolvimento de seu povo, à manutenção de uma qualidade de vida mínima e a uma melhor distribuição de renda, e, ao mesmo tempo, de interferir pontual e minimamente no mercado, incentivando e apoiando a iniciativa privada de modo que os proveitos econômicos daí advindos possam ser angariados por toda a sociedade.
A dificuldade reside, justamente, em aferir a estrutura estatal indispensável para que, de acordo com a necessidade de cada nação, esta não seja insuficiente para suprir esses anseios, ou demasiadamente pesada para sua manutenção.
Quais julgamentos e decisões de que você não participou como julgador marcaram sua vida profissional até hoje?
Na realidade, os julgamentos que mais marcaram a minha vida profissional foram realizados há cerca de vinte anos, entre 2001 e 2004. A minha carreira funcional na Receita Federal iniciou-se com trabalhos de fiscalização. Sempre fui muito interessado nos trâmites processuais e isso acabou me levando a auxiliar nos trabalhos da Coordenação Geral de Fiscalização, em Brasília, para assessorar a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) junto aos então Conselhos de Contribuintes.
Identificávamos os casos e os temas de interesse da Receita Federal, elaborávamos resumos e auxiliávamos a PGFN para realização de sustentações orais.
Foi um dos períodos em que mais me desenvolvi profissionalmente. Cheguei a acompanhar julgamentos de processos em que fui a autoridade fiscal autuante e, sem sombra de dúvidas, esses julgados foram os que mais marcaram a minha vida profissional, embora as matérias propriamente ditas, não chamassem tanto a atenção.
E foi nesse período que decidi que, oportunamente, buscaria direcionar minha carreira funcional para a área de julgamento, o que pude fazer mais tarde ao iniciar os trabalhos de julgador na Delegacia de Julgamento (DRJ), em Porto Alegre, e, posteriormente, no CARF.
Quem são as pessoas que te inspiram (pessoalmente e profissionalmente)?
Profissionalmente há dois colegas na Receita Federal que me inspiram até hoje, em que pese a pouca oportunidade de convivência nos últimos anos: o primeiro deles é o auditor fiscal Ricardo de Souza Moreira, meu primeiro chefe na Receita Federal e que foi de fundamental importância no meu desenvolvimento no órgão. Além de seu profissionalismo ímpar, em paralelo com os trabalhos desenvolvidos na Delegacia da Receita Federal em Novo Hamburgo (RS), permitiu e me incentivou a participar de trabalhos junto às Coordenações Gerais em Brasília e atuar como instrutor na ESAF. Outro profissional que admiro foi o primeiro presidente de Turma em que atuei na DRJ, o auditor fiscal Geraldo Brinckmann: equilíbrio, competência e uma habilidade ímpar na escrita e sobre como lidar com pessoas.
Pessoalmente, felizmente, por razões diversas e em searas distintas, há muitas pessoas que me inspiram. Mas, o melhor de tudo é poder dizer que as pessoas que mais me inspiram são meus familiares: meu falecido pai, que tanto se esforçou para educar e desenvolver eu e meus irmãos, minha mãe (maior exemplo de dedicação que conheci), e minha amada esposa, profissional de excelência, mãe onipresente, companheira de todas as horas (inclusive de “home office”) que só me faz evoluir.
Quais são os livros e referências que não saem de cima da sua mesa?
A obra “Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado”, de Marcos Vinícius Neder e Maria Teresa Martínez López, é sempre uma referência e de apoio ininterrupto.
Obras sobre Planejamento Tributário também sempre estão por perto, merecendo releituras seguidas, com novos olhos frente aos sempre bons debates no âmbito do CARF. Nessa seara, ressalto leitura que se faz em dupla: professor Marco Aurélio Greco, acompanhado de Sérgio André Rocha.