O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu nesta quinta-feira (16/2) o julgamento que discute a competência da Justiça Militar para análise de crimes cometidos por militares no exercício das atribuições subsidiárias das Forças Armadas, como em operações para garantia da lei e da ordem (GLO) e de combate ao crime — por exemplo, operações em comunidades dominadas pelo tráfico de drogas.
A discussão está na ADI 5032 e estava em apreciação no plenário virtual. Como Lewandowski pediu destaque, a matéria será analisada em plenário físico.
Até o momento da interrupção havia grande polêmica entre os ministros sobre o assunto e não havia maioria formada — o placar estava 5 a 2 para manter a competência com a Justiça Militar. Embora o tema não seja necessariamente relacionado aos atos antidemocráticos, o julgamento tomou maior holofote porque existe um debate sobre a competência para julgar os militares que tenham participado dos ataques de 8 de janeiro.
A ação foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pedindo a inconstitucionalidade do § 7º do artigo 15 da Lei Complementar 97/1999, que mantém a competência da Justiça Militar para crimes cometidos em operações de GLO e combate ao crime. Assim, nesses casos, os militares não seriam submetidos a lei penal civil, que prevê, por exemplo, tribunal do júri em caso de homicídio.
Para o Ministério Público, a norma, ao prever como atividade militar aquilo que não o é, estende a prerrogativa de foro para crimes não relacionados a funções tipicamente militares, desvirtuando, assim, o sistema constitucional de competências e contrariando o regime de direitos fundamentais versado na Constituição Federal.
O relator, ministro Marco Aurélio, votou por não restringir a atuação da Justiça Militar nesses casos de atuações subsidiárias das Forças Armadas às suas atividades. Assim, manteve o julgamento desses crimes na alçada da Justiça Militar. Para o relator, quando militares atuam no combate ao crime ou em operações para a garantia de lei e ordem, eles agem dentro de seu campo de atividade, por isso, a competência para o julgamento de eventuais abusos deve continuar com a Justiça Militar.
“Seja no combate ao crime organizado, seja na defesa das fronteiras por ar, mar e terra, ou, ainda, no apoio à realização de eleições livres e em ações de defesa civil, as Forças Armadas desempenham, presente o caráter excepcional, papel constitucionalmente atribuído na garantia da soberania e da ordem democrática – e em dimensão qualitativamente diversa da realizada pelas forças ordinárias de segurança”, escreveu Marco Aurélio.
Acompanharam Marco Aurélio os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Dias Toffoli. Para Moraes, a norma não aumentou as hipóteses de crimes militares e não houve flexibilização da lei penal militar ou processual penal militar em relação a civis.
“O que houve foi estabelecer de forma clara e taxativa as atividades de garantia da Lei e Ordem, que são atividades consideradas militares, para fins de competência da Justiça Militar. E isso quem permite é a própria Constituição, no art. 124: ‘À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei’, pois o alcance da Justiça Militar, como diz a própria Constituição, é a definição da lei’”, escreveu o ministro.
Divergência
A divergência partiu do ministro Edson Fachin – para ele, a competência da Justiça Militar é restrita e não pode ser alargada. “É o próprio texto que opta – e exige que o legislador assim o conforme – por uma jurisdição extremamente restrita, limitada aos ‘crimes militares’. Não cabe, portanto, ao legislador, ampliar o escopo da competência da justiça militar às ‘atividades’ ou, ainda, apenas ao ‘status’ de que gozam os militares”, escreveu Fachin.
Antes de levar a discussão para o plenário físico, o ministro Ricardo Lewandowski chegou a votar de forma divergente do relator, isto é, pela inconstitucionalidade da norma. Para Lewandowski, a Constituição optou por deixar a segurança pública às polícias e não às Forças Armadas, assim, qualquer atuação das Forças Armadas fora de seu escopo constitucional ocorrerá de forma subsidiária. “Ou seja, à guisa de cooperação com as autoridades civis, não há falar em delito cometido no exercício do cargo e em razão dele apto a atrair a competência da Justiça Militar”, defendeu o ministro.
Ainda não há um novo prazo para o novo julgamento.