Hyndara Freitas
Foi repórter do JOTA em Brasília, quando cobriu Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Antes, foi repórter no jornal O Estado de São Paulo
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará de forma presencial o processo que discute a prevalência do acordado sobre o legislado no âmbito do Direito do Trabalho. A ministra Rosa Weber pediu destaque da ação, que havia começado a ser julgada no plenário virtual nesta sexta-feira (6/11).
O ministro Gilmar Mendes, relator, votou no sentido de que os acordos e convenções coletivas devem ser observados, ainda que afastem ou restrinjam direitos trabalhistas, independentemente de compensação destes direitos na negociação coletiva. Pelo voto do ministro, ficam resguardados apenas direitos previstos na Constituição. Agora, com o pedido de destaque, o julgamento terá de recomeçar do zero no plenário presencial.
Em seu voto, Mendes destaca a inviabilidade de a Justiça do Trabalho interpretar convenções e acordos coletivos, e define os limites dos direitos que podem ser transacionados. Leia a íntegra do voto.
Para o ministro, “no caso das negociações coletivas, a própria pactuação, em si, devidamente chancelada, já é, por si só, a expressão da vontade das partes e evidencia o real quadro delimitado entre seus contraentes. De acordo com o princípio da realidade dos fatos, em caso de discordância entre a realidade fática e os documentos que regem a relação trabalhista, deve-se dar prevalência à situação constatada na prática”.
O relator diz que “a ideia de hipossuficiência do trabalhador não se sustenta em negociações coletivas. Convenções e acordos seguem procedimento próprio, definido por lei e com chancela sindical obrigatória”, e ressalta que a Constituição Federal outorga ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria.
“Não é possível interpretar que, nessa situação, trabalhadores estão em condição de desigualdade com empregadores, já que devidamente representados por seus sindicatos, entidades aos quais o texto constitucional atribui tal poder. Ademais, o afastamento sem critérios do negociado entre empresas e trabalhadores por meio de acordos e convenções coletivas acaba por resultar no enfraquecimento do poder dos sindicatos, em verdadeiro capitis diminutio sindical”, afirma em seu voto.
Em relação aos direitos que podem ser negociados, Gilmar Mendes diz que ficam ressalvados apenas os “direitos absolutamente indisponíveis”, aqueles que são constitucionalmente assegurados. Alguns dos direitos citados são a assinatura da carteira de trabalho, o pagamento do salário mínimo, o repouso semanal remunerado, as normas de saúde e segurança do trabalho, os dispositivos antidiscriminatórios e a liberdade de trabalho.
Mendes afirmou que o acordado sobre o legislado é observado pela reforma trabalhista (Lei 13.467/2017). “A Lei 13.497/2017, ao acrescentar os arts. 611-A e 611-B à CLT, adotou posicionamento no sentido da prevalência do negociado sobre o legislado, listando expressamente hipóteses de tal ocorrência. Excepcionou, todavia, direitos considerados indisponíveis, como salário mínimo e repouso semanal remunerado, reproduzindo, basicamente, o texto constitucional”, escreveu. Estes dispositivos são objeto da ADI 5.850, de relatoria ministro Edson Fachin, que ainda não foi julgada.
Gilmar Mendes disse que "não é possível olvidar-se que há regras válidas para os dois lados da relação trabalhista e que esse equilíbrio é vital inclusive para o desenvolvimento econômico nacional. Um mercado de trabalho forte, apto a gerar mais empregos e, por consequência, preservar os benefícios negociados aos trabalhadores, tem como fundamento a manutenção de quadro de normalidade e de estabilidade jurídica".
Assim, o ministro propôs a seguinte tese de repercussão geral: “Os acordos e convenções coletivos devem ser observados, ainda que afastem ou restrinjam direitos trabalhistas, independentemente da explicitação de vantagens compensatórias ao direito flexibilizado na negociação coletiva, resguardados, em qualquer caso, os direitos absolutamente indisponíveis, constitucionalmente assegurados”.
O tema é julgado no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.121.633, no qual a Mineração Serra Grande S.A., uma mineradora de Goiás, recorre de decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT18), que fixou que a empresa não poderia ter suprimido o pagamento de horas in itinere – tempo de deslocamento entre a casa do trabalhador até a empresa – por acordo coletivo, porque a mineradora está situada em local de difícil acesso e o horário do transporte público era incompatível com a jornada de trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a decisão.
O processo chegou ao Supremo e, quando foi reconhecida, por unanimidade, a repercussão geral do caso, a tese foi expandida a outros direitos negociados em acordo coletivo. Assim, o plenário do STF vai decidir, na verdade, a validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe qualquer direito trabalhista não assegurado constitucionalmente.
Alguns exemplos de direitos trabalhistas não assegurados constitucionalmente são horas-extras, intervalo intrajornada, horário de almoço, negociação dos percentuais de adicionais de insalubridade e periculosidade.
No ano passado, Gilmar Mendes determinou o sobrestamento de todos os processos da Justiça do Trabalho que tratam sobre o tema da limitação ou restrição de direitos em acordo coletivo. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há ao menos 44.348 processos que aguardam a decisão do STF.
Agora, com o pedido de destaque, o julgamento terá de recomeçar do zero no plenário presencial, e cabe ao presidente Luiz Fux escolher uma data para julgamento. O tema chegou a ser pautado no plenário por videoconferência para o dia 7 de outubro, mas não foi julgado por falta de tempo.