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Nos últimos dias, o Brasil se mobilizou, por meio das redes sociais, para se solidarizar à doce garotinha africana Titi de apenas 4 anos, adotada pelo casal de atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, vítima de ofensas de cunho discriminatório e racista propagadas por brasileira que se apresenta como socialite, em vídeo na rede social Instagram.
O caso gerou grande repercussão e polêmica, sobretudo pela ofensora ter se mostrado um tanto quanto destemida das consequências jurídicas do seu ato, debochando sobre qualquer providência que o casal de atores pudessem tomar, em razão de residir em outro país.
Tomado conhecimento do fato, o pai da Titi procedeu com o oferecimento de queixa-crime perante a delegacia especializada em crimes eletrônicos do Rio de Janeiro. Segundo canais de notícias, já foi aberto Inquérito Policial para apuração do caso e investigação da prática dos crimes de: (i) injúria racial, nos termos do artigo 140, §3º do Código Penal, consistente na ofensa à honra de alguém se valendo de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem; e (ii) difamação, estabelecido no artigo 139 Código Penal, caracterizado quando da imputação de fato(s) ofensivo(s) que atenta(m) contra a honra e a reputação de alguém, com a intenção de torná-lo passível de descrédito na opinião pública, podendo ser condenada de um a três anos de prisão e ter a sua pena aumentada devido ao meio utilizado, que facilitou a divulgação das ofensas à várias pessoas (artigo 141, inciso III do Código Penal).
No tocante a Jurisdição competente no caso, ponto que vem sendo alvo de dúvidas, a Delegada responsável da investigação, já ponderou a aplicação do artigo 6º do Código Penal, que justifica ser o Brasil o país competente: “como a vítima do crime é a Titi, além do Bruno Gagliasso e a Giovanna, que são brasileiros e moram aqui, a lei aplicada será a brasileira. Nestes casos, não importa onde esteja a pessoa que cometeu o crime, ela terá que responder à Justiça do Brasil”.
Não obstante o seguimento da investigação no Brasil, o casal de atores, pais da garotinha, já afirmaram que seguirão também com as medidas cabíveis perante a Jurisdição do Canadá, país aonde a ofensora reside atualmente.
Da mesma forma que esse não é o primeiro episódio polêmico envolvendo a pessoa em questão, a qual, por exemplo, já proferiu graves ofensas à pequena “Rafa”, filha do Roberto Justus e ao filho da apresentadora Ana Hickmann, também não é a primeira vez que a garotinha Titi sofre ataques preconceituosos de usuários inconsequentes na Internet.
Nesse ponto, cumpre relembrar que casos de ofensas direcionadas a pessoas públicas ou celebridades em meios virtuais, como este, não são inéditos. Quem se lembra dos ataques direcionados à jornalista Majú do Jornal Nacional, devido a cor de sua pele, à cantora sertaneja Marília Mendonça, em decorrência da sua aparência, ou, ainda, à atriz global Thaila Ayala, pela sua opção religiosa?
Sabemos que os avanços tecnológicos facilitam, demasiadamente, a propagação de informações na internet, sendo um valioso instrumento para o exercício ao direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento dos seus usuários, direito fundamental tão reprimido outrora e, hoje, garantia constitucional de todos os seres humanos.
Contudo, quando tal mecanismo é utilizado de maneira inadequada, suas consequências podem ser devastadoras e terem efeito no âmbito legal. Quem pensa que a internet é um território sem lei, está enganado!
As informações disponibilizadas na web são facilmente compartilhadas e acessadas por inúmeros usuários, independentemente de suas localizações geográficas, o que é fantástico. Basta um instante, um clique, uma curtida ou um compartilhamento para que inúmeros usuários tenham acesso a determinado conteúdo e tomem conhecimento de informação inverídica ou altamente ofensiva, como ocorreu no caso em comento.
Inegável que a ofensora extrapolou seu exercício ao direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento, pois estes direitos, assim como os demais, não são absolutos e encontram limitações a partir do momento em que se fere o direito de outro indivíduo. No caso, ao propagar ofensas desarrazoadas contra a pequena Titi, segue o entendimento de que foram violados direitos fundamentais da menor, aí se incluindo direito à honra, privacidade e dignidade da pessoa humana, amplamente protegidos em nossa Constituição Federal.
Nesse sentido, a conduta é potencializada não só pela utilização dos meios virtuais para a propagação das ofensas, mas também por direcioná-las a uma criança de apenas quatro anos de idade, sendo não só dever dos pais, mas também da sociedade em geral e do poder público garantir a dignidade do menor, com a prestação do apoio necessário, conforme imposto pelo ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Desta forma, verifica-se que é possível a adoção de medidas judiciais contra a ofensora tanto no âmbito criminal, como na esfera cível para a reparação dos danos morais e materiais causados à Titi, sendo que tais medidas terão prioridade perante o Poder Judiciário, devido a vítima ser menor de idade.
Para tanto, importante mencionar a total aplicabilidade da legislação brasileira frente ao caso, pois os atos ofensivos em tela atingiram a honra da pequena Titi que reside no Brasil, ou seja, os danos advindos da conduta ofensiva foram sofridos em território nacional.
O fato de a pessoa residir fora do país pode dificultar eventual cumprimento das decisões emanadas pelo Poder Judiciário brasileiro e então, sua efetividade. Contudo, ao passo que ela adentrar em território brasileiro, estará sujeita a sofrer imediatamente as consequências da investigação. Sem falar, ainda, na possibilidade de haver cooperação entre os países Brasil e Canadá, para que referida ofensora sofra os reflexos de eventual condenação emanada pela Justiça Brasileira.
De todo o atual cenário, é de se observar que o ataque racista direcionado à Titi, causou a indignação de todos os usuários da internet, a título de revolta e repúdio, que disseminaram diversas publicações nas redes sociais, acompanhadas de hashtags como, #oamorsemprevence, #antirracista, #todos_pela_titi em apoio e solidariedade à família da menor.
Com o episódio marcado por ofensas de cunho racista, temos como reflexo a ocorrência do conhecido efeito de “dano ricochete”, penalidade que marcará a reputação da ofensora por toda a sua vida. Afinal, “a Internet não perdoa”. Se, por um lado, conteúdo publicado em jornal ou revista de um dia para o outro é esquecido, o que se publica na internet, via de regra, permanece eternamente disponível e de fácil acesso. Por isso, relembramos que disseminar atos de empatia, amor e humildade é sempre válido e construtivo, visando fomentar uma sociedade livre de preconceitos e ódio!
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