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Parte XVI - Final

Um Direito Antitruste para o século XXI

Reflexões finais sobre a necessidade de redefinição dos parâmetros e da metodologia de análise antitruste

  • Ana Frazão
02/12/2020 10:49 Atualizado em 02/12/2020 às 11:00
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comentários

Os artigos anteriores procuraram defender a necessidade da revisão das finalidades do Direito Antitruste, sem o que não há como se preservar a democracia, as liberdades econômicas e a própria economia de mercado.

O objetivo do presente artigo, que é o último da série, é mostrar que a mudança proposta apenas pode ser viável e efetiva caso haja a revisão dos parâmetros e da metodologia da análise antitruste, pois estes, ao longo dos anos, tornaram-se uma verdadeira “camisa de força”, que impede qualquer tentativa mais significativa de adaptação e muito menos de expansão do Direito Antitruste.

A maior prova disso é que mesmo a substancial modificação implementada pela atual Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011), que introduziu o controle prévio de estruturas, acabou não tendo como consequência a esperada ampliação do referido controle.


 

Com efeito, em recente artigo, Calixto Salomão[1] ressalta a igualmente recente tese de doutorado de Rodrigo Fialho Borges, que, baseada na leitura e análise de mais de 8 mil decisões do CADE, conclui que a porcentagem de decisões com restrições efetivas aos atos de concentração tende a quase zero. Segundo o professor, “os números impressionam: de 1994 a 2018, das operações analisadas, o CADE reprovou apenas 0,21%, impôs restrições estruturais a somente 0,81% e restrições comportamentais a 1,32%.”

Verdade seja dita que há várias interpretações possíveis para tais números e que essa discussão ultrapassa os objetivos do presente artigo. A única finalidade de se trazer tais dados para o presente artigo foi indicar que, ao contrário do que se imaginava, não era propriamente o controle a posteriori a causa das dificuldades e do caráter restritivo do nosso controle de estruturas.

É por essa razão que, mesmo com as facilidades decorrentes do controle a priori, os resultados continuaram muito semelhantes aos do regime anterior, o que reforça a hipótese de que os verdadeiros empecilhos para uma maior eficácia da atuação do CADE são os parâmetros e a metodologia da análise antitruste. Daí a necessária reflexão a respeito dos impactos da nova visão de Direito Antitruste sobre o próprio instrumental analítico e sobre os conceitos e pontos de partida que orientam o exercício das competências das autoridades antitruste.

Para isso, é fundamental, antes de tudo, que se possa compreender o poder econômico em sua plenitude, o que certamente requer a superação da sua definição restrita à capacidade de aumentar preços. Mesmo sob a ótica econômica, qualquer interferência direta em mercados, ainda que não se reflita em aumentos de preços, pode ser considerada uma manifestação de poder econômico, tal como ocorre nas estratégias de predação ou criação de barreiras à entrada.

Na atualidade, aliás, há rica literatura apontando novos critérios e parâmetros para a identificação o poder econômico. Marshall Steinbaum e Maurice Stucke[2], por exemplo, além de defenderem a possibilidade de provas circunstanciais, também propõem critérios ou indícios mais abrangentes, tais como (i) a habilidade unilateral de fixar preços ou salários ou de cobrar preços acima do nível competitivo ou pagar salários abaixo da produtividade marginal dos trabalhadores, (ii) a habilidade de impor cláusulas contratuais não financeiras desvantajosas para a contraparte ou de revisar os termos contratuais em seu próprio favor, incluindo estratégias como depreciar qualidade, privacidade, inovação ou variedade abaixo de níveis competitivos, (iii) a habilidade para excluir competidores ou entrantes, (iv) a habilidade unilateral para restringir oferta ou emprego, (v) a habilidade para discriminar preços ou salários e (vi) a habilidade para obter lucros ou pagar dividendos a acionistas acima do custo de capital da empresa por um longo período de tempo.

Não obstante, é preciso entender que o poder econômico não se identifica apenas pelos seus impactos diretos sobre mercados, mas também pelos seus impactos sobre a sociedade, a política e a vida das pessoas. Consequentemente, há que se entender minimamente os demais desdobramentos do poder econômico, especialmente naquilo em que este se traduz em poder político ou em poder de controle informacional, de influência ou manipulação das pessoas, o que é potencializado em uma economia movida a dados.

Há que se compreender, portanto, como o poder político pode influenciar os rumos da política, da regulação e mesmo da vida social, inclusive por meio da interferência direta na formação da opinião pública e na criação ou alteração das próprias crenças e valores da sociedade.

Daí por que não há mais espaço para teorias simplistas ou reducionistas sobre o poder econômico. Por mais que a tarefa de compreendê-lo e mapeá-lo seja extremamente árdua, é imprescindível que se tenha uma visão mais abrangente do fenômeno, objetivo para o qual a multidisciplinaridade é fundamental. Afinal, além da economia, diversas outras ciências e áreas do saber importam para tal propósito, tais como a psicologia, a sociologia, a antropologia, a comunicação social, a ciência dos dados, dentre inúmeras outras.

Também é importante aceitar que os maiores problemas do Direito Antitruste não são resolvidos apenas por meio de argumentos técnicos ou de respostas prontas provenientes da teoria econômica. Afinal, qualquer que seja a teoria econômica adotada para fazer a análise de mercado, ela estará fundada ou pelo menos amparada em diversas premissas valorativas ou ideológicas, ainda que implícitas, tais como (i) a própria ideia de liberdade econômica e de acesso a mercados, (ii) o que deve ser considerado um adequado processo competitivo e (iii) o grau de confiança nas instituições e especialmente no mercado ou no Estado.

No que diz respeito à questão da confiança ou desconfiança no Estado ou no mercado, trata-se provavelmente de uma das questões mais importantes – senão a mais importante – para uma série de decisões de política regulatória, tais como a de saber que tipos de erros são preferíveis – se falsas absolvições ou falsas condenações. É por essa razão, inclusive, que a metodologia da Escola de Chicago, ao ser claramente alicerçada na sua confiança na capacidade autocorretiva dos mercados e na sua desconfiança no Estado, acabou levando a uma política antitruste favorável ao under-enforcement, como conclui Lina Khan[3].

Nos termos da igualmente precisa análise de Marina Lao[4], é necessário reconhecer que a teoria econômica e o empirismo não dão resposta para todas as questões relacionadas ao Antitruste, o que se agrava em relação a algumas questões que, tais como abusos de dominância e restrições verticais, são analisadas por meio de teorias que são inconclusivas e com deficiente lastro empírico.

Daí o acerto da conclusão de Marina Lao[5] sobre a necessidade de uma conversa honesta sobre os valores que devem importar e porque eles devem importar, aspecto para o qual convergem igualmente importantes autores como Steven Salop[6] e Jonathan Baker[7].

Com isso, é necessário que a análise antitruste possa discutir valores e posturas políticas e ideológicas, até porque a racionalidade jurídica não se restringe à dimensão consequencialista e pragmática, mas também pressupõe a análise valorativa.

Isso é especialmente importante em um país que, como o Brasil, tem na Constituição Federal a previsão do controle do abuso do poder econômico no contexto de uma ordem econômica estruturada a partir de princípios deontológicos e vinculantes.

Dessa maneira, mesmo inovações legislativas como as recentemente incluídas na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), ao ressaltarem a importância da dimensão consequencialista, obviamente não afastam a imprescindível dimensão valorativa que deve caracterizar qualquer juízo jurídico. Na verdade, o que caracteriza o discurso jurídico é precisamente essa delicada e complexa costura entre elementos valorativos e pragmáticos, sem que nenhum deles possa ser desconsiderado.

Não há, portanto, nenhuma aberração na proposta de que o Direito Antitruste deve levar em consideração questões valorativas não só nas premissas de análise como também nos parâmetros e objetivos decisórios. Na verdade, trata-se da defesa do óbvio. A aberração é precisamente se utilizar do argumento da rule of law para transformar o Direito Antitruste em uma rule of economics without law, indiferente e refratário às questões valorativas inerentes a qualquer discussão jurídica.

Sob essa perspectiva, é fácil verificar que a visão exclusivamente técnica do Direito da Concorrência, além de equivocada e até mesmo impossível, nunca foi efetivamente alcançada. A proposta da Escola de Chicago limitou-se a aplicar determinada visão de economia como se fosse a única, sendo que as suas características de neutralidade e tecnicidade apenas mascaravam os valores e ideologias que lhe davam substrato.

Ainda é preciso lembrar, sobre as premissas valorativas implícitas das teorias econômicas, que muitas vezes estas nos são apresentadas como verdadeiros tradeoffs, quando não necessariamente o são. Nesse sentido, é importante destacar a recente contribuição de Acemoglu e Robinson[8], ao mostrarem que os riscos da opressão estatal sobre a liberdade econômica são tão grandes quando os riscos da opressão privada. Consequentemente, não temos que escolher que tipo de dominação é preferível – se é a do Estado ou a dos poderosos agentes privados. Precisamos, sim, construir um desenho institucional em que nem o Estado nem poderosos agentes econômicos possam comprometer a liberdade econômica e política de seus cidadãos.

Portanto, refutar a confiança cega que a Escola de Chicago deposita nos mercados não implica necessariamente depositar tal confiança no Estado. Como bem asseveram Acemoglu e Robinson[9], somente um Estado atuante para conter os excessos do poder privado, mas ao mesmo tempo “algemado” (Schackled Leviathan) para que seus poderes sejam também contidos, pode assegurar a liberdade econômica dos seus cidadãos e o funcionamento de uma economia de mercado baseada na competição pelos méritos.

Entretanto, é inequívoco que o reconhecimento dos riscos da dominação privada muda o enfoque da discussão, uma vez que ressalta a indispensável atuação do Estado para conter os abusos do poder econômico. Dessa maneira, abre-se a discussão sobre o real papel do Estado para uma regulação dos mercados e para assegurar liberdade econômica para todos e o funcionamento da economia de mercado baseada nos méritos e talentos individuais.

Como bem explicam os ganhadores do prêmio Nobel de Economia de 2019 Banerjee e Duflo[10], não há alternativa à ação do Estado: “The government exists in part to solve problems no other institution can realistically tackle. To demonstrate waste in government, one needs to show there is an alternative way of organizing the same activity that works better.” Por essa razão, se os governos são ruins e corruptos, há que se ajustar tais problemas e não simplesmente se erradicar os governos[11].

Também mostram Banerjee e Duflo que a postura caracterizada pelo ataque vigoroso ao Estado e pelo incentivo à falta de fé nos burocratas tem efeitos perversos porque (i) impede que as pessoas vejam que o governo pode ser parte da solução, (ii) diminui os incentivos para que pessoas qualificadas resolvam trabalhar no governo, e (iii) cria uma imagem do governo que afeta a honestidade dos que querem trabalhar para ele[12]. Aliás, como foi exaustivamente visto ao longo da série, muito do processo atual de demonização do Estado vem de uma estratégia deliberada das elites econômicas para tentar moldar a opinião pública mesmo quando os argumentos não têm qualquer substrato empírico.

Acresce que tal processo reflete uma grande incoerência, tal como adverte Philippon[13], segundo o qual precisamos romper com a premissa dominante, que é extremamente permissiva em relação ao mercado, tolerando todos os tipos de erros e violações por parte das empresas, e extremamente dura com o Estado, considerando intolerável qualquer erro da sua parte. Isso leva, na prática, à desregulação, pois “A zero-mistake approach to regulation is an approach to zero regulation”.

Daí por que, como bem sintetiza Stiglitz[14], a questão que se coloca na atualidade não é a escolha entre regulação e desregulação, mas sim a escolha da melhor regulação para atender aos objetivos sociais, econômicos e políticos que a justificam. A ressignificação do Direito Antitruste depende, pois, de uma reflexão mais serena e abrangente sobre a adequada relação entre direito e economia, bem como entre estado e mercados, a fim de que o Direito Antitruste possa ser um instrumento para viabilizar os adequados objetivos da regulação dos mercados.

Ainda é preciso lembrar que, se o Estado pode ser ruim ou ineficiente, pelo menos existe algum tipo de accountability em relação às suas ações e a possibilidade de soluções institucionais para tentar resolver seus erros. Tais mecanismos não estão presentes nos mercados, de forma que a desregulação, como já foi salientado por diversos autores explorados ao longo da presente série, pode dar margem a uma verdadeira tirania privada, ou seja, o governo dos poderosos agentes econômicos sem qualquer accountability.

Por fim, para implementar essa nova visão do Direito Antitruste, também é necessária uma reflexão metodológica mais consistente, até para resgatar a ideia gadameriana[15] de que o conhecimento é sempre precário e que métodos não asseguram a verdade, mas sim o mesmo resultado pela repetição. Exatamente por isso, o ideal é que haja sempre espaço para o pluralismo metodológico e se evite a idolatria de qualquer que seja o método.

Muito da influência e da capacidade persuasiva da Escola de Chicago veio da sua pretensão não apenas de adotar um método correto e praticamente infalível, como um método que lhe permitiria fazer predições com alto grau de acurácia. Ocorre que várias dessas predições referem-se a modelos teóricos descolados da realidade, até porque baseados na premissa da racionalidade dos agentes econômicos, circunstância que a economia comportamental já colocou em xeque há bastante tempo.

Não obstante, Banerjee e Duflo[16] alertam para o fato de que parte da chamada bad economics é precisamente aquela relacionada às predições, aspecto em relação ao qual os autores são bastante críticos, por entenderem que predições com acurácia são normalmente impossíveis[17].

Para os autores, a boa economia – good economics – é exatamente a menos estridente, por partir da premissa de que, sendo o mundo suficientemente complicado e incerto, a melhor coisa que economistas têm a compartilhar não são suas conclusões, mas sim os caminhos que adotaram para chegar a elas: os fatos que sabem, a forma como interpretaram tais fatos, os passos dedutivos adotados e as fontes remanescentes de incertezas[18]. Sob essa perspectiva, os autores são claros no sentido de que economistas não são cientistas no mesmo sentido que físicos o são, razão pela qual normalmente têm pouca certeza absoluta para compartilhar com os outros[19].

Para Banerjee e Duflo, é normal que os economistas errem, como comumente o fazem; o que é perigoso é estarem tão enamorados de um ponto de vista que não admitem considerar os fatos em sentido contrário. Daí o ensinamento dos autores de que, para progredir, precisamos constantemente voltar aos fatos, reconhecer os erros e seguir adiante[20]. Nesse sentido, a advertência converge perfeitamente com a advertência de Paul Krugman[21], de que os economistas muitas vezes confundem a beleza dos seus modelos com a verdade.

Tal postura também vai ao encontro de diversos autores que, a exemplo de Kahneman[22], Taleb[23], Gardner e Tetlock[24], mostram as limitações das predições, especialmente as de médio e longo prazo, considerando que os assuntos humanos estão sujeitos a inúmeras e complexas variáveis. Na obra de todos esses autores, há um verdadeiro chamado para que sejamos mais humildes e tentemos avançar cientificamente com cuidado e sempre atentos à observância dos fatos e às limitações das tentativas de se antecipar o futuro.

Além de tudo, é preciso considerar que, para efeitos das tentativas de se estimar efeitos futuros de determinados atos, existem várias outras áreas do saber e metodologias que não apenas as econômicas, assim como que tais análises não se restringem a dimensões quantitativas ou de custo-benefício, mas devem envolver igualmente importantes juízos qualitativos para os quais as outras ciências também são fundamentais.

Mais do que isso, diante das dificuldades inerentes às predições, há que se pensar se não é melhor uma política antitruste baseada na proteção de processos ao invés de resultados, ou seja, se a solução de proteger o processo competitivo não pode ser mais adequada e segura do que a de tentar antecipar e predizer resultados de operações e de condutas.

Sob a ótica da reflexão metodológica, até mesmo a chamada regulação por evidências precisa ser bem compreendida. Não é verdadeiro o “senso comum” segundo o qual contra fatos não há evidências. Mesmo trabalhos empíricos são fortemente influenciados pelos valores do pesquisador em todas as suas etapas, incluindo a própria delimitação do problema e a seleção dos fatos considerados relevantes pare resolvê-lo.

Teorias são lentes que moldam a nossa forma de ver do mundo. Junta-se a isso os preconceitos, valores, vieses e limitações que cada pesquisador naturalmente apresenta. Aliás, pesquisas recentes mostram que a forma como vemos os fatos é muito influenciada pela tribo moral a que pertencemos, havendo trabalhos da neurociência que também ressaltam que a forma como vemos o mundo pode revelar muito mais o que somos do que o que o mundo é.

Obviamente que tais argumentos são ora trazidos não para defender o relativismo, o irracionalismo ou o excesso de subjetividade. Adota-se aqui a premissa de importantes filósofos, como Popper[25], segundo os quais o fato de não existir um critério de verdade ou de justiça absolutos não implica que a eleição entre as teorias e explicações seja arbitrária ou irracional, pois podemos aprender com nossos erros e tentar aproximar-nos da verdade.

A questão aqui é entender que toda ciência é redução de complexidade, de forma que precisamos estar muito atentos aos atalhos e às simplificações que normalmente são adotados nesse processo e estarmos sempre dispostos a testar e a “retestar” as metodologias e analisar os resultados, contrastando-os com as evidências disponíveis.

Por outro lado, quanto mais lentes tivermos para analisar os problemas, mais provável é que cheguemos a uma solução adequada. É essa a razão pela qual não podemos ficar restritos ao mainstream econômico, devendo também buscar os aportes de outras vertentes, tais como os que vêm sendo oferecidos pela economia comportamental. Aliás, o recente relatório do Stigler Center sobre plataformas digitais[26] reitera, em vários momentos, a importância da adoção da economia comportamental para a compreensão e a solução de problemas concorrenciais existentes nos mercados digitais.

Por outro lado, essa maior abertura metodológica não afasta a necessidade de que, especialmente em se tratando de políticas regulatórias, busquemos critérios consistentes e idôneos para orientar não só a atuação dos reguladores, mas também dos agentes econômicos. Daí por que se mostrou, nos artigos anteriores, que os esforços para se ampliar as finalidades do Antitruste têm sido acompanhados por esforços de proposição de critérios e metodologias que sejam mais adequados para lidar com a complexidade atual, ao mesmo tempo em que sejam igualmente “administráveis” pelas autoridades antitruste.

De toda sorte, também não se pode ultravalorizar o problema da segurança, até porque a Escola de Chicago nunca cumpriu propriamente esse objetivo e, se o fez em alguma medida, foi às custas de muitas simplificações e reducionismos. Além das diversas dúvidas e questionamentos a respeito dos conceitos de eficiência – e especialmente de suas mensurações e comparações -, a própria regra da razão sempre foi um fator de grande instabilidade no controle de condutas e, como aponta Lina Khan[27], acabou sendo utilizada mais para transferir a decisão de juízes para economistas – e normalmente em favor do under-enforcement – do que propriamente para criar critérios seguros para as análises.

O balanço final dessas reflexões é que não podemos ter confiança cega em determinados métodos, mas precisamos confrontá-los o tempo todo, dialogando com as premissas valorativas e ideológicas implícitas e explícitas que os embasam.

Se a metodologia e os parâmetros atuais do Direito Antitruste mostram-se desatualizados e insuficientes para enfrentar os atuais problemas e desafios do controle do poder econômico, há que se construir novas formas de análise, até porque não se pode pretender obter segurança jurídica ao preço da manutenção de simplificações metodológicas inaceitáveis e de análises antitruste descoladas dos fatos.

Aliás, falando sobre o elemento ideológico das análises antitruste, vale ressaltar a interessante análise de Iagê Miola[28] sobre o tema, ao tentar entender como uma área do direito que foi pensada para controlar o poder econômico pode ter perdido a conexão com suas próprias finalidades. A resposta, segundo o autor, pode estar no fato de que a regulação da concorrência foi implementada de forma a produzir o arranjo econômico propagado pelos ideais neoliberais, voltados para a concentração do poder econômico.

Entretanto, como o próprio autor[29] adverte, a forma de aplicação do Direito Antitruste não é predeterminada ou necessária, mas o resultado de certa maneira de compreender a concorrência e o poder econômico. Logo, um novo conjunto de ideias pode implicar mudanças.

Além da importância das ideias, entender a dimensão política dos mercados nos confere, como diria Stiglitz[30], um misto de esperança e desespero. Esperança porque sabemos que o mercado é resultado de escolhas políticas e jurídicas e, sob essa perspectiva, pode também ser modificado por novas escolhas. Desespero porque sabemos como tais processos são difíceis e como, especificamente no caso do Direito Antitruste, há toda uma máquina informacional e científica, financiada pelas elites econômicas, para obstar tais mudanças a qualquer custo.

Cabe a nós a decisão sobre se avançaremos na tentativa de reconstrução do Direito Antitruste. Como a presente série procurou demonstrar, boas ideias e evidências empíricas para amparar tal projeto não faltam, assim como tudo leva a crer que se trata de algo urgente.


O episódio 45 do podcast Sem Precedentes trata de dois julgamentos que irão começar no Supremo Tribunal Federal (STF) e que interferem diretamente nas relações da Corte com o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional. Ouça:


[1] https://www.conjur.com.br/2020-nov-09/defesa-concorrencia-luta-monopolios-carteis-fracassos-perspectivas

[2] The effective competition standard: a new standard for Antitrust. The University of Chicago Law Review 86:595.

[3] The Ideological Roots of America’s Market Power Problem The Yale Journal Forum June 4, 2018, 960.

[4] Ideology matters in the Antitrust debate. Antitrust Law Journal. Vol. 79, n. 2 (2014).

[5] Idem.

[6] What Consensus: Why Ideology and Elections Still Matter to Antitrust. Antitrust Law Journal. Vol. 79 (2014).

[7] The Antitrust Paradigm Restoring a Competitive Economy. Cambridge: Harvard University Press, 2019.

[8] The Narrow Corridor. States, Societies and the Fate of Liberty. New York: Penguin Press, 2019.

[9] Op.cit.

[10] Good Economics for Hard Times, New York: Public Affairs, 2019, p. 268.

[11] Op.cit., p. 269.

[12] Op.cit., pp. 271-272.

[13] Op.cit., p. 295.

[14] Power, and Profits. Progressive Capitalism for an Age of Discontents. New York: W.W. Norton & Company, 2019.

[15] GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Petrópolis: Vozes, 1999.

[16] Op.cit.,

[17] Op.cit., p. 6.

[18] Op.cit., p. 7.

[19] Op.cit., p. 7.

[20] Op.cit., p. 8.

[21] Arguing with zombies. Economics, Politics, and the Fight for a Better Future. New York, W.W. Norton & Company, 2020.

[22] Rápido e Devagar. Duas formas de pensar. Tradução de Cassio Leite. São Paulo: Objetiva, 2011.

[23] A lógica do cisne negro. O impacto do altamente improvável. Rio: Best Business, 2018; Fooled by randonness. The hidden role of chance in life and in the markets. New York: Random House Trade Paperback, 2005.

[24] Superforecasting: the art and science of prediction. New York; Broadway Books, 2016.

[25] La Sociedad Abierta y sus Enemigos. Tradução de Eduardo Loedel. Barcelona: Ediciones Piados Iberica, 2000, pp. 674-685.

[26] https://www.publicknowledge.org/wp-content/uploads/2019/09/Stigler-Committee-on-Digital-Platforms-Final-Report.pdf

[27] The ideological roots.. Op.cit.

[28] Direito da concorrência e neoliberalismo: a regulação da concentração econômica no Brasil. Direito e Praxis, v. 7, n. 4 (2016).

[29] Op.cit.

[30] O preço da desigualdade. Tradução de Dinis Pires. Lisboa: Bertrand, 2013.

Ana Frazão – Sócia de Ana Frazão Advogados. Professora de Direito Civil e Comercial da UnB. Ex-Conselheira do CADE.

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Tags Ana Frazão Constituição Direito Antitruste Direito Concorrencial empresa e mercado Futuro do Direito

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