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Disclosure dos efeitos da crise por companhias abertas

Algumas companhias demonstram cuidado no cumprimento do seu dever de informar, enquanto outras permanecem silentes

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Crédito: Pixabay

No atual contexto desafiador e cheio de incertezas, presume-se que as companhias abertas têm muito a comunicar ao mercado sobre os efeitos da crise sanitária nos seus negócios e sobre as medidas tomadas para passar por este período de turbulência. Ao menos duas perguntas surgem neste momento: quais são as informações relevantes para os investidores que devem ser divulgadas ao mercado? e as companhias estão divulgando tais informações?

Em março deste ano, a CVM publicou o Ofício-Circular/CVM/SNC/SEP/n.º 02/2020. Nesse documento, o regulador destaca “a importância de as Companhias Abertas e seus Auditores Independentes considerarem cuidadosamente os impactos do COVID19 em seus negócios e reportarem nas demonstrações financeiras os principais riscos e incertezas advindos dessa análise”.

Em seguida, alguns destes riscos são listados de forma exemplificativa: especial atenção deve ser dada àqueles eventos econômicos que tenham relação com a continuidade dos negócios e/ou às estimativas contábeis levadas à efeito, como, por exemplo, nas seguintes áreas: Recuperabilidade de Ativos, Mensuração do Valor Justo, Provisões e Contingências Ativas e Passivas, Reconhecimento de Receita e Provisões para Perda Esperada.”

Além da questão contábil, o Ofício chama a atenção para os fatos relevantes: “Adicionalmente, é importante que as Companhias avaliem, em cada caso, a necessidade de divulgação de fato relevante, nos termos da Instrução nº 358 de 03 de janeiro de 2002, e de projeções e estimativas relacionados aos riscos do Covid-19 na elaboração do formulário de referência, nos termos da Instrução CVM nº 480 de 7 e dezembro de 2009.”

Ao final, conclui que: “As Áreas Técnicas da CVM entendem que, apesar da difícil tarefa de quantificação monetária dos impactos futuros, é necessário que as Companhias Abertas e seus Auditores Independentes, cada qual exercendo o seu papel, empenhem os melhores esforços para prover informações que espelhem a realidade econômica da entidade que reporta e que possuam potencial preditivo”.

Esse ofício lembra e reforça o dever de informar das companhias abertas. Apesar da dificuldade de delimitar a extensão deste dever de informar em razão das atuais incertezas e instabilidades, olhar para os fatos relevantes das companhias brasileiras pode trazer pistas sobre a efetividade do regime de full disclosure.

Em breve pesquisa nos fatos relevantes publicados desde março deste ano, é possível separar as informações em três categorias. A primeira serve para comunicar medidas concretas que as companhias estão tomando para enfrentar os efeitos da Covid-19. A segunda categoria de informações relaciona-se com ações para minimizar os efeitos da pandemia na empresa. A terceira refere-se a atuações da companhia em benefício da sociedade em geral.

Entre as medidas concretas divulgadas, são exemplos: alteração de plano de investimento e postergação de projetos, anuncio de novas projeções de resultados, paralização de algumas unidades produtivas, como está sendo feita a gestão do caixa e o cumprimento das obrigações financeiras de curto prazo, indicação de impactos em comparação com o ano anterior, redução da remuneração dos executivos ou, ainda, criação de Comitê de Gestão de Crise.

Como ilustração, observa-se a preocupação das empresas aéreas brasileiras, Azul e Gol, sobre o adiamento de programas com as fabricantes de aviões e na divulgação mensal sobre atualizações e expectativas de sua malha. A Via Varejo apresenta também diversas atualizações sobre caixa e investimentos[1],  assim como a Localiza[2] traz informações de caixa e o número de lojas ativas.

A alternativa de indicação de impactos em comparação com o ano anterior aparece em comunicado da Cosan S.A.[3], que informa ainda a porcentagem de redução de volume de atividades com seus parceiros, em diferentes segmentos. Sobre a paralisação de algumas unidades produtivas, empresas de siderurgia, como Gerdau S.A., CIA Siderúrgica Nacional e Usiminas, apresentam ao mercado atualizações de interrupção temporária de seus fornos, como forma de se ajustar à nova demanda do mercado.

No tocante a informações sobre redução de remuneração de executivos, encontram-se as empresas Magazine Luiza e CVC. A primeira anunciou que “reduziu em 80% – por um período de três meses – os salários de seus dois principais executivos: o CEO e o vice-presidente de operações. As remunerações dos 12 diretores executivos tiveram uma diminuição de 50%, mesma redução aplicada para os sete membros do Conselho de Administração, e as dos demais diretores, de 25%”.[4] No setor de viagens e turismo, CVC, divulgou a redução de 50% de salário da diretoria executiva e Conselho de Administração a partir de 1° abril[5].

A criação de comitês de crise aparece em informações divulgadas por várias empresas, como JBS, MRV, Magazine Luiza, Ferbasa, T4F, Ourofino Saúde Animal, Linx, Ferbasa, Klabin, entre outras.

A segunda categoria de informações refere-se a ações tomadas para proteção e contenção do Covid-19, tais como: comunicação e orientação de funcionários, medidas de segurança e higienização nos locais de trabalho, cancelamento de viagens, eventos corporativos e treinamentos, adoção de trabalho remoto, férias e banco de horas dos funcionários. Na verdade, essas medidas são um ponto comum entre a maioria das companhias que publicaram algum fato relevante ou comunicado ao mercado sobre o Covid-19.

O terceiro tipo de informação que aparece nos fatos relevantes refere-se a contribuições para a sociedade que a companhia está fazendo. A BRF, por exemplo, realizou uma “doação de alimentos, insumos médicos e apoio a fundos de pesquisa e desenvolvimento social, em montante equivalente a R$ 50 milhões, aproximadamente, para contribuir com os esforços de combate aos efeitos da pandemia de Covid-19.

Assista ao novo episódio do podcast Sem Precedentes sobre coesão do STF ao manter inquérito das fake news:

A ação alcançará hospitais, Santas Casas, organizações de assistência social e profissionais de saúde nos estados e municípios em que a empresa possui operações.”[6] O Grupo Raia Drogasil anunciou que “doou nesta data a quantia de R$ 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais) para auxílio no combate a pandemia de Covid-19, como parte do fundo ‘Todo Cuidado Conta’ instituído pela RD”.[7]A JBS divulgou “a doação de R$ 700 milhões para contribuir com os esforços de enfrentamento aos efeitos da pandemia da Covid-19”.[8]

Por outro lado, verificou-se que outras companhias não divulgaram informação ao mercado, ainda que seja forte a presunção que há algo a dizer para os investidores sobre os efeitos da crise que incidem nos seus negócios e como a empresa enfrenta os principais desafios.

É reconhecida a dificuldade de identificar quais são as informações relevantes no contexto da Covid-19 – dificuldade esta explicitada inclusive pelo regulador no Ofício 20/2020. Mas a breve pesquisa realizada nos fatos relevantes das companhias brasileiras sugere que algumas companhias demonstram cuidado no cumprimento do seu dever de informar, enquanto outras permanecem silentes.

Por fim, passada a turbulência e considerando as diferentes divulgações de fatos relevantes e comunicados pelas companhias brasileiras, valeria um estudo para avaliar a efetividade da custosa regulação do princípio de full disclosure, avaliando suas limitações e benefícios para informar as decisões de investimento e formação de preço em crises muito agudas e com alto grau de incerteza quanto ao futuro, com se vive atualmente.

Os artigos publicados pelos autores não refletem necessariamente as posições da Comissão de Valore Mobiliários, da Fundação Getúlio Vargas e de outras instituições as quais tenham vínculos atuais ou passados.

 


[1] Varejo Relevante – Covid-19 e medidas adotadas pela companhia. Disponível em: <https://mz-prod-cvm.s3.amazonaws.com/6505/IPE/2020/6df7c171-5e7d-4efa-842e-a3eb4889b082/20200504123549646435_6505_758461.05.2020_PT_VF.pdf>. Acesso em 04 de maio de 2020.

[2]  Localiza. Disponível em: <https://ri.localiza.com/informacoes-aos-acionistas/fatos-e-comunicados/>. Acesso em 15 de maio de 2020ç

[3] Cosan S.A. Comunicado ao Mercado sobre Impactos Covid-19 nos Negócios. Disponível em: <https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/6aa68515-2422-4cc4-bafa-8870ccdfedb0/09162d24-b4a3-2ac9-7e0d-37743e446c02?origin=1>. Acesso em 17 de abril de 2020.

[4] Magazine Luiza Comunicado ao Mercado – Covid-19 – Medidas Adotadas pela Companhia. Disponível em: <https://ri.magazineluiza.com.br/list.aspx?idCanal=5b9cT/6RMjM/vLIYTdF2xA==&ano=2020>. Acesso em 07 de abril de 2020.

[5] CVC S.A. Fato Relevante – Atualização COVID-19. Disponível em: <https://ri.cvc.com.br/show.aspx?idMateria=YdFuS1IqlCuI0mGKnULyrg==>. Acesso em 23 de abril de 2020.

[6] Comunicado ao Mercado – Doações Covid-19. Acesso em>: <https://s3.amazonaws.com/mz-filemanager/4d44a134-36cc-4fea-b520-393c4aceabb2/5341fb36-efea-4045-8127-e0f4338b43ec_01.04.2020%20Comunicado%20ao%20Mercado%20-%20Doa%C3%A7%C3%B5es%20COVID-19%20-%20PORT.pdf>. Acesso em 01 de abril de 2020.

[7] RaiaDrogasil Comunicado ao Mercado – Doação para auxílio no combate a pandemia. Disponível em: <https://www.rd.com.br/listgroup.aspx?idCanal=Yo0TaGLSa40VSizz7Yj01Q==&ano=2020>. Acesso em 15 de maio de 2020.

[8] JBS Fato Relevante. Disponível em: <https://mz-prod-cvm.s3.amazonaws.com/20575/IPE/2020/053f907d-e15e-4eec-9355-1c7ecf4bdeaf/20200511212715689768_20575_761003.pdf>. Acesso em 11 de maio de 2020.