Adriana Aguiar
Editora de Trabalhista do JOTA. Atua há mais de 20 anos cobrindo Justiça. Foi repórter no Valor Econômico, DCI e Conjur. Email: adriana.aguiar@jota.info

Duas decisões recentes do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15), com sede em Campinas (SP), condenaram empresas ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil a dois empregados expostos a atos considerados racismo recreativo. Essas são as primeiras decisões do Tribunal, que se aplicam o Protocolo de Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas com Perspectiva Interseccional de Raça, como determina a própria Resolução 492, do Órgão. Ainda cabem recursos à decisão.
Os julgamentos foram anteriores à publicação do Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, na semana passada, que deve dar ainda mais subsídios para identificar e combater discriminações.
Em um dos casos julgados, ficou comprovado que circulou uma imagem na empresa que remetia a um funcionário negro, com o objetivo de que as pessoas dessem risada da situação. O empregado alegou ter se sentido humilhado e constrangido. Em outro caso, uma trabalhadora afirmou ser ridicularizada por seu superior hierárquico com piadas racistas em relação à sua aparência e seu tipo de cabelo.
No caso da trabalhadora, o juiz de primeira instância reconheceu o tratamento degradante e condenou a empresa a pagar R$ 1 mil de indenização. A funcionária então recorreu ao TRT. A 5ª Câmara aumentou a indenização para R$ 20 mil. Segundo a relatora, desembargadora Adriene Sidnei de Moura David, no caso existe uma conduta nitidamente racista, conhecida como ‘racismo recreativo’, ou seja, forma de discriminação disfarçada de humor, na qual características físicas ou culturas de minorias raciais são associadas a algo desagradável e inferior, mas em forma de ‘piadas’ ou ‘chacotas’.
Para a relatora, as ofensas merecem “reprimenda exemplar do Poder Judiciário a fim de coibir condutas semelhantes e compensar a dor sofrida pela reclamante”. A situação, segundo a desembargadora, se impõe a aplicação do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, Resolução 492 do CNJ, “observada que está uma relação assimétrica de poder, com a presença de mais de um marcador de opressão da vítima, a saber de gênero e de raça”. A decisão se deu no processo 0011028-74.2021.5.15.0134.
O outro processo foi julgado pela 9ª Câmara do TRT. Segundo a relatora, juíza convocada Camila Ceroni Scarabelli, o racismo recreativo, é uma vertente do racismo estrutural e é praticado por meio do humor reprovável, no qual os agressores se divertem enquanto a vítima se sente humilhada e inferiorizada.
“Na verdade, retrata a intenção de se manter uma estrutura social que menospreza e inferioriza o povo negro, como forma de expressão de poder/dominação, perpetuando o racismo estrutural na sociedade, com piadas, gestos, falas, imagens, postagens que retratam o quão enraizado e naturalizado está o racismo na cultura e na sociedade”, diz.
Nesse caso, os desembargadores entenderam que a empresa deveria ser condenada em razão de sua omissão diante das “piadas” e “brincadeiras”, de cunho racista, “praticadas pelos colegas de trabalho da vítima, toleradas no ambiente de trabalho, inclusive pelo chefe do reclamante que frequentava/trabalhava na portaria onde os fatos aconteceram”.
De acordo com os magistrados, a empresa sequer alegou a adoção de providências para reprimir a prática racista indevidamente implementada, nem providenciou qualquer acolhimento à vítima. O processo corre em segredo de justiça.
A utilização do protocolo do CNJ, e agora dos protocolos da Justiça do Trabalho, acaba fazendo diferença na maneira de julgar esses casos, segundo a juíza convocada Camila Ceroni Scarabelli. Antes era necessário que a vítima apresentasse um conjunto de provas contundentes para que a Justiça condenasse por racismo. E como a parte contrária nega que houve o racismo, ficava então uma prova dividida, que na maioria das vezes não resultava em condenação.
Agora, com os protocolos, já se parte do princípio de que a vítima faz parte de um contexto histórico e estrutural de racismo e que seu depoimento, por ser de uma pessoa negra, tem que ser levado em maior consideração. “O protocolo determina um novo olhar para esses processos, uma nova forma de proceder, um julgamento que considere todo o histórico de discriminação racial no Brasil e aplique não só a legislação nacional mas também as normas internacionais de combate à discriminação racial”, diz.
De acordo com a advogada trabalhista Cibelle Linero, sócia do BMA Advogados, “as decisões mostram que treinar todos os empregados sobre temas de diversidade e inclusão, notadamente racismo (o que inclui o racismo recreativo), gênero, orientação sexual é fundamental para prevenir situações que podem configurar dano moral e atrair contingências financeiras e reputacionais para a empresa”.
Segundo a advogada Fernanda Nasciutti, também do BMA, "o papel de uma liderança inclusiva devidamente treinada é fundamental, não apenas para atuar na mudança cultural da organização, e prevenir que situações de racismo recreativo venham a ocorrer, como também para atuar no tratamento de eventuais incidentes desde o início e evitar consequências mais graves dali decorrentes".