Lorena G. Barberia

No último dia 24 de abril, Emmanuel Macron foi reeleito presidente da França, derrotando Marine Le Pen. Com 58,5% dos votos no segundo turno, a reeleição de Macron chama atenção por vários motivos. Dentre eles, Macron foi o primeiro líder do país a ser reeleito desde Jacques Chirac em 2002, e seu partido, La République en Marche (LREM), foi criado há apenas seis anos.
Macron, sem nenhuma experiência político-partidária prévia, foi eleito em 2017 num clima de alta polarização política. Tal como nesta eleição, Macron voltou a enfrentar, no segundo turno, Le Pen, a candidata do partido de extrema direita Rassemblement National. Numa eleição com dez outros partidos rivais concorrendo à Presidência, Macron costurou acordos com partidos de esquerda e de direita para vencer o segundo turno.
Em ambas as eleições, Macron enfrentou Le Pen, líder de um partido de extrema direita que tem se destacado por ter trocado a agenda de promoção do liberalismo econômico – com o que o jornal Le Monde tem chamado "sócio-populismo" – por um <a href="https://www.lemonde.fr/en/politics/article/2022/04/21/how-marine-le-pen-gave-up-economic-liberalism-for-a-social-populist-agenda_5981169_5.html">programa baseado em garantir que os benefícios do welfare state francês sejam reforçados para proteger os "verdadeiros" franceses</a>.
Há muitas características da eleição francesa que chamam a atenção pensando no contexto brasileiro. Do mesmo modo que o Brasil, a França se caracteriza por ter um sistema político multipartidário com um número expressivo de partidos políticos concorrentes. Qualquer partido deve estar preparado para negociar a formação de alianças eleitorais e, uma vez eleito, deve ser bem sucedido na implantação de coligações que permanecem ao longo do mandato.
Reconhecendo a ameaça de vitória eleitoral da extrema direita, partidos e inclusive ex-presidentes como Nicolas Sarkozy declararam seu apoio a Macron neste ano. Em parte, como reação ao nível de polarização dos partidos e à crise provocada pela pandemia da Covid-19, o absenteísmo na França permaneceu elevado. As estimativas são de que 28% do eleitorado não compareceu às urnas. Aumento de 12% em relação à eleição de 2017. Houve também uma clara divisão geográfica entre os apoiadores do presidente residentes em áreas urbanas de Paris e suas redondezas e os da <a href="https://www.politico.eu/article/how-marine-le-pen-conquered-the-french-countryside/">direita concentrados em comunidades rurais no nordeste e sul do país</a>.
Em seu primeiro mandato, Macron governou com o apoio de uma ampla maioria chamada Ensemble Citoyens. Assim como <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/jair-bolsonaro">Jair Bolsonaro</a>, Macron não tinha experiência prévia em cargo executivo. Porém, ao contrário do brasileiro, Macron se destacou por ser um governante altamente preparado para liderar a economia de seu país. Ex-banqueiro de investimentos, Macron serviu por dois anos no governo do presidente François Hollande como ministro da Economia, Indústria e Dados Digitais.
Durante seu primeiro mandato, liderou a recuperação econômica da França abalada pela pandemia da Covid-19. Com um programa de governo com orientação ao centro e uma agenda a favor da cooperação e integração com os países da Europa, Macron foi bem-sucedido ao concorrer à reeleição em condições econômicas relativamente favoráveis. Antes da eleição, a economia francesa estava crescendo em torno de 7% e o desemprego havia caído para 7,4%, o menor nível nos últimos dez anos.
Macron também se destaca por sua gestão no enfrentamento da pandemia. Ao contrário de Bolsonaro, o francês apoiou políticas que visavam a controlar a circulação do SARS-CoV-2 com ampla vacinação e testagem da população. Em 2021, por iniciativa de Macron, a França implementou um passe de saúde que impedia que pessoas sem teste de PCR ou comprovação de vacinação entrassem em restaurantes, cafés e outros locais. O presidente fez comentários polêmicos reforçando que seu governo continuaria a implementar medidas rígidas para dificultar a vida das pessoas que se recusavam a tomar vacinas e em promover maior equidade na distribuição de vacinas contra a Covid-19 ao nível mundial.
O comportamento do presidente francês ajuda a explicar por que na França, mesmo enfrentando uma crise forte com as sucessivas ondas provocadas pela chegada da variante ômicron em 2022, as taxas de óbitos e casos graves têm permanecido relativamente baixas, como confirmam os dados de Our World in Data apresentados no gráfico abaixo. Além disso, em contraste com o Brasil, uma porcentagem muito maior da população francesa afirma acreditar em informações sobre a pandemia oferecidas pelos políticos, mesmo que em ambos os países haja elevada desconfiança na classe política.
[caption id="attachment_368182" align="aligncenter" width="1505"]<img class="wp-image-368182 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2022/05/captura-de-tela-2022-05-05-as-13-16-25.png" alt="" width="1505" height="984" /> Fonte: Universidade Johns Hopkins CSSE Covid-19 Data[/caption]
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Como consequência de sua gestão no enfrentamento da pandemia, da economia e de sua capacidade de governar – ao contrário de Bolsonaro, como o <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/analise/bolsonaro-na-presidencia-os-1-000-dias-em-perspectiva-comparada-28092021">Agregador do JOTA tem mostrado</a> –, Macron também tem se destacado em pesquisas de aprovação de seu governo, em níveis mais altos que seus antecessores, Hollande e Sarkozy. Mesmo com todas estas evidências a seu favor, cabe lembrar que sua vitória não lhe permitirá governar com tranquilidade no segundo mandato. Sua rival, Le Pen, obteve um aumento considerável de votos, subindo de 33,9% em 2017 para 41,5% em 2022.
Este aumento do apoio à extrema direita tem sido explicado por analistas como sendo resultante das preocupações crescentes de insegurança econômica e aumento do custo de vida, fenômenos atrelados à recente guerra da Rússia com a Ucrânia. Para eleitores mais críticos, em contraste com as promessas de campanha de Macron em 2017, houve aumentos da desigualdade econômica no país. Segundo tanto a ala de extrema direita como a ala da esquerda mais progressista na França, o presidente está pouco preocupado com o bem-estar dos que têm sido mais afetados pelas crises econômicas e essa característica permanecerá ao longo de seu segundo mandato.
Macron venceu na França, mas a oposição, em seu segundo mandato, também saiu fortalecida. E aqui está a lição para a <a href="https://www.jota.info/eleicoes">eleição brasileira de 2022</a>: qualquer candidato que busque vencer o presidente Jair Bolsonaro precisa ter uma agenda clara de como recuperar a economia, reduzir a inflação e criar novos empregos. A disputa francesa demonstra que não é suficiente vencer um processo eleitoral, mas que é imperioso ganhar com ampla maioria, pois é ela que facilitará a governabilidade de qualquer liderança política, em seu primeiro ou segundo mandato.<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>

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