De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), apenas 10% da população trans – aqui entendida como os travestis, as mulheres transexuais e homens trans – estão inseridos no mercado de trabalho formal, o que significa dizer que a grande maioria (90%) se encontra no mercado sexual e no trabalho informal, em condições precárias de vida.
Apesar de termos evoluído muitíssimo com relação aos debates em nossa sociedade, a consultoria Mais Diversidade estima que embora 61% das empresas já tenham criados grupos de afinidade, ainda carece de direcionamento estratégico que, de fato, inclua essas pessoas no mercado de trabalho. Assim, cabe a pergunta: como as empresas poder ser eficientes na inclusão da população trans no mercado de trabalho formal?
Antes de tentar responder a esse questionamento, é importante destacar que o afastamento da população trans do mercado de trabalho se inicia muito cedo, na própria escola, porque a discriminação e a violência contra essas pessoas acarretam a evasão escolar. Segundo a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a população que mais sofre discriminação na escola é o de transexuais e travestis, sendo que o Brasil concentra 82% de exclusão escolar das pessoas trans, de acordo com dados fornecidos pela ANTRA. O início dessa marginalização, muitas vezes, é ocasionado pela ignorância e despreparo das próprias instituições de ensino e pessoas que estão envolvidas na formação do indivíduo.
Considerando essa realidade de desinformação, é importante esclarecer duas questões imprescindíveis ao entendimento do grupo trans. Enquanto que o “nome social” é a designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida, a “identidade de gênero” trata-se da dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social – o que não guarda necessariamente relação com o sexo atribuído no nascimento.
Tais definições encontram-se definidas no Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, que dispôs sobre o uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Nesse contexto, é importante mencionar que somente em 2018 o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da ADI 4275, garantiu a alteração de nome e gênero no registro civil, ainda que sem realização de cirurgia de redesignação sexual.
Infelizmente, em razão do preconceito e da ignorância com relação ao tema e de a marginalização da população trans começar muito cedo, há severa dificuldade de essas pessoas serem contratadas no âmbito da relação de emprego formal.
Tanto é assim que existe discussão e Protejo de Lei no âmbito do Rio de Janeiro em tramitação no Congresso (Projeto de Lei 812/2019) que estabelece sistema de reserva de vagas nas empresas na ordem de 5% para contratação de travestis, mulheres transexuais e homens transexuais, recebendo, como contrapartida, incentivos fiscais do Governo.
Em que pese haver enorme divergência quanto ao tema, não nos parece impossível que em um futuro próximo, as cotas se estendam também à população trans, como ocorreu no Ensino Público Superior com os negros e negras e pessoas hipossuficientes, e ocorreu com as pessoas com deficiência física (PCDs), através de publicação da Lei 8.213/91, que instituiu a cota de 2% a 5% de PCDs, dependendo do número de empregados da empresa. Entretanto, fato é que na hipotética ideia de isso logo acontecer, as empresas muito provavelmente não estariam minimamente preparadas para contratar e receber a população trans no mercado de trabalho.
No entanto, por questões ligadas à importância da temática diversidade e inclusão, bem como à própria responsabilidade social empresarial, é que esse movimento precisa ocorrer o quanto antes, e as empresas devem estar preparadas e conscientizadas de que é urgente um olhar inclusivo voltado para essas pessoas.
Para isso, algumas ações que as empresas podem e devem colocar em prática são: (i) criação de políticas anti-discriminação no ambiente de trabalho; (ii) treinamentos com o RH e os próprios funcionários de maneira geral para que debatam e esclareçam as questões ligadas à população trans; (iii) estudo e respeito aos nomes e pronomes, evitando a criação de empecilhos ao uso do nome social no trabalho; (iv) oferecimento de ajuda psicológica aos empregados, quando e se necessário; (v) capacitação interna, através de aulas de reforço de português, inglês, Pacote Office ou o que for necessário para ajudá-la a ser competitiva no mercado de trabalho; (vi) criação de parcerias com os planos de saúde corporativos que facilitem a cirurgia de redesignação sexual e/ ou tratamentos médicos que envolvam terapias hormonais e (vii) eliminação de gênero na divulgação de vagas e utilização da linguagem neutra nos comunicados e informativos empresariais.
Por fim, a plataforma Transempregos, por exemplo, que foi criada em 2013 e fomenta a inserção de pessoas trans e travestis no mercado de trabalho, já possui a participação de mais de 700 empresas e apresentou um crescimento de 315% em apenas 1 (um) ano – de janeiro de 2020 até janeiro de 2021. É, portanto, uma ótima associação para aqueles que querem entender e incluir a população trans no mercado de trabalho.
Do nosso lado, ficamos na expectativa de que este tema possa ser rapidamente endereçado pelas empresas e que o preconceito possa ser, aos poucos, deixado de lado.