terras indígenas

STF decide contra aplicação do marco temporal das terras indígenas

Julgamento foi suspenso e será retomado na semana que vem para a fixação da tese de repercussão geral

stf marco temporal terras indígenas
Sessão plenária do STF. Indígenas acompanham o julgamento do marco temporal / Crédito: Fellipe Sampaio / SCO / STF

Por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, nesta quinta-feira (21/9), que o reconhecimento do direito dos povos indígenas à terra independe da existência de um marco temporal. Os ministros enfrentam a matéria no RE 1.017.365 (Tema 1.031 da repercussão geral).

O julgamento foi suspenso e será retomado na semana que vem para a fixação da tese de repercussão geral. Apenas o resultado de mérito foi proclamado.

Os ministros votaram contra a reintegração de posse de uma área de Santa Catarina reconhecida como de ocupação tradicional indígena.

A controvérsia, porém, é apenas o pano de fundo para a discussão acerca da ideia de que os povos tradicionais só têm direito às terras que ocupavam na data de promulgação da Constituição (5/10/1988).

No que diz respeito a ela, a maioria seguiu o voto do relator, ministro Edson Fachin. Para ele, não há fundamento no estabelecimento do marco temporal. A demonstração da tradicionalidade deve ser feita conforme os usos, os costumes e as tradições das comunidades.

O voto decisivo contra a tese foi o do ministro Luiz Fux, que tomou o seu lugar ao lado de Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano ZaninLuís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber se uniriam a eles em seguida.

André Mendonça e Nunes Marques votaram favoravelmente à tese.

Votos sobre o marco temporal

O ministro Fux acompanhou o posicionamento do relator, mas preferiu não fixar uma tese de repercussão geral, para debater o tema posteriormente.

A ministra Cármen Lúcia considerou que as terras são direitos fundamentais, de forma que não podem ser diminuídas, nem fisicamente, nem no tempo. De acordo com ela, a ideia de um marco é contrária à de direitos fundamentais e à de manutenção da integridade e identidade indígena.

O decano, Gilmar Mendes, passou boa parte do voto criticando a teoria da posse imemorial — que permitiria a reivindicação de terras ocupadas em tempos remotos, já perdidos na memória.

Mendes afirmou haver um mal-entendido em relação ao marco temporal, de que chancelaria “eventuais barbáries contra indígenas, admitindo que os índios que tivessem sido expulsos e lá [no território] não estivessem em 5 de outubro de 1988 não seriam considerados. Ao contrário”. Essa hipótese estaria contemplada, assegurou.

O ministro disse não ter dificuldade em aceitar a eventual superação da tese, mas destacou não ser juridicamente possível que a reclamação de um apartamento pessoal na cidade, se uma antropóloga assim entendesse.

A presidente da Corte, ministra Rosa Weber, limitou-se a dizer que acompanharia na íntegra o voto do relator.

Na sessão anterior, o ministro Dias Toffoli sublinhou que o Supremo estava “a julgar a pacificação de uma situação histórica. Estamos a julgar não situações concretas, estamos julgando o destino dos povos originários do nosso país.”

Em seu voto, considerou que o constituinte não optou pela teoria da posse imemorial. É preciso um vínculo, que não está obrigatoriamente relacionado ao 5 de outubro de 1988, resumiu.

Indenização a ocupantes de boa-fé

O tópico sobre a necessidade de indenizar quem, licitamente e de boa-fé, ocupou terras indígenas e lá realizou obras de desenvolvimento é pacífico entre os ministros. A extensão do dever de indenizar, contudo, é o que suscitou divergências.

Fachin limitou-se ao direito à indenização das benfeitorias, no que foi seguido pelas ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber.

Gilmar Mendes votou com Moraes, que foi além e acrescentou a necessidade do direito à indenização do valor da terra nua e estabeleceu que o ressarcimento deve ser prévio.

Zanin sugeriu que o direito à indenização contemple as benfeitorias e a terra nua, estabelecendo que aferição da indenização deve ser feita via procedimento judicial ou extrajudicial, não no processo de demarcação. Zanin disse não caber indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório. Barroso acompanhou o colega.

Toffoli procurou, como ele mesmo disse, proferir um voto que congregasse as propostas dos colegas. O ministro acolheu a proposta de Moraes sobre a indenização prévia e a de Zanin quanto ao descabimento de indenização em casos já pacificados, com exceção dos judicializados e em andamento.