Uma mudança no entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) está motivando empresas a planejarem o pagamento, em 2022, de Juros sobre Capital Próprio (JCP) não pagos em anos anteriores aos seus acionistas. Com a alteração do entendimento, resultante da utilização do desempate pró-contribuinte no tribunal administrativo, o Carf passou a permitir a dedução desses valores acumulados.
Ao JOTA, tributaristas apontam que o cenário nunca foi tão favorável aos contribuintes para o pagamento de JCP acumulado. “Com a mudança no entendimento, é o momento de as empresas que, conservadoramente acabaram optando por proteger o caixa, tendo em vista a extraordinária incerteza causada pela pandemia de Covid-19, reverem se o pagamento de JCP relativo aos anos de 2020 e 2021 representa vantagem não apenas tributária, mas também societária, decorrente de melhorar o ‘payout’ a seus acionistas”, afirma Luciana Aguiar, advogada do Bocater Advogados.
O JCP é um pagamento feito pela empresa aos seus acionistas, que pode ser realizado em forma de dinheiro ou de capitalização, com a disponibilização de ações ao investidor. O mecanismo foi instituído pelo artigo 9º da Lei nº 9.249/1995 e, apesar de não ser uma obrigação, é utilizado por companhias como forma de incentivar os investimentos e reduzir a carga tributária. Isso porque, por ser considerado uma despesa, o JCP é dedutível do IRPJ e da CSLL.
Apenas pessoas jurídicas do regime de Lucro Real podem abater despesas no IRPJ. Ao fazer o pagamento a título de JCP, o contribuinte deixa de tributar esse valor no IRPJ e CSLL, que juntos possuem uma alíquota de 34%. Isso acontece porque o pagamento passa a ser considerado despesa dedutível.
“As empresas brasileiras são sempre muito conservadoras, porque têm que preservar os caixas. Depois de dois anos de pandemia, a preocupação é ainda maior”, diz Luciana Aguiar. Com isso, ela explica que muitas companhias acabam atrasando os pagamentos de JCP.
Quando a empresa paga o JCP referente ao ano da sua competência, o entendimento sempre foi pacífico no Carf quanto à possibilidade de dedutibilidade do IRPJ. Porém, quando ela atrasa e decide pagar mesmo assim, muitas vezes é autuada pela Receita Federal, e até o novo entendimento, era comum ter como resultado uma decisão desfavorável no Carf.
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De acordo com um levantamento feito no ano passado por Frederico Fonseca, sócio tributário do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados , de 85 casos sobre a matéria, julgados entre os anos de 2003 e 2020 no Carf, 19 foram favoráveis e 66 desfavoráveis à pretensão do contribuinte. Ou seja, durante todo esse período, a jurisprudência era pacífica no sentido contrário à dedução do JCP acumulado.
Tributaristas ouvidos pelo JOTA afirmam que, com o novo cenário, as pessoas jurídicas pretendem fazer esses pagamentos. O advogado Júlio Assis, do FCAM Advogados, afirma que algumas empresas já fizeram esse planejamento no final do ano passado e outras ainda estão se planejando.
A advogada Luciana Aguiar explica que além da importância de aproveitar o cenário mais favorável, “pagar agora é relevante porque o instituto da JCP está sempre na mira de propostas legislativas que desejam revogar o artigo 9 [da Lei 9.249/1995]. Se revogada a dedutibilidade, o benefício deixa de existir, seja para a JCP retroativa, seja para a do ano corrente”.
Uma das grandes ameaças à existência do JCP é a reforma tributária do IR, o Projeto de Lei (PL) nº 2.337/2021, de autoria do Executivo.
Mudança de entendimento
Diante das sessões virtuais em razão da pandemia de Covid-19, o Carf estabeleceu um limite de valor dos casos em julgamento, que aumentou de forma gradativa até atingir R$ 36 milhões, ao final do ano. Isso permitiu que teses consideradas mais relevantes em razão do valor maior, que anteriormente eram decididas a favor do fisco, muitas vezes com desempates por voto de qualidade, fossem julgadas de forma favorável aos contribuintes, com o desempate pró-contribuinte aprovado pela Lei nº 13.988, de 2020.
Entre os temas que começaram a ser decididos de forma favorável aos contribuintes no final de 2021 estão a possibilidade de dedução de Juros sobre Capital Próprio (JCP) retroativo; regularidade da trava de 30% para compensação no caso de extinção da pessoa jurídica por incorporação; limites da coisa julgada na cobrança de CSLL; incidência de contribuição previdenciária sobre stock options, hiring bonus e tíquete alimentação e concomitância de multa isolada e de ofício.
Embora o desempate pró-contribuinte tenha revertido o entendimento, ainda restam dúvidas sobre a durabilidade do cenário favorável às empresas. O advogado Julio Assis, do FCAM Advogados, alerta que existem chances de o entendimento ser alterado novamente. Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) pode julgar inconstitucional o artigo 19-E, que estabelece o desempate pró-contribuinte. Tramitam na Corte as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 6.415, 6.399 e 6.403, que discutem a questão.
Para Matheus Bueno, sócio do Bueno Tax Lawyers, o fato de o entendimento depender do desempate pode gerar inseguranças para as empresas, porém, o cenário nunca foi tão favorável, e elas devem usufruir disso enquanto podem. Afinal, desde 2014 foi consolidado o entendimento de que seria vedada a dedução do JCP.
“O tema esteve tranquilo antes, complicou, e agora temos uma evidência de que tende a ser tranquilo novamente. A empresa só precisa estar ciente dos efeitos de eventual reversão do entendimento futuramente. Esse risco ficou baixo, mas não nulo”, avalia Matheus Bueno.
Mesmo com o novo cenário, as empresas correm o risco de autuação pela Receita Federal. Caso ocorra, entretanto, há grandes chances de vitória definitiva do contribuinte no Carf, uma vez que o fisco não pode recorrer à Justiça em caso de derrota no tribunal administrativo.
Decisão do Carf
No dia 3 de setembro de 2021, a 1ª Turma da Câmara Superior do Carf julgou o primeiro caso em que permitiu a dedução de JCP retroativo, ou seja, apurado em exercício anterior. A decisão ocorreu no julgamento do processo nº 16327.001202/2009-72, envolvendo o Banco Santander, e foi decidida com a aplicação do desempate pró-contribuinte.
Foi vencedor o voto do conselheiro Caio Cesar Nader Quintella, que considerou que no artigo 9º da Lei nº 9.249/95 “não fora imposta nenhuma limitação temporal na apuração e efetiva fruição de tal permissivo legal, redutor de base tributável; tampouco mencionou-se o regime de competência”. Para ele, não há a obrigação de deduzir apenas o JCP pago no ano, e sim no ano da deliberação do pagamento, podendo ser feita a remuneração de anos anteriores e a dedução no IRPJ.
Já o relator, conselheiro Fernando Brasil, entendeu que o artigo 9º disciplina que apenas poderão ser deduzidas as despesas de JCP incidentes sobre o patrimônio
A discussão consta no processo 16327.001202/2009-72.