Quaest Opinião

Como manter sua base coesa?

A defesa da cloroquina como estratégia para unificação de grupo

Foto: Marcos Corrêa/PR

A estratégia do presidente Bolsonaro sempre foi dividir o eleitorado para conquistá-lo. Foi assim na eleição de 2018, com os temas do armamento da população e do kit gay, os que mais polarizaram a sociedade brasileira e mais mobilizaram eleitores. Essa estratégia vinha funcionando até esbarrar no coronavírus, que provocou divisão em sua base de apoio e o levou a buscar outra fórmula para a polarização. Na verdade, uma fórmula química: a cloroquina, que virou debate nacional, enviesado politicamente. Quem é a favor de Bolsonaro acredita no milagre do remédio; quem é contra tem dúvidas. A validade da receita do presidente, que não é médico, vai depender do trabalho da ciência e da contagem dos mortos mais à frente.

Desde o anúncio do primeiro caso positivo do novo coronavírus no Brasil, em 26 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro fez quatro discursos em cadeia nacional de rádio e TV e também se manteve altamente ativo nas redes sociais – território este que domina como poucos. Antes da pandemia, Bolsonaro publicava, em média, cerca de 15 postagens por dia; agora, são aproximadamente 25. A crise sanitária colocou em xeque uma de suas principais estratégias políticas: pautar o debate de narrativas.

As declarações polêmicas do presidente, contrárias às recomendações da comunidade científica, da OMS e de outros líderes mundiais, evidenciaram a polarização política da sociedade brasileira.

Ocorre que o avanço da pandemia da Covid-19, alcançando na última semana mais de mil mortes no país, intensificou um debate não apenas entre situação versus oposição, mas internamente ao governo. Exemplo claro são as declarações do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que passou a discordar publicamente das opiniões do presidente, chegando a declarar que o governo precisa ter uma posição única para não confundir a conduta da população.

No entanto, a ruptura da coesão do discurso de enfretamento à Covid-19 no governo não se restringe apenas ao alto escalão: há um impacto significativo também na opinião pública, incluindo a base Bolsonarista.

Em pesquisa nacional realizada pela Quaest entre 19 e 23 de março1, perguntamos aos brasileiros o que pensam sobre a atuação de Bolsonaro frente à crise do novo coronavírus. Entre os que votaram em Bolsonaro nas eleições de 2018, 43% avaliam de forma regular ou negativa suas ações no enfretamento à pandemia.

Diante desse cenário preocupante para o presidente, Bolsonaro precisou unir sua base eleitoral novamente, mesmo que de forma digital. Afinal, uma estratégia de comunicação que se pauta em contar sua própria versão dos fatos precisa de uma base de apoiadores coesa.

Nesse sentido, Bolsonaro adaptou sua narrativa e, ao invés de confrontar diretamente os esforços da quarentena e os problemas causados pelo Covid-19, o presidente apostou em um discurso voltado para o que seria uma possível solução da pandemia: a hidroxicloroquina. Ou seja, ele se adaptou! Coisa que faz muito bem.

A fórmula deu resultado. Em 25 de março, Bolsonaro publicou pela primeira vez sobre o medicamento e, desde então, nota-se o crescimento de seu engajamento nas redes sociais.

A linha tracejada em vermelho representa o primeiro dia em que Bolsonaro menciona a hidroxicloroquina em suas postagens, justamente quando alcança o maior engajamento diário no período analisado: mais de 1 milhão de interações em valores absolutos. Até o dia 08 de abril, o presidente publicou quase diariamente ao menos um post referente ao medicamento.

Bolsonaro e equipe perceberam que o debate sobre o uso do medicamento para os pacientes que testaram positivo à Covid-19 é um tema com alta capacidade para promover mobilização e coesão dentro do seu fã-clube de eleitores. Mais do que isso: consegue dividir a oposição — uma vez que desperta o sentimento de esperança e apresenta-se como uma possível saída (ainda que não comprovada cientificamente) para o Brasil vencer a atual crise.

Até o momento, a estratégia do presidente aparenta ser eficaz.

Analisamos o desempenho de mais de 1000 (mil) postagens realizadas por Bolsonaro em todas as suas redes oficiais entre os dias 25/03 e 08/04. As publicações que citam a hidroxicloroquina têm, em média, um engajamento 48% maior do que as demais – incluindo as postagens sobre o novo coronavírus.

Este desempenho é a tônica nas redes do presidente no período analisado, o que difere bastante dos resultados de pesquisas de opinião.

A pesquisa da Quaest e dados de outros institutos mostram que Bolsonaro perde apoio significativo entre a sua própria base – antes, considerada “intocável”. Não são apenas suas declarações e pronunciamentos polêmicos, mas também a distância/desprezo que demonstra sobre a ciência, e o fato de sair na rua para “tomar cafezinho” nas padarias de Brasília e provocar aglomerações, contribuem para manchar a imagem do presidente no mundo real. Inclusive, no último final de semana, em visita a um hospital e farmácias, pela primeira vez ele foi vaiado por uma parte dos moradores locais, que o mandaram ir pra casa. Um fato inédito em seus passeios, até então.

Apesar disso, no mundo digital, as coisas são um pouco diferentes.

No momento em que apresentava uma queda de engajamento, Bolsonaro passou a utilizar a hidroxicloroquina como o remédio para sua popularidade e a base unida. Fez isso sabendo que não há nada cientificamente comprovado sobre a eficácia do remédio frente aos pacientes do Covid-19, e as projeções para as próximas semanas são alarmantes, em termos de infectados e mortes,

Resta saber, então, se Bolsonaro continuará com seu discurso anti-isolamento, correndo um sério risco de perder, gradativamente, uma fatia importante da opinião pública, ou se adotará uma postura mais comedida. De um jeito ou de outro, certamente a hidroxicloroquina não será a tábua da salvação para Bolsonaro se pessoas continuarem morrendo e se a eficácia do tratamento não for comprovada.

 

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1 Pesquisa realizada pela Quaest entre os dias 19 e 23 de março. Foram 1.000 entrevistas realizadas em todo o país, através de painel digital, com o objetivo de entender a atual conjuntura política do país e impactos da crise nas percepções do brasileiro.