Pedro Adamy

Reivindicações de trabalhadores são legitimas. Isso não se contesta. Reivindicações de servidores públicos são igualmente legítimas. Sobre isso não se lança qualquer dúvida. Igualmente, não se levanta qualquer dúvida sobre a importância do Carf para o direito tributário brasileiro. Como verdadeiro tribunal administrativo, suas decisões influenciam a interpretação e a aplicação do direito tributário federal de maneira relevante.
Ao longo dos anos, o Carf passou a exercer um papel central na conformação do direito tributário brasileiro. Sua jurisprudência deixou de ser considerada como um elemento lateral nas discussões sobre a interpretação da legislação tributária, para assumir local de destaque nas discussões nacionais sobre os grandes temas do direito tributário brasileiro.
Por essas razões, ainda que se possam compreender a relevância e legitimidade das reivindicações dos membros do Conselho por melhores condições e remuneração, e de seu apoio aos colegas da Receita Federal, não se mostra como uma solução ideal a paralisação de um órgão com a relevância do Conselho em virtude de tais reivindicações. Por meio da Portaria 344, de 17 de janeiro deste ano, foram suspensas as sessões de julgamento <a href="http://idg.carf.fazenda.gov.br/noticias/2022/carf-comunica-suspensao-de-todas-as-sessoes-de-julgamento-agendadas-para-o-periodo-de-24-a-28-de-janeiro">“em razão da falta de quórum regimental para instalação e deliberação do colegiado”.</a>
É difícil dimensionar os prejuízos causados pela suspensão de todas as sessões de julgamento do Carf. Com efeito, o <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-carf/o-carf-entre-os-julgamentos-virtuais-e-presenciais-26012021">Conselho foi exemplar na condução de suas atividades durante a pandemia</a>. Iniciou com sessões envolvendo processos de menor valor e baixa complexidade. Ao perceber que a sistemática funcionava, o Conselho ampliou o valor que poderia ser objeto de julgamento em sessões virtuais. Isso demonstra que o próprio Conselho, e sua administração superior, compreendem a importância de manter a jurisdição administrativa atuante, sem comprometer a qualidade dos julgamentos e das deliberações entre os conselheiros.
Por isso mesmo, a suspensão dos julgamentos afeta direitos, interesses e valores muito caros ao sistema tributário brasileiro que merecem ser analisados.
De um lado, os contribuintes que esperam a solução de seus recursos por anos. Segundo dados do próprio Carf, a média de tramitação nas instâncias ordinárias é de aproximadamente 1.200 dias. Não se compute nesse prazo os mais de 500 dias, conforme os dados disponibilizados pelo Carf, para o julgamento final na Câmara Superior. Esses dados demonstram que qualquer paralisação, por menor que seja, tem o condão de impactar negativamente na duração dos processos submetidos a julgamento perante o Conselho.
Ainda, e mais relevante, os contribuintes enxergam no Carf um importante instrumento de padronização dos entendimentos da fiscalização federal. A demora nos julgamentos acarreta em divergências interpretativas nas diferentes autoridades federais fiscalizadoras, o que pode gerar ainda mais insegurança e autuações indevidas.
De outro lado, a União, que tem bilhões em autuações que podem, em caso de vitória, converter-se em recursos ao erário. Segundo dados do próprio Conselho, o estoque do Carf representa um valor expressivo, <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/valor-de-processos-em-estoque-no-carf-aumenta-r-177-bilhoes-em-2021-03122021">chegando a quase R$ 1 trilhão</a>. A suspensão de julgamentos do Carf acarreta, ainda que indiretamente, uma redução na arrecadação, ou, ao menos, uma demora ainda maior na definição sobre se os valores envolvidos nos recursos são ou não devidos à União. Em tempos de crise econômica e inflação alta, certamente não é do interesse da União a demora na definição de questões tributárias que podem, em caso de vitória da União, trazer bilhões de reais ao orçamento federal.
Ainda, as autoridades fiscalizadoras federais utilizam a jurisprudência do Carf como norteadora para a sua conduta. Sem que o Carf decida de maneira definitiva, haverá autuações desnecessárias, e a alocação de força de trabalho que seria mais bem utilizada em outras matérias ou outros contribuintes.
Acima desses interesses, no entanto, está o direito tributário, a sua interpretação e a segurança jurídica. Os julgamentos do Conselho oferecem aos contribuintes e à comunidade jurídica elementos que auxiliam na interpretação, na conformação e na aplicação do direito tributário federal. Da mesma forma, a jurisprudência do Conselho atua como elemento norteador das condutas dos contribuintes, sendo vetor interpretativo para parcela relevante das operações empresariais. Tudo isso contribui para a construção da segurança jurídica no direito tributário, com a consolidação de posições e interpretações sobre aspectos controvertidos da legislação tributária federal.
Por fim, e como já afirmado, o Carf deixou de ser mera instância revisora da legalidade dos atos da Receita Federal do Brasil. Atualmente, ele exerce uma função própria, de verdadeiro Tribunal Administrativo, que é buscado por todos os contribuintes que buscam uma solução técnica para suas discussões tributárias. Da mesma forma, a jurisprudência do Carf deixou de ser apenas mais um elemento a ser analisado, para exercer um papel central nas discussões tributárias brasileiras.
Exatamente por isso, o Carf não pode parar.

Carf

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JOTA

Conselho exerce um papel central na conformação do direito tributário brasileiro; exatamente por isso, não pode parar

O Carf não pode parar

Carf exerce um papel central na conformação do direito tributário brasileiro; exatamente por isso, não pode parar