Milton Seligman

O primeiro-ministro de Israel Yitzhak Rabin foi assassinado no dia 4 de novembro, há 25 anos. Foi morto pelo israelense Yigal Amir, um estudante universitário de 25 anos, militante de extrema-direita. O crime ocorreu na saída de uma grande manifestação pela paz, dois anos após a assinatura do acordo de Oslo, entre o Estado de Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
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Rabin foi um israelense notável. Primeiro sabra – nome que caracteriza judeus nascidos em Israel, a assumir a chefia de governo, fez parte da elite militar de seu país, onde foi herói de muitas guerras, como a da Independência, em 1948 e a da Guerra dos Seis Dias, em 1967. Entrou para a política logo depois do “vale de lágrimas” da guerra do Yom Kipur, em 1973. Foi duas vezes primeiro-ministro. A primeira vez entre 1974 e 1977, sucedendo a Golda Meir e depois em 1992. Na volta ao governo, Rabin se definia como um soldado pela paz. Usou seu poder e sua liderança para buscar acordos com os vizinhos palestinos, organizados em torno da OLP, sob a liderança de seu inimigo histórico, Yasser Arafat, seu interlocutor nas tratativas de Oslo.
O <a href="http://institutobrasilisrael.org/">Instituto Brasil-Israel (IBI)</a> nos ofereceu a oportunidade de recordar Rabin sob vários ângulos, conhecer a sua trajetória e a história de seu povo. Entre os eventos patrocinados pelo IBI estava o filme “Incitement”, realizado pelo diretor israelense Yaron Zilberman e vencedor do prêmio Ophir de melhor filme de Israel em 2019.
O filme é uma obra prima. Segue com rigor a lição de Tolstói – se queres ser universal, comece por pintar a sua aldeia, e ele nos conta uma história da sua aldeia. O faz de modo tão claro e preciso que se torna universal, nos descortina o mundo em que vivemos.
O personagem do filme é o assassino. A narrativa nos apresenta suas motivações e as forças que o influenciaram e o inflamaram. Assistimos como aquele jovem estudante de Direito foi incitado ao seu ato criminoso.
Amir é filho de uma família de origem iemenita muito religiosa e observante ortodoxa dos princípios judaicos. Era estimulado pela mãe a ser um grande, alguém capaz de redimir seu povo, a despeito de não ser da elite europeia que comandava Israel, os judeus “ashkenazim”. Esse ressentimento em relação à elite dirigente e intelectual alcançava toda a família e amigos mais próximos. Todos se sentem diminuídos e humilhados por uma intelectualidade secular, que dominava a política de Israel desde a criação do presente estado judeu e não permitia a confusão entre religião com política.
Em um encontro com amigos na casa de uma namorada de origem europeia, que finalmente desmancha o namoro, ele se encontra com colegas do tempo do serviço militar. Estes celebram Amir como um soldado valente, destemido e guerreiro que parecia adorar o confronto bélico. O contraste era claro: o rapaz era pouco admirado nas rodas de conversas e brincadeiras, mas muito celebrado quando o tema era o uso da pólvora.
Amir buscava nos livros sagrados judaicos trechos que de algum modo pudessem indicar que as atitudes pacifistas de Yitzhak Rabin o caracterizavam como um inimigo do povo judeu e que, portanto, deveria ser morto. Os trechos encontrados eram mostrados para rabinos ultraortodoxos que, em tese, estimulavam Amir a prosseguir. Quando, finalmente, ele explicita seu plano para os religiosos esses não se comprometem. Um deles chega a dizer que tomasse cuidado, pois poderia haver gente do serviço secreto infiltrado entre eles. Tomaram cuidado para não deixar indícios de coautoria, mas foram fundamentais como incitadores do crime. Uma vez mais, a explosiva mistura de política com uma religiosidade maniqueísta mostrava toda a sua virulência.
A luta política em Israel, uma democracia de formato ocidental em pleno Oriente Médio, seguia seu rumo e a oposição crescia, fazendo com que o Likud, partido liderado por Benjamin Netanyahu, vislumbrasse retornar ao poder nas próximas eleições.
Para trilhar o caminho da luta política, o líder oposicionista não respeitou limites e elevou o tom das ofensas. Em comícios, houve comparações de Rabin com um “kapo” – denominação dada a judeus obrigados a ajudar nazistas nos campos de concentração – e outras, vestindo-o com o “kafieh” de Arafat, lenço que simboliza os militantes da OLP.
O crescimento do discurso de ódio e o uso de mentiras associadas às atividades do primeiro-ministro estimulavam a direita radical nacionalista a nutrir por seus adversários políticos profundo e inigualável desprezo. Para Amir e seus amigos, o líder dos inimigos do povo precisava ser morto.
O crime também foi estimulado pelos inúmeros atentados terroristas ocorridos na época e assumidos por grupos radicais contrários a Israel. Cada atentado funcionava como combustível para estimular o ódio a uma liderança que buscava a paz. Arafat não conseguia – ou não se esforçava o suficiente para – segurar os grupos contrários à negociação com Israel e Rabin, e juntamente com seu partido, perdia prestígio junto à população. O terror gerava ódio, desejo de vingança na população e fortalecia os segmentos ultra nacionalistas.
O clima de confronto político impedia que os acordos de Oslo fossem implantados em sua totalidade, por conta de uma oposição liderada pelo partido de Netanyahu e pelos extremistas religiosos. Rabin estava em uma situação difícil, pois de um lado não tinha força para avançar na implementação dos acordos e, de outro, era acusado de trair a pátria.
A incitação que levou radicais nacionalistas, ultraortodoxos, ressentidos e humilhados ao assassinato do primeiro-ministro de Israel pode ser resumida na polarização crescente da sociedade, no discurso de ódio, nas mentiras, na intromissão de uma religiosidade simplória e maniqueísta nas políticas públicas e no terrorismo infindável.
Rabin acreditava que a manifestação pública pela paz, de 4 de novembro, confirmava o acerto das negociações de Oslo. Ele estava satisfeito. A caminho do carro oficial, que o aguardava atrás do palco, foi atingido por dois tiros.
O assassino Yigal Amir foi preso no local do crime e, mais tarde, condenado à prisão perpétua. Seus amigos e cúmplices foram igualmente condenados a penas menores. Amir jamais se arrependeu de seu gesto.
Nenhum dos que o incitaram ao crime foram identificados e denunciados pelo Ministério Público. O Likud de Netanyahu venceu eleições alguns meses depois e ele jamais se referiu a Yitzhak Rabin com respeito ou demonstrando empatia com seus familiares, companheiros e amigos.
O filme conta uma história de um país em uma determinada época, mas tem muitas lições para todos - inclusive para nós.

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JOTA

Filme segue com rigor a lição de Tolstói – se queres ser universal, comece por pintar a sua aldeia

Incitação

Filme segue com rigor a lição de Tolstói – se queres ser universal, comece por pintar a sua aldeia