e o brasil com isto?

Conexão internacional de pessoas: calcanhar de Aquiles da economia brasileira

Isolamento afeta profundamente nossa capacidade de evoluir como nação

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Crédito: Unsplash

Pense rápido… qual é a origem do seu sobrenome? Alguns foram apagados, uma triste lembrança da violência e das mazelas, que ainda persistem, da escravidão e do massacre dos povos originários. Porém, quase todos temos sobrenomes estrangeiros. Sim, já fomos um dos países que mais receberam imigrantes no mundo. Hoje essas conexões com os povos (e os mercados) de outros países ficaram no passado. E, como indicamos no nosso artigo anterior sobre o “caso Anitta”, este relativo isolamento afeta profundamente nossa capacidade de evoluir como nação.

Há cerca de 1,3 milhão de imigrantes vivendo no Brasil, cerca de 0,6% do total da população. A média mundial é de 3,5%. Nos EUA, por exemplo, há 13,5% de imigrantes na população, chegando a 37% em locais como o Vale do Silício e em Londres – as regiões e cidades mais inovadoras e pulsantes na economia mundial são diversas e conectadas com o mundo. Apesar de um crescimento recente no fluxo de imigrantes, em especial de países como Haiti e Venezuela, o Brasil de hoje abriga e recebe poucos estrangeiros. Uma das facetas mais graves deste relativo fechamento é a baixa quantidade de estudantes estrangeiros no país: nossas universidades possuem aproximadamente 18 mil estrangeiros  em cursos de graduação, o que representa apenas 0,2% do total de matrículas no ensino superior. Por outro lado, nosso país está entre os 10 que mais enviam estudantes para os Estados Unidos.

Não para por aí o baixo grau de abertura das nossas universidades ao mundo. São pouquíssimos os cursos e disciplinas oferecidas em inglês, e poucos professores e pesquisadores estrangeiros trabalham no país. Nosso regime de contratações das universidades públicas não permite atrair talento do exterior (diferentemente das economias mais avançadas, não existem instrumentos efetivos para atrair e contratar diretamente professores e pesquisadores estrangeiros), enquanto que programas como o Ciência sem Fronteiras foram desmontados ainda em 2017. Além disso, não existem estrangeiros nos conselhos de universidades brasileiras e não é prática corrente que cursos e programas sejam submetidos a avaliações internacionais.

Nossas universidades têm enormes contribuições dadas ao país. Contudo, pouco internacionalizadas, pontuam menos e estão relativamente mais mal posicionadas nos rankings globais. Até mesmo a USP, aquela de melhor desempenho e destaque internacional, tem notas relativamente baixas nas classificações da Times Higher Education e do QS World University. Por escolha, “baixamos a barra” de desempenho esperado das universidades ao não promover a sua internacionalização; mesmo que implicitamente, escolhemos jogar na segunda divisão. Além disso, formamos profissionais com baixa exposição ao exterior e, relativamente às economias mais avançadas, se oferecem menos oportunidades de conexão internacional para empreendimentos inovadores surgidos no ambiente universitário. Assim, limitando ainda mais as nossas possibilidades de inovar em escala global. Vale aqui uma anedota para ilustrar o problema.

Certa vez, um dos autores deste artigo palestrou em evento realizado em uma das capitais brasileiras, promovido em conjunto pelas três maiores universidades locais e abrigado por uma delas. Estavam presentes o prefeito e cerca de 400 pessoas na plateia. O palestrante perguntou à plateia: “quem neste auditório conhece alguém da Índia aqui na cidade ou tem contato frequente com alguém naquele país”? Quantas pessoas presentes levantaram a mão? Nenhuma. A universidade que hospedou o evento é conhecida por seu ambiente de inovação e a cidade é sede de empresas importantes – algumas delas com atuação fora do Brasil. Na prática, o que revela esta anedota? Ilustra, por exemplo, como seria difícil levar para o mundo uma nova tecnologia ou produto desenvolvido por uma startup surgida no ecossistema de inovação daquela capital brasileira, mesmo que essa de fato nova para o mundo. Essa não é a única restrição à inovação baseada em ciência no Brasil, mas é certamente uma das mais relevantes.

Vivemos em um mundo de “transições necessárias” que oferecem oportunidades para o Brasil crescer mais rápido e ter um eixo de desenvolvimento baseado em inovação nos próximos anos. Há áreas nas quais poderíamos ambicionar ter uma posição relevante em negócios criados com a aplicação de conhecimento científico e tecnológico: energias limpas, uso da água, produção sustentável de alimentos, saúde humana e animal, materiais avançados e biomanufatura, dentre outras. Para aproveitar tais oportunidades, precisamos “ir para o mundo”. Em grande medida, o gargalo para este objetivo não é dado pela tecnologia ou o produto em si, mas por tudo mais que é necessário para transformar conhecimento em valor econômico em escala global – levantar capital, montar estrutura jurídica, selecionar funcionários, conversar com potenciais clientes e órgãos de governo, navegar a burocracia em outros países. Mesmo que uma solução tecnológica seja adequada para resolver um problema, como fazer tudo isso sem conexões com pessoas em outros países (a Índia ou outro qualquer)?

O Brasil tem capacidade de realizar negócios com o mundo que está muito aquém do seu tamanho. Isso vale para negócios em setores tradicionais da economia e, mais ainda, para negócios inovadores baseados em conhecimento científico e tecnológico. Acabamos também por ser uma sociedade que não “se areja”. Talvez por pouco conhecermos o que outros países fazem e como resolveram problemas que ainda enfrentamos, inventemos tantas “jabuticabas”. E como precisamos de um novo modelo de crescimento e desenvolvimento, necessariamente conectado com as grandes transformações econômicas e tecnológicas do mundo, necessitamos também, urgentemente, de uma estratégia contemporânea de internacionalização do país. Voltaremos à carga no próximo artigo. Até lá!