João Pedro Paro

De acordo com o Provimento Nº 88 recentemente assinado pelo corregedor Nacional de Justiça, os cartórios brasileiros passarão a fazer parte da rede de instituições que combatem a corrupção, a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.
Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a ação faz parte da regulamentação da chamada Lei da Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98) e executa uma das ações previstas para 2019 pelos órgãos públicos que integram a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA). 
O provimento determina que operações registradas em cartório e que levantarem suspeitas de lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo sejam comunicadas à Unidade de Inteligência Financeira (UIF), novo nome do antigo COAF. 
O objetivo é regulamentar como cartórios de todo o país deverão agir para coibir esses crimes. 
Além disso, também traz disposição que determina que a suspeita deverá ser informada até o dia útil seguinte ao ato praticado. As informações serão sigilosas, mas poderão ser solicitadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 
As novas regras, que entram em vigor em 3 de fevereiro de 2020, alcançarão tabeliães e oficiais de registro, sejam eles interventores, interinos e até autoridades com atribuição notarial e registral em consulados brasileiros no exterior. O provimento contempla todos os atos e operações realizados em cartórios, como compras e vendas de bens.
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Essas medida de Compliance e integridade dos cartórios representam algo que os bancos já fazem há muito tempo e é conhecida como Know your customer (KYC), em português “conheça o seu cliente”.
 Isto basicamente consiste no processo pelo qual uma instituição verifica a identidade de seus clientes e avalia sua adequação, juntamente com os riscos potenciais de intenções ilegais em relação ao relacionamento comercial. 
O objetivo das diretrizes de KYC é impedir que os bancos sejam utilizados, intencionalmente ou não, por elementos criminosos para atividades de lavagem de dinheiro. Essas obrigações agora envolverão também os registros de imóveis no Brasil. 
<blockquote class="jota-article__eye">No entanto, fica a pergunta: isso seria um preciosismo brasileiro de Compliance porque está na moda ou trata-se de uma tendência internacional? </blockquote>
Vejamos.
O serviço de pesquisa do Parlamento Europeu publicou um <a href="http://www.europarl.europa.eu/cmsdata/161094/7%20-%2001%20EPRS_Understanding%20money%20laundering%20through%20real%20estate%20transactions.pdf" target="_blank" rel="noopener">briefing</a> em 2019 sobre o que entendimento da lavagem de dinheiro por meio de transações imobiliárias no qual é descrito o abuso do setor imobiliário (propriedade sob a forma de terrenos ou edifícios) como uma das formas mais antigas conhecidas de lavar ganhos ilícitos. 
O documento ainda relata que, mundialmente, o setor imobiliário é tão atraente para os criminosos quanto para qualquer investidor (os preços geralmente são estáveis e provavelmente se valorizam com o tempo) e também é funcional (o imóvel pode ser usado como uma segunda casa ou alugado, gerando renda). 
Oferece também um aspecto de respeitabilidade, legitimidade e normalidade. Isso se aplica a propriedades residenciais e comerciais como parte de uma estratégia de investimento confiável e lucrativa. As transações imobiliárias podem, portanto, envolver grandes somas e estão sujeitas a um exame mais limitado em relação aos riscos de lavagem de dinheiro do que as transações do setor financeiro, pois as regras do setor não financeiro são muito mais limitadas (como dito acima, o KYC já é uma obrigação incorporada mundialmente entre as instituições financeiras).
A preocupação com a lavagem de dinheiro no ramo imobiliário não é algo novo, descabido ou exótico por parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Esse é um fenômeno mundial, com abundantes exemplos do Canadá, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia, União Europeia, África, Ásia e Oriente Médio. 
A OCDE publicou há mais de dez anos dois importantes relatórios sobre o tema. Em 2007 foi publicado o <a href="http://www.fatf-gafi.org/publications/methodsandtrends/documents/moneylaunderingandterroristfinancingthroughtherealestatesector.html">FATF report</a>: Money laundering and terrorist financing through the real estate sector com o objetivo geral de desenvolver mais informações sobre como a atividade imobiliária pode ser usada para lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo. 
O estudo tem como finalidade alcançar dois objetivos principais: primeiro, explora os meios pelos quais o dinheiro ilícito é canalizado através do setor imobiliário para ser integrado à economia legal. 
Segundo, identifica alguns dos pontos de controle que podem ajudar no combate a esse fenômeno. Uma das maneiras mais eficazes de entender como o setor é usado de forma ilegal é examinar estudos de caso concretos; portanto, o relatório é baseado principalmente nas informações fornecidas pelos membros participantes do GAFI e não membros do GAFI. 
Já em 2008 o <a href="http://www.oecd.org/ctp/crime/realestatesectortaxfraudandmoneylaunderingvulnerabilities.htm">relatório da OCDE</a>: Real estate sector: Tax fraud and money laundering vulnerabilities constata no setor imobiliário a escolha preferida dos criminosos para ocultar ganhos ilícitos, e manipular os preços dos imóveis como uma das maneiras mais antigas conhecidas de transferir receitas ilegalmente entre as partes de ganhos ilícitos. Os esquemas de fraude fiscal geralmente estão intimamente ligados a essas atividades. A OCDE pesquisou 18 países em meados de 2006 para analisar a extensão dessas práticas ilegais no setor imobiliário e explorar possíveis formas de combatê-las. As principais conclusões confirmam que esse setor foi utilizado como canal de fraude ou transações financeiras ilícitas na maioria dos países pesquisados.
Justamente buscando evitar este quadro é que as orientações europeias envolvendo o registro de imóveis passa por três avaliações básicas de risco: 
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Risco relacionado ao cliente: refere-se principalmente ao comprador, mas as preocupações podem aumentar para incluir o vendedor e quaisquer outras pessoas que intervenham na transação. A capacidade de identificar o comprador real e verificar se o envolvimento de terceiros ou de uma empresa obscurece a identidade do proprietário (sem uma explicação comercial legítima) é essencial para determinar o risco do cliente. Este tipo de risco também abrange compras envolvendo altos funcionários estrangeiros ou suas famílias, que requerem atenção específica como pessoas politicamente expostas ou devido a disposições internacionais específicas.
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Risco de Transação: refere-se a uma variedade de elementos relacionados, por exemplo, ao tipo de propriedade, transações sucessivas, subavaliação ou subavaliação, incompatibilidade entre comprador e propriedade e riscos de financiamento relacionados à fonte de recursos, uso de dinheiro ou uso de empréstimos complexos. As preocupações podem ser despertadas como resultado, por exemplo, da falta de interesse em obter um preço melhor ou de um comprador que compra um imóvel sem visualizá-lo ou sem um interesse visível em suas características. Em resumo, isso se refere à preocupação de que a transação não pareça fazer sentido profissional ou comercial.
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Risco Geográfico: pode estar relacionado à propriedade e ao comprador. A primeira pergunta é se a localização da propriedade corresponde à localização do comprador e do vendedor. Surge então a questão de saber se eles estão localizados em uma jurisdição com regimes fracos de combate à lavagem de dinheiro, que apoiam ou financiam o terrorismo ou que exibem um alto grau de corrupção. As mesmas perguntas se aplicam à origem dos fundos. Aqui entra um forte componente de Compliance Internacional que envolve o regime jurídico de convenções, tratados e protocolos.
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Alguns exemplos práticos podem demonstrar como o Protocolo Nº 88 representa parte de um contexto mundial de necessidade de avaliação de risco, governança dos registros de imóveis e Compliance perante a necessidade de combate ao Crime Organizado. 
Nos EUA existem as chamadas as ordens de segmentação geográfica de imóveis (GTOs) feitas em 2016 e renovadas em 2018 foram emitidas pela Rede de Execução de Crimes Financeiros dos EUA (FINCEN) para várias localizações geográficas, com limites monetários variados para cada área. Alguns deles exigem a identificação das pessoas físicas por trás das empresas que pagam todo o dinheiro pelos imóveis residenciais de luxo. 
No Reino Unido, o registro do Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial exigirá que empresas estrangeiras que possuam ou comprem imóveis no Reino Unido forneçam detalhes de seus proprietários finais. Isso ajudará a reduzir as oportunidades para os criminosos usarem empresas de fachada para comprar propriedades em Londres e em outros lugares para lavar seus lucros ilícitos, facilitando para as agências policiais rastrear fundos criminais e tomar medidas. O <a href="https://www.parliament.uk/documents/joint-committees/draft-registration-overseas-entities/Report.pdf">projeto de lei</a> foi publicado em maio de 2019 e está sob escrutínio legislativo.
Internacionalmente os requisitos das chamadas due diligence e manutenção de registros do cliente, estão estabelecidos nas Recomendações 10, 11, 12, 15, 17 e 22 da Força-Tarefa de Ação Financeira (GAFI) que é um órgão intergovernamental independente que desenvolve e promove políticas para proteger o sistema financeiro global contra a lavagem de dinheiro, o financiamento do terrorismo e o financiamento da proliferação de armas de destruição em massa. 
Tais Recomendações do GAFI são reconhecidas como o padrão global contra a lavagem de dinheiro e o financiamento contra o terrorismo e aplicam-se a empresas e profissões não financeiras designadas nos seguintes ramos de atividades: cassinos, agentes imobiliários, negociantes de metais preciosos e negociantes de pedras preciosas, advogados, notários, outros profissionais jurídicos e contadores independentes. 
As medidas que cada um desses profissionais deve tomar são variadas e vão desde investigação prévia, registro de documentos até a obrigação legal de comunicação às autoridades em caso de mínima suspeita de lavagem de capitais ou financiamento ao terrorismo.
Nota-se, portanto, que o Provimento Nº 88 do Ministério da Justiça e Segurança Pública não só está adequado ao panorama internacional de Compliance e combate ao crime organizado e lavagem de capitais, como inclusive poderia ir além incluindo no seu escopo outros ramos vulneráveis aos criminosos como o mercado de artes, pedras preciosas entre outros.

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JOTA

Novas regras entram em vigor em 3 de fevereiro de 2020, e alcançarão tabeliães e oficiais de registro

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