Opinião e Análise

Lígia Formenti

Sob a justificativa de mais controle sobre seus custos, <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/planos-de-saude">planos de saúde</a> deram início a uma silenciosa mudança na forma de atuação. Contratos com hospitais têm sido revistos para que pagamentos sejam feitos por meio de um valor fixo por procedimento e não por itens usados em cada atendimento. É a chamada contratualização.
A mudança não provoca uma redução imediata nos custos, diz o presidente da Unidas Autogestão em Saúde, Anderson Mendes. Os valores acertados são calculados de acordo com a média que é desembolsada atualmente. A grande diferença, diz ele, deve ocorrer no momento da renegociação. “Há maior previsibilidade. Reajustes são feitos por indicadores já combinados”.
Com isso, se houver incorporação de um material mais caro, mais moderno, o preço não será imediatamente levado para a conta da operadora de saúde. “Isso diminui a curva de crescimento dos custos em saúde, que atualmente está em cerca de 17% ao ano”, conta Mendes.
O setor de planos de saúde queixa-se de ter registrado um prejuízo operacional de R$ 1,7 bilhão no primeiro trimestre deste ano. De acordo com as operadoras, esse resultado seria fruto do maior uso dos serviços por parte dos clientes — sobretudo depois do período mais duro da pandemia de Covid-19 — e também por um aumento constante dos produtos relacionados aos serviços de saúde, seja material, seja equipamentos.
As mensalidades são reajustadas. Mendes diz, porém, que essa estratégia não é suficiente para equilibrar as contas, uma vez que o reajuste ocorre no aniversário dos contratos. Por isso, a ideia é tentar também reduzir custos. Seja evitando problemas mais graves entre usuários, por meio de programas de prevenção, seja combatendo o desperdício.
O aumento da contratualização ganhou força depois da pandemia. Contratos que representam 15% do faturamento da autogestão já foram alterados para a forma de pagamento por “pacote”. A expectativa do presidente da Unidas é de que até o fim do ano essa marca chegue a 50%.
Para Mendes, a mudança é registrada no setor como um todo, não apenas nas empresas de autogestão. Segundo ele, cerca de 20% do mercado tem contratos com prestadores que se valem dos pacotes. Antes da pandemia, a contratualização respondia por cerca de 4% do mercado, conta.
Hoje tudo que o hospital usa, seja um pacote de algodão, seja antibióticos ou antiinflamatórios usados depois da cirurgia, é apresentado na conta para o plano de saúde. Mendes avalia que esse modelo pode induzir ao desperdício.
Mas a pergunta óbvia é: qual a garantia de que prestadores de serviços menos comprometidos com seus usuários não passem a economizar comprando materiais de qualidade duvidosa ou usando em quantidade menor do que seria considerada ideal? Isso não poderia salvar as contas das empresas mas, ao mesmo tempo, colocar em risco a saúde dos pacientes?
O presidente da Unidas afirma que as auditorias continuarão a ser feitas. Com a mudança nos contratos, o objetivo será justamente analisar o desfecho. Ele diz ainda que as próprias prestadoras têm um nome a zelar e, portanto, certamente vão se esforçar para garantir a segurança do paciente. “Mas vamos estar vigilantes. Os auditores, que hoje são de conta, de faturamento, serão auditores de qualidade. Eles estão sendo treinados e têm competência para isso.”
Resta saber, no entanto, qual será o empenho dos auditores em identificar os problemas, uma vez que, no caso de desfecho, isso colocaria em risco o modelo defendido pela própria empresa que os emprega.
Diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Antônio Britto confirmou ao JOTA que essa mudança no modelo de contrato tem sido gradual. Para Britto, no entanto, a migração do modelo de pagamento por procedimento para o modelo de contrato, por si só, não é o ideal.
“O melhor caminho para estimular a eficiência é também levar em conta o resultado, o desfecho do caso”, disse.
Para o diretor-executivo, tal parâmetro é essencial para garantir a qualidade na assistência ao paciente. “Hoje, o que se vê é que qualidade na assistência não garante bons pagamentos. E o ideal seria que isso fosse alterado.”
Uma das estratégias para se alcançar esse objetivo e, desta forma, garantir a segurança do paciente, é adotar políticas de estímulo. Algo que poderia ser feito, avalia, pela própria regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Para ele, seria importante também reforçar a cultura de acreditação hospitalar, avaliação feita sobre a qualidade de atendimento. “Isso ainda é muito frágil no país. Há uma resistência tanto de estabelecimentos, quanto de profissionais de saúde a se submeter a esse tipo de processo.”
A comparação entre hotéis e hospitais está longe de ser ideal, reconhece Britto. “Mas hoje, quando você quer se hospedar em algum local, você sabe a classificação do hotel. E um hospital, que é algo muito mais delicado, não há esse controle, um indicativo de qualidade.”
O modelo de contratualização também cresce na saúde pública. Daí a urgência em se pensar em formas de se garantir a qualidade na assistência.
Mendes diz que o modelo de contratualização não poderá substituir totalmente o pagamento por atendimentos específicos. “Em alguns locais a mudança não será possível. Sem falar no caso de alguns procedimentos, como, por exemplo, um atendimento de emergência por acidente de carro.”
Os reflexos dessa mudança que está em curso devem ser observados com cuidado e monitorados de forma detalhada. A saúde de um setor é importante. A saúde do paciente, mais ainda.

UTI equipada com respirador mecânico no Hospital Leonardo da Vinci, no Ceará. Crédito: Tatiana Fortes/Gov. do Cearáa

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JOTA

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