O CPC/15 adota um modelo cooperativo de processo, valorizando a autonomia da vontade e a maior participação dos sujeitos processuais, sob perspectiva do contraditório na modalidade influência.
Afirma-se que as convenções processuais são a mais perfeita expressão do modelo cooperativo de processo e que a cooperação e o diálogo humano devem constituir o clima dominante no desenvolvimento do processo.
Por meio das convenções processuais, algumas normas – em sua maioria cogentes e que regulamentariam o trâmite do feito – podem ser afastadas, promovendo-se o deslocamento do polo criador da norma, atualmente nas mãos do Estado-Legislativo, para as partes.
Embora as convenções processuais não sejam inéditas, o artigo 190 do CPC/15 consagra o protagonismo das partes, permitindo que tenham maior ingerência no controle dos rumos do processo e harmonizando, de certa forma, os interesses públicos e privados.
Diferentemente do CPC/73, em que não havia uma cláusula expressa, o referido dispositivo – verdadeira cláusula geral (espécie normativa com incompletude estrutural) – exige a construção e a interpretação pelo intérprete. Andou bem o legislador nesse ponto, já que seria impossível prever, de antemão, todas as hipóteses de negócios jurídicos processuais, o que poderia, inclusive, engessar a autonomia da vontade e a efetividade do instituto.
Com isso, as partes não estão presas à moldura legal (convenções típicas) e podem amoldar o procedimento às suas necessidades, afastando a aplicação da regra legislada em favor da norma convencional. Note-se que não se trata de ir contra legem, mas sim de construir um processo adequado, que possibilite a obtenção, em tempo razoável, de decisão de mérito justa e efetiva em plena cooperação (levando ao zênite o comando insculpido no art. 6º do CPC/15).
Impende destacar, porém, que essa maior autonomia da vontade das partes não impede o necessário (irrenunciável e inafastável) controle judicial sobre a regularidade da prática dos atos, a começar pela observância dos requisitos previstos na respectiva cláusula geral: capacidade das partes e possibilidade de autocomposição (art. 190, caput). Além disso, o parágrafo único do artigo 190 explicita algumas situações em que o juiz pode controlar a validade das convenções processuais.
Com efeito, sob a ótica juridiscional, é imperioso o exame dos requisitos de existência, validade e eficácia das convenções processuais.
No plano da existência, devem ser analisados os requisitos mínimos para que a convenção possa produzir efeitos no mundo jurídico, devendo haver suporte fático (que compreende a manifestação do agente) para a incidência da norma.
Já na esfera de validade, compete ao magistrado verificar os requisitos para a celebração de qualquer negócio jurídico (arts. 104 e 166 do Código Civil), incluindo aqueles atinentes ao processo civil (legitimidade ad actum, por exemplo). Ou seja, incumbe ao juiz examinar a capacidade dos contratantes; a licitude do objeto e do motivo determinante; a forma prescrita em lei; as solenidades da lei; e a ausência do intuito de fraudar norma imperativa. A supressão de qualquer desses elementos pode invalidar a convenção processual.
Por fim, a eficácia do negócio jurídico (existente e válido) compreende a materialização dos efeitos pretendidos pelas partes. A rigor, a convenção terá efeito imediato, salvo se as partes pactuarem algo em sentido contrário, adicionando uma condição, termo ou encargo.
Ainda nesse quadrante, vale pontuar que o artigo 190 do CPC/15 prevê que a possibilidade de autocomposição em relação ao direito é pressuposto para a realização de convenções processuais. Todavia, eventual indisponibilidade do direito material não impede as partes de realizarem negócios jurídicos envolvendo direito processual (escolha do perito, redistribuição do ônus da prova, suspensão do processo, alteração da data da audiência e etc.).
Questão bastante tormentosa diz respeito aos limites das convenções processuais.
Há quem entenda que essa demarcação resulta do espaço deixado pelas normas cogentes. Assim, as fronteiras da autonomia da vontade seriam evidenciadas pelas normais processuais cuja aplicação seja inafastável pelos interessados.
Para outra parcela da doutrina, as divisas da autonomia da vontade no processo estariam na chamada “ordem pública processual”, conceito vago e muito aberto.
Por sua vez, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero pontuam que as convenções processuais não podem atingir poderes do juiz ou envolver renúncia de direitos fundamentais.
Já Antonio do Passo Cabral entende que nenhum desses critérios é suficiente para apontar um parâmetro seguro quanto aos limites das convenções processuais. Nessa vereda, assinala que o primeiro marco à convencionalidade seria a reserva da lei. Além disso, destaca que, em qualquer negócio jurídico, deve ser observada a boa-fé, a cooperação, a igualdade, o equilíbrio de poder, a proporcionalidade entre ganhos e perdas, o foco no resultado da negociação e os custos para os envolvidos.
De fato, a discussão é complexa e é objeto de inúmeros livros, extravasando o intento desse ensaio, que consiste em fomentar o debate e uso das convenções processuais, bem como esboçar os contornos que teriam em um controle colaborativo.
O art. 190, parágrafo único, do CPC/15, estabelece que as convenções processuais poderiam ter sua aplicação recusada “somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”
A inserção do advérbio “somente” pelo legislador revela o prestígio que se buscou dar às convenções processuais, privilegiando-se a autonomia da vontade. Assim, a recusa da convenção processual deve ser a exceção.
Nesse sentido, mesmo nas hipóteses previstas no parágrafo único do art. 190, o juiz poderia, antes de rechaçar de plano a validade de uma convenção processual, intimar os interessados (arts. 9º e 10 do CPC/15) para se manifestarem a respeito e eventualmente adequarem a convenção, consagrando assim o contraditório participativo, traço distintivo do estado democrático de direito.
Essa cautela pode ser profícua, uma vez que ainda que se trate de convenção estipulada em contrato de adesão, por exemplo, o ajuste pode beneficiar o aderente e lhe não causar qualquer prejuízo. Aliás, vale lembrar que o STJ já reconheceu a validade da cláusula de arbitragem em contrato de adesão e a doutrina também vem assim se posicionando.
Portanto, a regra do parágrafo único do art. 190 demanda interpretação sistemática e valorativa, não devendo ser aplicada de forma açodada.
Em outro giro, entendemos que a expressão “situação de vulnerabilidade” vai além de uma vulnerabilidade meramente econômica, abarcando também a de cunho técnico, geográfico, social e até mesmo intelectual. Como afirmam Claudia Lima Marques e Bruno Miragem, a vulnerabilidade é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza e enfraquece o sujeito, desequilibrando a relação.
Cumpre ressaltar, ainda, que a vulnerabilidade pode ser prévia ao negócio jurídico (cenário antecedente de desequilíbrio) ou decorrente do mesmo.
No entanto, preconizou o legislador que a vulnerabilidade precisa ser “manifesta”, o que revela que o “desequilíbrio subjetivo capaz de justificar a decretação da invalidade do negócio jurídico há de ser claro, evidente, de tamanha desproporcionalidade a ponto de colidir gravemente com a exigência de equivalência.”
Importante destacar que eventual vulnerabilidade não atinge, necessariamente e de forma abstrata, a validade de todas as convenções processuais celebradas por uma parte, tampouco obrigatoriamente contamina todos os ajustes da própria convenção.
Sob outro prisma, cuidado especial deve ter o juiz na hipótese de invalidação parcial da convenção processual, pois, partindo-se do pressuposto de que as regras foram negociadas pelas partes, com perspectiva de ganhos mútuos, invalidar apenas uma parte da convenção pode violar o consenso alcançado e ensejar manifesto desequilíbrio processual. Caberá, portanto, ao magistrado, à luz do caso concreto, aquilatar a validade da convenção processual, tendo em mente que a igualdade é importante limite para a aplicabilidade daquelas.
Nesse diapasão, antes de invalidar parcialmente a convenção e, provavelmente, desnaturar o ajuste celebrado, mostra-se de bom alvitre que o juiz possibilite a manifestação das partes (dever de consulta – arts. 9º e 10) com o intuito de que esclareçam se persistirá o interesse no pacto. O mesmo raciocínio se aplica quando se tratar de vício aparentemente sanável.
Com efeito, sempre que possível, o magistrado deve tentar preservar o núcleo da convenção processual, sinalizando eventuais limites ou revelando desde logo o que poderia ser convalidado, bem como zelar pela observância pelas próprias partes das convenções válidas, rechaçando comportamentos anticooperativos (como na hipótese de uma parte realizar convenção e, em seguida, requerer a aplicação da regra legal que seria afastada) até mesmo com a imposição de eventuais sanções para inibir condutas contrárias à boa-fé processual.
Em resumo, a atuação do juiz é fundamental no controle das convenções processuais, não apenas para assegurar a higidez dos ajustes celebrados, mas também para garantir a observância da autonomia da vontade das partes, salvando e aproveitando, sempre que possível, as convenções realizadas e também evitando que estas criem desequilíbrios e ilegalidades.
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