A juíza Sandra Maria Generoso Thomaz Leidecker, da 32ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, julgou improcedente a ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a Uber em que a se alegava que a empresa, de “forma fraudulenta, utiliza mecanismos de jurimetria para manipular a jurisprudência e impedir a formação de decisões contrárias a seus interesses, em prejuízo da coletividade”.
O MPT postulava indenização por danos morais coletivos em razão de uma suposta conduta fraudulenta da Uber, que estaria fazendo “uso da estratégia processual de celebrar acordos trabalhistas com base na previsão de resultado do julgamento do Órgão Jurisdicional, desvirtuando a utilização de dados estatísticos de jurimetria, com o objetivo de manipular a formação de jurisprudência”.
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Já a Uber se defendeu dizendo que não havia “manipulação de jurisprudência” nem “ilicitude na conduta”. Também assegurou que realiza somente a “análise econômica e financeira pautada em mecanismo de gestão da imensa carteira de processos ativos, visando, diante dos riscos inerentes à disputa judicial, ao encerramento dos processos, com redução de custos e tempo despendido”.
A sentença favorável à jurimetria feita pela Uber
A juíza Leidecke ponderou que a Justiça do Trabalho é “essencialmente conciliadora” e que a própria CLT possui a previsão de “busca incessante de conciliação das partes em conflito”. Também argumentou que “a pesquisa jurimétrica, como ferramenta, pode envolver diversos assuntos, como o tempo de duração dos processos, análise de decisões judiciais, custos e tudo o que for relacionado a dados e metadados públicos, respeitados, por óbvio, os postulados científicos da estatística e probabilidade”.
“É absolutamente possível que, para um mesmo fato ou norma jurídica, haja interpretações diversas, a depender da convicção do julgador de primeira instância ou da Turma para a qual o processo é distribuído. Trata- se de mero fruto da interpretação de quem julga, dado que não constitui ciência exata”, explicou.
E prosseguiu: “A criação de jurisprudência não geraria, necessariamente, a obrigatoriedade de que outros órgãos julgadores sigam a mesma tendência, o que torna inócua a alegação do autor de que o Poder Judiciário seria o maior lesado. A jurimetria, como instrumento de análise de risco para oferta de acordos, não fere legislação nacional”.
A juíza também ponderou que “não se pode olvidar que, na atualidade, a tecnologia faz parte, em menor ou maior escala, do cotidiano de todos. Não seria diferente no ramo jurídico, o qual não pode ignorar a realidade. Não se mostra razoável, no mundo moderno, quedar-se alheio ou insurgir-se contra movimento que já se apresenta de forma permanente no cotidiano dos aplicadores do direito”.
Ela afirmou ainda que “não vinga a alegação de que, ao dificultar o julgamento dos processos por meio da seletividade dos acordos propostos, a ré impediria a pacificação, uniformidade e estabilidade da jurisprudência, causando prejuízo à segurança jurídica e coerência das decisões”. Para ela, “considerar como fraudulenta a condução processual da ré implicaria, nesse enfoque, assumir que a posição do julgador assemelha-se à de mero e pacífico espectador da relação processual, desprovido de qualquer dever como atuante, promotor e garantidor da justiça”.
“Poderia, ao fim e ao cabo, inibir que empresas ofertem propostas de acordo, em segunda instância, a partir da ponderação das chances de êxito na demanda, o que acabaria prejudicando aqueles a quem o autor deseja imprimir proteção, os mais beneficiados com a resolução célere dos processos: os trabalhadores. O risco é inerente às partes e transita em via de mão dupla”, concluiu.
A Uber enviou a seguinte nota à redação sobre o caso:
A sentença da 32ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte reconhece o que a Uber vem esclarecendo desde que passou a ser acusada indevidamente pelo Ministério Público do Trabalho: a Uber não tenta “manipular” a formação de jurisprudência sobre a natureza da relação entre a empresa e motoristas que usam seu aplicativo no Brasil.
A decisão comprova que a tese interpretativa do MPT não se sustenta quando confrontada com a realidade dos fatos, pois se vale de alguns supostos casos nos quais houve tentativa de conciliação por concordância mútua das partes, ignorando completamente que a maioria dos milhares de processos envolvendo a Uber no Brasil são concluídos com o julgamento de mérito. A própria sentença aponta a “fragilidade dos apontamentos” do MPT, o que levanta “dúvida razoável acerca dos dados” apresentados na ação.
Ao contrário do que defende o MPT, nos últimos anos as diversas instâncias da Justiça brasileira, de maneira independente, formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e seus parceiros, apontando a ausência dos requisitos legais concomitantes para a existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 6.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma, além de mais de 10 decisões no TST e de julgamentos tanto no STJ como no STF no mesmo sentido.
Embora a ampla maioria de decisões reafirmem a inexistência de vínculo empregatício de motoristas com a empresa, a Uber participa de Semanas de Conciliação promovidas pela Justiça do Trabalho e também atende convites para audiências nos Cejuscs (Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas) dos Tribunais Regionais do Trabalho.
Assim como outras empresas que lidam com causas trabalhistas, a Uber considera uma série de fatores na análise do cabimento de uma tentativa de conciliação, feita processo a processo, como os valores envolvidos na causa, as custas processuais para apresentar recurso, honorários advocatícios, entre outros.
Nas ocasiões em que a empresa e o motorista, amparados por seus advogados, celebram acordos que atendam ambas as partes, o procedimento é sempre realizado sob observação da Justiça e com a homologação dos juízes e desembargadores responsáveis. Não há nenhuma ilegalidade em qualquer eventual acordo judicial firmado.
O processo tramita no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3) sob o número 0010531-94.2023.5.03.0111.