Pandemia

Critério da transcendência usado no TST pode impactar casos sobre coronavírus

Transcendência permite que relator no TST barre processos. Decisão é irrecorrível

Segurança jurídica tst transcendência
Crédito Flickr TST

Após a reforma trabalhista de 2017 (lei 13.467/2017), as empresas e os trabalhadores só podem recorrer de uma decisão de segunda instância ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) se comprovarem que o tema do processo preenche os requisitos de transcendência. Isto é, a empresa ou o trabalhador precisam demonstrar que o processo tem relevância social, econômica, política ou jurídica para além dos interesses das partes.

A questão é alvo de um processo na Corte, e especialistas alertam que o tema é relevante no cenário de pandemia pelo qual o país passa. Advogados alertam que os critérios de transcendência são subjetivos, e ministros já tomaram decisões diferentes em casos idênticos. Além disso, em um tipo específico de recurso, chamado agravo de instrumento, a decisão do relator é definitiva e irrecorrível. Nesse sentido, os advogados temem que no futuro processos relacionados ao coronavírus sejam barrados no TST devido a interpretações distintas sobre a transcendência.

O conceito se assemelha à repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (STF), sistemática que exige a comprovação da relevância para ser aplicada pelos ministros. Entretanto, diferentemente do STF, no TST os ministros podem avaliar a transcendência de cada processo individualmente, por meio de decisões monocráticas do relator.

Em um tipo específico de recurso ao TST, chamado agravo de instrumento, a avaliação do relator sobre a transcendência é final. Ou seja, se o ministro entender que o processo não tem relevância política, econômica, social ou jurídica, o TST não apreciará a matéria e o processo é baixado imediatamente para o Tribunal Regional do Trabalho (TRT), sem possibilidade de os advogados entrarem com recursos.

Nesse sentido, advogados alertam que o instrumento da transcendência tem causado insegurança jurídica na Justiça do Trabalho. Em agravos de instrumento idênticos que discutem a mesma matéria, já aconteceu de um relator reconhecer a transcendência e outro não.

Esse tipo de insegurança pode afetar também processos judiciais decorrentes da pandemia do coronavírus como, por exemplo, sobre a aplicação às relações do trabalho das medidas provisórias editadas pelo governo federal. Entre outros incentivos, o Planalto permitiu a redução proporcional de salário e jornada por meio da medida provisória 936/2020.

“Com o passar do tempo a Justiça do Trabalho deve debater a forma como as medidas foram colocadas em prática: se as empresas se adequaram regularmente, se abusaram na forma de se adequar aos programas das medidas provisórias, se os empresários se comportaram adequadamente ou tentaram tirar proveito”, exemplificou o advogado Carlos Eduardo Dantas Costa, sócio do Peixoto & Cury Advogados.

Transcendência: Justiça que depende da relatoria?

Segundo a advogada Camila Gomes, do escritório Mauro Menezes & Advogados, o principal problema da transcendência é a impossibilidade de questionar nas Turmas a decisão monocrática no caso dos agravos de instrumento. “Isso é muito grave porque limita os debates dentro do tribunal. Podemos observar ilhas, cada ministro decide de um jeito se o tema tem ou não transcendência”, afirmou.

O agravo de instrumento é interposto pela defesa quando o recurso ao TST não é aceito – isto é, tem a admissibilidade negada. Se o relator analisar o agravo de instrumento e negar a transcendência, o processo se encerra. Por outro lado, é possível questionar no TST a avaliação individual do relator sobre transcendência nos casos de recurso de revista – ou seja, quando em primeira análise o recurso é admitido para subir ao TST. Nos casos de recurso de revista, se o relator monocraticamente afastar a transcendência, as defesas podem recorrer aos colegiados por meio de agravo.

“A transcendência é um reforço no movimento de cercear o acesso à Justiça do Trabalho que veio muito forte na reforma trabalhista”, criticou.

O advogado Carlos Eduardo Dantas Costa, sócio do Peixoto & Cury Advogados, acrescentou que a pandemia do coronavírus trouxe de volta aos holofotes conceitos jurídicos que não apareciam mais com tanta frequência, como os de força maior e estado de calamidade pública. Ao ressaltar que há subjetividade na interpretação dos critérios de relevância, o advogado frisa que não necessariamente a transcendência será reconhecida nos processos relativos à pandemia do coronavírus apenas pelo fato de o tema ser novo na Justiça do Trabalho.

“Infelizmente ser novidade não é exatamente critério de transcendência. Particularmente me parece evidente que é, porque a pandemia impacta a sociedade como um todo e traz um valor financeiro absolutamente relevante. Estamos falando de todas as empresas do país, que em algum grau foram afetadas. Mas não é pelo simples fato de ser um tema novo que automaticamente será analisado pelo TST”, ponderou.

Apesar de a pandemia do coronavírus ter relevância notória, a advogada Eliane Ribeiro Gago, sócia do escritório Duarte Garcia Serra Netto e Terra Advogados, salienta que várias matérias tão relevantes quanto a Covid-19 não tiveram a transcendência reconhecida.

“[Processos relativos à pandemia] caem no subjetivismo como qualquer outra matéria. Tem vários temas sensíveis, como a discussão se a pessoa com câncer tem estabilidade no emprego no período em que está em tratamento, que podem chegar ao tribunal em agravo de instrumento e o relator não entender que é relevante”, disse.

Para o professor Ricardo Calcini, da pós-graduação do Centro Universitário FMU, a transcendência nos casos relacionados à pandemia da Covid-19 se encaixa no critério da relevância jurídica.

“A Covid-19 é de conhecimento público e notório. É uma questão atual em que não temos jurisprudência de tribunal superior para dizer que a temática não vai ser conhecida no mérito. Até hoje por enquanto temos a constitucionalidade provisória das MPs referendada pelo Supremo, mas o TST vai discutir a aplicação das medidas nas relações trabalhistas e consequências dali decorrentes”, avaliou.

Pleno do TST analisará constitucionalidade

Diante da polêmica causada pelo fato de as partes não conseguirem recorrer da avaliação feita pelo relator sobre a transcendência nos agravos de instrumento, a 7ª Turma do TST levou a questão ao pleno do tribunal superior, espécie de última instância dentro do TST.

Ao analisar uma arguição de inconstitucionalidade, o pleno deverá definir se a decisão monocrática do relator sobre a transcendência em agravo de instrumento pode transitar em julgado ou deve ser passível de recurso. Uma alternativa seria, após a negativa em decisão monocrática, permitir que as partes apresentem recurso às Turmas do TST – da mesma forma que ocorre com os recursos de revista.

Ou seja, o plenário vai deliberar se é constitucional o parágrafo 5º do artigo 896-A da CLT, incluído pela reforma trabalhista de 2017. O dispositivo determina que “é irrecorrível a decisão monocrática do relator que, em agravo de instrumento em recurso de revista, considerar ausente a transcendência da matéria”. O tema será apreciado na ArgInc 1000845-52.2016.5.02.0461 e não há data prevista para julgamento.