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Carf inicia 2021 com pauta esvaziada pela PGFN e pelos contribuintes

Preferência pelos julgamentos presenciais levam a PGFN e os contribuintes a pedir que processos saiam da pauta

Carf julga armazenagem de produtos acabados
Foto: André Corrêa/Agência Senado

A semana do dia 23 de fevereiro começou com 134 processos em pauta no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Dois dias depois, entretanto, apenas 67 casos estavam na lista dos que poderiam ser julgados pelo tribunal administrativo. Os demais foram retirados a pedido dos contribuintes e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

A movimentação não destoou do que vem ocorrendo no tribunal desde que foram iniciados os julgamentos virtuais. Juntando as três turmas da Câmara Superior, nos meses de janeiro e fevereiro foram 236 processos retirados de pauta no tribunal. No período metade dos casos das pautas da 2ª e da 3ª Turma da Câmara Superior foram retirados.

Contribuintes e Fazenda têm requerido que casos relevantes, e até processos pequenos, não sejam julgados. O motivo é a dificuldade de acompanhamento dos processos virtuais por parte da PGFN e o receio, tanto da procuradoria quanto dos contribuintes, de que a sustentação oral virtual não tenha a mesma eficiência em relação à feita presencialmente.

Conselheiros e advogados também acreditam que a PGFN esteja retirando casos para evitar alterações de jurisprudência com a nova sistemática de desempate no Carf. A procuradoria, entretanto, nega a preocupação.

Os processos retirados de pauta voltam ao plenário somente após o início das sessões presenciais, o que ainda não tem data para acontecer. O entendimento é que a presença física de um advogado ou procurador para defender o caso é mais eficiente do que a defesa feita de modo virtual.

Julgamento virtual: uma decorrência da pandemia

O julgamento virtual no Carf teve início em junho de 2020 devido à pandemia causada pela Covid-19. No início, somente casos de até R$ 1 milhão puderam ser analisados, valor que foi majorado para R$ 8 milhões em agosto e, em janeiro de 2021, para R$ 12 milhões.

Segundo um membro da PGFN entrevistado pelo JOTA, há, de fato, essa percepção de pauta esvaziada no Carf, com pedidos de retirada de discussão por parte das empresas e também pela PGFN.

De acordo com o procurador, trata-se de uma opção da PGFN de focar na resolução dos conflitos tributários quando os julgamentos presenciais voltarem, tanto que, segundo ele, foram feitas poucas sustentações orais por parte da procuradoria. O procurador defende que o julgamento presencial possibilita um maior controle e acompanhamento dos processos.

O procurador, entretanto, negou que os reiterados pedidos sejam uma estratégia da PGFN para evitar que o atual modelo de desempate de votação a favor do contribuinte altere os entendimentos do Carf a favor da Fazenda.

Os processos com pedido de retirada de pauta por parte da PGFN variam. Há pedidos para a retirada de processos mais complexos e valiosos, com a presença de grandes contribuintes, mas também requerimentos relacionados a processos de pessoas físicas, envolvendo Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e Simples Nacional. Por parte dos contribuintes, os pedidos são feitos nos maiores processos e com discussões mais complexas.

Voto de qualidade

Conselheiros entrevistados pelo JOTA, por outro lado, apostam que a retirada de grandes processos por parte da PGFN pode ter relação com uma possível espera de posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) nas ADIs 6399 e 6403. Por meio dos recursos a Corte discutirá a constitucionalidade do fim do voto de qualidade no tribunal administrativo.

As ações foram propostas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). O relator é o ministro Marco Aurélio, que se aposenta da Corte em julho de 2021. Com isso, a expectativa dos contribuintes e da PGFN é que o desfecho do voto de qualidade no Carf seja resolvido no primeiro semestre de 2021.

O voto de qualidade, que dava ao presidente da turma, sempre um conselheiro da Fazenda, o poder de votar duas vezes em caso de empate, foi extinto no Carf por meio da  Lei do Contribuinte Legal (13.988/2020), sancionada em 14 de abril de 2020. De acordo com a nova regra, em caso de empate a decisão deve ser pró-contribuinte. A mudança na forma de desempate no tribunal é vista como uma oportunidade para que os contribuintes revertam resultados que historicamente são considerados desfavoráveis.

Contribuintes

A tributarista Tatiana Chiaradia, sócia do Cândido Martins Advogados, acredita que os pedidos de retirada de pauta por parte da PGFN servem para que o órgão não corra o risco de perder os principais casos no Carf.

“Se a PGFN perder essas matérias, não há possibilidade de revisão pelo Judiciário. Com isso, o tribunal fica esvaziado de casos de grande importância”, afirmou a tributarista.

Sobre a situação dos contribuintes, Chiaradia explica que há um ambiente de desconfiança sobre o julgamento virtual dos processos mais importantes. “Nosso escritório optou por pedir a retirada [dos processos]. Concordamos com os clientes que não vamos trazer esses casos de volta tão cedo”, explicou a advogada.

Segundo Maria Teresa Grassi, tributarista do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, os contribuintes e seus advogados, por meio das sessões presenciais, têm a possibilidade de distribuir memoriais pessoalmente e conversar com os conselheiros sobre pontos relevantes, o que “dificilmente conseguiriam fazer em uma sustentação oral online”.

“Entendo que existem casos estratégicos e algumas matérias sensíveis que necessitam do contato presencial”, afirmou a tributarista.

Para Carlos Augusto Daniel Neto, sócio do escritório Daniel & Diniz Sociedade de Advogados, há dois motivos para o excesso de pedidos de retirada de pauta. O primeiro é uma decorrência do modelo atual de julgamentos virtuais, principalmente para os casos complexos.

“Um segundo motivo, em especial da PGFN, seria a projeção de um resultado desfavorável em razão do desempate favorável ao contribuinte, no caso de decisão por voto de qualidade. Isso faz com que se tente postergar o julgamento, esperando algum desfecho das ADIs questionando essa alteração legislativa”, disse o advogado.

Pandemia e Produtividade

O julgamento virtual possibilitou, segundo dados do Carf, um ganho de produtividade. Somente no primeiro mês da nova sistemática, em junho de 2020, houve aumento de produtividade de 100% de casos julgados em relação ao ano de 2019, totalizando 5,2 mil processos analisados.

Segundo o Carf, o tribunal está produzindo em média 4 mil acórdãos por mês. O número faz com que o órgão tenha uma finalização maior de processos em comparação com os casos que entram no tribunal.

A presidente do tribunal, Adriana Gomes Rêgo, anunciou em novembro, durante seminário do Carf, que o órgão pretende continuar com os julgamentos virtuais. A ideia é criar duas modalidades de julgamento: presencial para processos com valores elevados e virtual para os demais casos. Ainda não há data definida para a implementação do novo modelo.

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