Débora Brito

O ano de 2020 certamente entrará para a história como um dos marcos da questão racial no mundo. Conflitos e manifestações sociais em reação à violência policial contra a população negra nos Estados Unidos e no Brasil trouxeram à tona, mais uma vez, a forma brutal como o racismo opera em sociedades marcadas pela desigualdade e pelo preconceito de cor.
Em junho, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou nova resolução que condena o racismo estrutural e a violência de agentes da lei contra africanos e seus descendentes, medida que pretende sensibilizar os Estados e impactar as ações em prol da equidade racial em diferentes níveis, inclusive no mundo do trabalho.
Neste 20 de novembro, que celebra o Dia da Consciência Negra, em memória a Zumbi dos Palmares, o JOTA ouviu a especialista Wania Sant’Anna, Historiadora e Consultora para Programas de Diversidade em Ambientes Corporativos, sobre o impacto da implementação de políticas de promoção da diversidade na sustentabilidade de instituições e empresas. Confira abaixo a entrevista:
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Por que é necessário ter uma política de diversidade no meio corporativo?
No contexto brasileiro, essas políticas são importantes porque há um nítido desequilíbrio na participação de determinados grupos sociais no mercado de trabalho. Isso seria uma primeira resposta mais direta. Mulheres, pessoas negras, pessoas portadoras de deficiência ou população LGBTQ+ tem exibido claro perfil de sub-representação, segregação ocupacional, menores ganhos salariais, menor mobilidade no que diz respeito à ascensão profissional, entre outros gaps que podem ser corrigidos com a aplicação de medidas e procedimentos que, na atualidade, denominamos políticas de diversidade corporativa.
A segunda resposta a essa pergunta tem a ver com os princípios de não-discriminação, igualdade de oportunidade e respeito às diferenças. As relações e ambientes de trabalho não devem se eximir da responsabilidade de refletir o perfil da sociedade. Na sequência, poderíamos afirmar, por exemplo, que faz todo sentido garantir que os investimentos alocados em educação sejam adequadamente absorvidos pelo mercado de trabalho, garantido que empregados e empregadas tenham seus conhecimentos e suas habilidades profissionais valorizados e expandidos.  E é isso que, não apenas hipoteticamente, pode garantir a sustentabilidade dos negócios e das empresas. 
 Qual o impacto das políticas de diversidade ou equidade nas empresas, na sociedade?
<blockquote class="jota-article__eye"> As políticas de diversidade podem ser compreendidas como um retorno justo aos investimentos aplicados na educação das pessoas.  Além disso, essas medidas e procedimentos têm o mérito de garantir pressupostos constitucionais.</blockquote>
Garantir que medidas relacionadas ao equilíbrio entre vida profissional e familiar façam parte das políticas de gestão de pessoas sinaliza que as empresas se preocupam não apenas com o bem estar de seus funcionários e funcionárias.  Trata-se aqui de uma sinalização mais ampla e relacionada ao futuro da sociedade. 
Licença maternidade de 180 dias ou licença paternidade para além daquela assegurada pela legislação, apenas de 5 dias, é o compromisso que a empresa pode demonstrar com o bem-estar das crianças – ou seja, com o futuro da sociedade.  A tarefa social a ser cumprida nesses casos é deixar de perceber medidas dessa natureza como custo, mas, ao contrário, como um investimento e isso é sustentabilidade 
Poderia citar algum exemplo de resultados alcançados nas empresas que conhece? 
 Os mais expressivos casos que conheço são os das empresas que podem, na atualidade, comprovar que não existe no seu quadro de empregados e empregadas diferenças salariais de gênero e raça.  Alguns podem dizer: mas isso é o mínimo que se poderia esperar porque, afinal, constitucionalmente, não é permitido que homens e mulheres tenham ganhos salariais diferentes no exercício de um mesmo cargo ou função. 
Sim, isso é verdade. Mas não são raros os casos de mulheres com ganhos salariais menores que os seus colegas homens. Daí a importância de comprovar essa realidade.  Comprovar que, aqui, não existe desigualdade salarial de gênero.  Foi isso que a Daniel Advogados fez, por exemplo. Além de realizar seu diagnóstico sobre ganhos salarias, o escritório implementou medidas de correção dos gaps identificados, fez isso no caso das mulheres e, também, de seu quadro de empregados negros. Ou seja, é possível realizar as duas etapas do trabalho: verificar se existe ou não distorção e corrigir as distorções.
Quais as vantagens, os benefícios para os funcionários? 
Muito tem sido falado sobre os benefícios aos funcionários. As pesquisas têm demonstrado que empregados e empregadas se sentem mais seguros e estimulados a trabalhar em um ambiente de respeito, de reconhecimento das suas habilidades e livres de situações de discriminação e assédio. 
 Isso faz todo sentido, ter segurança e autoconfiança são aspectos essenciais para o desenvolvimento de qualquer atividade. E isso é ainda mais especial quando o foco é o trabalho, as relações de trabalho inseguras são, essencialmente, improdutivas. Veja, então, que nesses casos não estamos falando apenas de vantagens e benefícios para os empregados, mas da atividade produtiva em si,
 O que uma boa política de diversidade deve ter ou deve alcançar? 
A boa política de diversidade é aquela que é verdadeira. É aquela que identifica um problema e busca meios para solucionar o problema. Eu costumo dizer que a implementação de uma política de diversidade deve ser vista como um processo e que esse processo pode ser longo. No entanto, se ele for longo, mas efetivo, de real aprendizado e de formação de uma cultura organizacional capaz de efetivar os direitos e a cidadania de seus empregados, ela já estará no caminho certo.
Problemas estruturais não são, realmente, de pronta resolução e sempre exigirão repensar argumentos. 
<blockquote class="jota-article__eye">Uma cultura organizacional de respeito à diversidade não raro exige abandonar certas premissas e elaborar críticas plausíveis ao senso comum.</blockquote>
Deveria ser razoável, por exemplo, que as mulheres que retornam ao trabalho após a licença maternidade, e que ainda amamentam, não tivessem que passar pelo constrangimento de dispensar o seu leite no banheiro feminino da empresa. Seria razoável que as empresas já estivessem equipadas com salas de apoio à amamentação, que é, a rigor, um espaço físico mínimo. Mas a realidade é que muitas empresas ainda não possuem espaços físicos como esses.  E, nesse assunto, devemos lembrar que a resolução da Anvisa com as especificações técnicas para a criação das salas de apoios à amamentação foi formalizada apenas em 2006.  Ou seja, ainda que a mães trabalhadoras sejam, entre nós, uma realidade inegável, as salas de apoio à amamentação não são.
Então, uma política de diversidade precisa ter evidências de sua existência, precisa ser continuamente avaliada, ampliada e, se for o caso, transformada também.
Que empecilhos ainda existem para implantação ou efetivação dessas políticas? 
No caso brasileiro, temos avançado no debate, mas as resistências são bastante evidentes. Nenhuma empresa quer admitir padrões de discriminação nas suas relações e ambientes de trabalho.  E a posição de negação impede a tomada de decisão para padrões mais inclusivos e que demonstrem equidade efetiva. 
 Há um generalizado consenso sobre a importância de a alta liderança tomar para si a tarefa de tornar as políticas de diversidade uma situação cotidiana. Eu concordo com isso, ter lideranças comprometidas com a equidade e a não discriminação é algo essencial. Quando isso acontece as resistências perdem força e influência, mas também é preciso conquistar as lideranças intermediárias para essa missão. 
O que ainda parece ser um grande empecilho é não acreditar que tais políticas são importantes aos resultados do trabalho coletivo e que existe um valor muito especial em disseminar conhecimentos e valores que ultrapassam as portas de entrada da empresa, do escritório, dos ambientes de trabalho.  Respeitar a diversidade humana e cultural é algo que acrescenta valores positivos às pessoas, à comunidade e à sociedade.
Reconhecer que padrões discriminatórios contra as pessoas negras, por exemplo, é algo negativo e inconcebível é apostar na melhoria das relações humanas, é um recado claro contra o racismo e a discriminação racial.  Por outro lado, importa muitíssimo contribuir para que as pessoas com deficiência tenham um trabalho, uma ocupação e que possam se sentir empoderadas com o resultado de sua atuação profissional. Isso é um valor, isso significa contribuir na construção de valores importantes à sociedade. Nós somos seres humanos e deveríamos nos preocupar com todos os seus aspectos, incluindo, ou principalmente, aqueles que dizem respeito às nossas diferenças.

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JOTA

Consultora Wania Sant'Anna destaca benefícios das políticas de diversidade para as empresas e os funcionários 

&#8216;Lideranças comprometidas com a equidade e a não discriminação são essenciais&#8217;

'Lideranças comprometidas com a equidade e a não discriminação são essenciais'

Consultora Wania Sant'Anna destaca benefícios das políticas de diversidade para as empresas e para os funcionários. Envolvimento de liderança é fundamental