Leila Cuéllar

Especialmente a partir de 2015, com a Lei de Mediação e de Autocomposição de conflitos da administração pública (Lei 13.140, art. 32) e o CPC (art.174), estados e municípios têm criado câmaras de autocomposição, vinculadas à advocacia pública, almejando a adoção de meios consensuais de solução adequada de conflitos envolvendo a administração pública. Estas iniciativas da advocacia pública acompanham outras medidas, visando à desjudicialização, bem como à prevenção, à gestão e à solução adequada e eficiente de conflitos.
Nos estados, já estão em funcionamento pelo menos sete câmaras de autocomposição: Alagoas (Lei Complementar 47/2018 e Decreto 64.050/2019), Goiás (Lei Complementar 114/2018 e Portaria 440/2019-PGE), Minas Gerais (Lei 23172/2018 e Resolução AGE 61/2020), Pará (Lei Complementar 121/2019), Pernambuco (Lei Complementar 417/2019 e Decreto 48.505/2020), Rio de Janeiro (Decreto 46.522/2018 e Resolução 4.430/2019) e Rio Grande do Sul (Lei 14.794/2015 e Resolução 112/2016-PGE).
Dentre os municípios, existe, por exemplo, a Câmara de Mediação Conciliação da Central de Conciliação de Porto Alegre (Lei 12.003/2016 e Decreto 19.519/2016) e a previsão no município de São Paulo de criação de Câmara de Solução de Conflitos da Administração Municipal (art. 33 do Decreto 57.263/2016) e de Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos no Município (art. 24 da Lei 17.324/2020).
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Além disto, tramitam diversos projetos de atos normativos a respeito de câmaras de autocomposição estaduais e municipais e têm sido realizados estudos, pelas advocacias públicas, relativos à adoção dos diversos meios adequados de solução de conflitos envolvendo a administração pública (mediação, arbitragem, dispute boards etc.).
Percebe-se que as câmaras estaduais estão sendo concebidas com nomes, características, competências, composição e procedimentos distintos, não existindo um modelo único. Alguns diplomas preveem a possibilidade de negociações diretas, transações por adesão e até mesmo arbitragens, além da mediação.
Em certos casos, admite-se que não apenas advogados púbicos atuem como mediadores. É preciso ressaltar que a criação das câmaras de autocomposição envolve decisão discricionária, que depende da situação fática e das necessidades de cada ente federativo e de cada órgão de advocacia pública (a legislação determina que as câmaras sejam instituídas em seu âmbito).
Todavia, um dos temas comum às inquietações e legislações estaduais refere-se à delimitação dos tipos de conflitos e/ou matérias que podem ser encaminhados para mediação perante as câmaras de autocomposição da advocacia pública. Procura-se delimitar o que seria objetivamente “mediável”.
O caput do artigo 3º da Lei 13.140/2015 prevê que pode ser objeto de mediação “o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação”. No artigo 32, § 5º, há menção à possibilidade de serem levados às câmaras de autocomposição conflitos que envolvam equilíbrio econômico-financeiro de contratos celebrados com particulares. Já o parágrafo 4º do mesmo artigo exclui da competência das câmaras as controvérsias que somente possam ser resolvidas por atos ou concessão de direitos sujeitos a autorização do Poder Legislativo.
Na mesma linha da legislação federal, os diplomas estaduais referentes às sete câmaras de autocomposição citadas circunscrevem a mediação/resolução consensual para questões que envolvam direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação, “haja ou não pretensão econômica” (leis de Goiás e de Pernambuco) e inserem dentro da competência da câmaras a prevenção e resolução de conflitos que envolvam equilíbrio econômico financeiro de contratos celebrados pela administração). Neste sentido, as leis de Alagoas, Pará e Rio de Janeiro.
O estado de Goiás incluiu exemplos de matérias que poderiam ser objeto de mediação: (i) conflitos advindos de indeferimentos, suspensões e cancelamentos de benefícios previdenciários, (ii) conflitos que envolvam o inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e (iii) o equilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos (art. 6º da Lei Complementar 114/2018 e art. 13 da Portaria 440/2019).
Ainda, a Lei Complementar 417/2019, de Pernambuco, incentiva a previsão contratual de cláusula de submissão de conflitos à Câmara: “Art. 11. Os contratos, convênios e demais instrumentos congêneres, quando firmados por pessoas jurídicas de direito público ou privado integrantes da Administração Pública Estadual, poderão conter, preferencialmente, cláusula de submissão dos conflitos à Câmara de Negociação, Conciliação e Mediação da Administração Pública Estadual”.
Por outro lado, as normas estaduais têm excluído da competência das câmaras conflitos que somente possam ser resolvidos por atos ou concessão de direitos sujeitos a autorização do Poder Legislativo. Assim consta expressamente nas normas de Alagoas, Goiás, Minas Gerais, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro.
O Decreto 46.522/2018, do Rio de Janeiro, veda, igualmente, a submissão à autocomposição de controvérsia contendo pretensão contrária a orientação jurídico formal da Procuradoria-Geral do Estado e à jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores (art. 4º, incisos I e II).
No mesmo sentido, a resolução da Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais exclui da competência da câmara de autocomposição as controvérsias contrárias (a) à orientação da Advocacia-Geral do Estado, (b) à jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores, observado o disposto no art. 1º, II, da Lei 23.172, de 2018; (c) às súmulas, vinculantes ou não, dos Tribunais Superiores, (d) a acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, (e) a matérias decididas, em definitivo, pelo Tribunal Superior do Trabalho, em sede de julgamento realizado nos termos do art. 896-C do Decreto-Lei Federal  5.452, de 1943 e (f) a entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência (art. 6º da resolução AGE 61/2020).
Além da legislação estadual referente às câmaras, também leis esparsas podem exemplificar matérias passíveis de solução consensual, como ocorreu em relação à definição dos valores de indenização nas desapropriações por utilidade pública, por determinação da Lei 13.867/2019.
Não cabe nos limites deste artigo analisar as noções de “direitos disponíveis” e “direitos indisponíveis que admitem transação”. Certamente estes são temas que merecem ser aprofundados. Igualmente, embora algumas normas exemplifiquem matérias que podem (ou não) ser submetidas à mediação, parece-nos que a adoção de rol taxativo não seria recomendada.
<blockquote class="jota-article__eye">Constata-se, assim, que a delimitação do que pode ou não ser objeto de mediação em conflitos envolvendo a administração pública exige reflexão.</blockquote>
A meu ver, a delimitação do que pode ou não ser objeto de mediação perante as câmaras de autocomposição (e de câmaras privadas e câmaras do Poder Judiciário, igualmente) deve ser avaliada em cada caso concreto, a partir das normas legais (inclusive aquelas que instituem as câmaras), bem como conjugando-se normas e princípios aplicáveis à mediação àqueles aplicáveis à administração pública.
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JOTA

Em busca (da delimitação) das matérias mediáveis

Câmaras de autocomposição da advocacia pública e solução adequada de conflitos

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