Pandemia

A travessia é coletiva

Todos sairemos mais fracos e mais pobres dessas crises de saúde, econômica e política

travessia

O momento pede grande resiliência e humildade enquanto sofremos uma pandemia totalmente desconhecida. Do pouco que se sabe é que ninguém sai sozinho de uma crise como essa. É impossível. As crises impõem saídas coletivas.

Mas não vamos nos enganar, nos acostumamos a ouvir e a acreditar em pensamentos do tipo “…estamos todos num mesmo barco, em mar tempestuoso, e devemos uns aos outros uma terrível lealdade.”, atribuído ao escritor inglês G.K. Chesterton, no início do século XX.

Será que estamos num mesmo barco? Definitivamente não estamos. Estamos todos sob a mesma tormenta, mas não no mesmo barco.

Pessoas, empresas e administrações públicas vivem, cada uma a seu modo, situações próprias, complexas e distintas entre si. São totalmente diferentes os desafios, os sofrimentos e as possibilidades de superação. As enormes diferenças sociais do Brasil ilustram o quadro e não podem mais ser desconsideradas.

Sabemos que vamos precisar uns dos outros para sair da crise e uma sociedade desigual não é pródiga em formar alianças e parcerias. Uma sociedade desigual é competente em criar conflitos e polarizações.

As interdependências são fáceis de serem observadas.

Pessoas precisam de empresas e de serviços públicos para levarem uma vida digna. Empresas geram a maior parte dos empregos no Brasil e para isso precisam funcionar. Nossos sistemas de educação e saúde são majoritariamente públicos e constituem o maior instrumento de distribuição de oportunidades. Mesmo na pandemia, o isolamento social só é possível porque existem prestadores de serviços como entregadores de alimentos, profissionais de saúde, servidores das áreas de segurança pública, energia, telecomunicações e tantos outros.

As empresas precisam de mercado consumidor, no Brasil e no exterior. Mesmo em uma crise, com o modo sobrevivência ligado, são obrigadas a considerar seus empregados, seus líderes internos, sua cadeia de suprimentos, seus clientes e os consumidores de seus produtos. Muitos desses parceiros e aliados estão parados e precisam de ajuda para levantar-se e não sucumbir. Precisarão, igualmente, se relacionar com o poder público e buscar cenários de regulação de atividades e políticas tributárias que sejam adequadas a conjuntura.

O sistema público vive para prestar serviços para a sociedade e vive dos recursos que são recolhidos dela, na forma de impostos. Não há interdependência mais clara.

O que não é claro no Brasil é a necessidade de incluir toda a população na construção de um novo normal pós pandemia.

Todos sairemos mais fracos e mais pobres dessas crises de saúde, econômica e política.

O setor público começou o ano muito endividado e isso só piorou. A conta será paga por todos e será necessário conscientizar e buscar compromissos da sociedade brasileira para enfrentar os sacrifícios que virão.

As empresas estão muito descapitalizadas e com menos mercado interno para suas operações. Muitas precisarão de ajuda e isso deverá ser feito dentro de uma estratégia de geração de valor para a sociedade, para a administração pública e para as empresas. Tudo com muita transparência e cuidados com o cumprimento das normas legais.

Os desafios sociais, principalmente nas áreas de educação e saúde, juntamente com os ambientais, de infraestrutura e muitos outros seguirão na agenda e todas as administrações públicas precisarão cooperar entre si e contar com redes de relacionamento com outros países e com organismos multilaterais de cooperação.

Claro que o foco segue sendo cuidar das vidas que continuam ameaçadas pela pandemia da Covid-19.

Evidente, também, que precisamos de uma liderança nacional que olhe os problemas de frente, construa solidariedade social, acalme os ânimos, diminua a polarização que provoca muito calor e nenhuma energia e convoque a todos para somar na busca de soluções.

Precisamos juntar as forças desse grande e rico país para fazer a travessia para tempos melhores dentro do regime democrático. Teremos que nos valer de alianças construídas com governos estaduais, municipais e dentro da cidadania.

Temos que seguir defendendo um Poder Legislativo e um Poder Judiciário independentes e com senso de responsabilidade com a nação.

O grande desafio, entretanto, é colocar na agenda de todos, pessoas, empresas e administrações públicas a necessidade de enfrentar o gigantesco fosso social e as diferenças de oportunidades existentes em nosso Brasil.

Só assim seremos capazes de criar uma “terrível lealdade” que é fruto da fraternidade e da solidariedade que nossa sociedade ainda não demonstra.