Thaís Helena Aguiar

Bruno R. Bioni

Quando a proteção de dados e as garantias dos titulares são discutidos no contexto de eleições, as questões mais frequentes dizem respeito à responsabilidade dos partidos e candidatos no tratamento de dados de eleitores, considerando tanto direitos e garantias dos cidadãos quanto profundas implicações que práticas abusivas podem ter para o próprio processo democrático. Em um mundo movido a dados e altamente competitivo, a busca por resultados favoráveis revelou problemas como manipulação de eleitores, propaganda direcionada, táticas de segmentação e falta de transparência - pontos que ganharam tamanha evidência após escândalos como o da Cambridge Analytica que deixaram a seara dos estudos para serem debatidos até mesmo no <a href="https://www.netflix.com/br-en/title/80117542" target="_blank" rel="noopener noreferrer">entretenimento</a>.
Sem prejuízo <a href="https://observatorioprivacidade.com.br/2020/02/14/protecao-de-dados-pessoais-e-eleicoes-um-debate-urgente/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">dessa ótica</a>, importa lembrar que tão necessário quanto discutir as garantias dos eleitores e a preservação do processo eleitoral é abordar, também, os direitos dos candidatos em relação aos seus dados pessoais. Isso porque eleições precisam tornar públicas diversas informações pessoais e patrimoniais dos candidatos, pois a transparência sobre o pretenso ocupante de cargo público é condição que propicia votos conscientes. Diante desse compromisso imprescindível ao regime político democrático, é possível falar em uma coexistência harmônica entre privacidade dos candidatos e publicização de seus dados pela transparência do processo? 
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
A dúvida foi um dos temas do recém-ocorrido evento “Proteção de dados: A LGPD e seus impactos na Justiça Eleitoral e na Administração Pública”, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o qual contou com a participação da <a href="https://www.dataprivacybr.org/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa</a> que faz parte de um grupo de estudos sobre o <a href="https://www.internetlab.org.br/pt/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Internetlab</a> e uma outra série de entidades. Na quarta-feira (10/02/2021), o tópico dos dados pessoais dos candidatos foi abordado em painel dividido entre Bruno Bioni, diretor-executivo e fundador da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa e Diogo Rais, do <a href="http://www.institutoliberdadedigital.com.br/site/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Instituto Liberdade Digital</a> (ILD). No painel, os expositores discutiram as garantias de privacidade dos candidatos e o equilíbrio com transparência e história dos processos eleitorais, bem como promoção da democracia.
Já no início de sua exposição, Bioni lembra que é necessário um alinhamento conceitual entre os direitos à privacidade e à proteção de dados para superar as tensões que surgem no contexto eleitoral. Quanto ao ponto, Bioni explica que o direito à proteção de dados pessoais é um direito autônomo e que trabalha com a liberdade positiva, distinto do direito à privacidade - o qual, por sua vez, é concebido dentro de uma lógica de liberdade negativa. Isto é: enquanto o direito à privacidade está mais associado à possibilidade de transferir determinada informação da esfera pública para a esfera privada - o que revelaria um choque com a transparência -, o direito à proteção de dados pessoais trabalha em uma dinâmica completamente distinta, de circulação de informações - seja dos candidatos, seja dos eleitores.
Com o debate enquadrado no prisma da proteção de dados, que ressalta o valor dos dados em sua circulação, Bioni desfaz a aparente incompatibilidade entre proteção de dados e registro e memória nas eleições. Isso porque a proteção de dados surge não apenas para resguardar os titulares de dados pessoais - no caso, os candidatos - como também as organizações que precisam tratá-los - como as entidades públicas. Voltada às duas realidades já em seu conceito, a proteção de dados permite analisar o processo eleitoral de modo a atender tanto os requisitos de publicidade do processo quanto as garantias dos candidatos.
No painel, também foi ressaltado que a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13709.htm" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Lei Geral de Proteção de Dados</a> (LGPD) internaliza essa noção e comporta duas passagens de suma importância para o tratamento dos dados pessoais de candidatos: quais sejam, seus princípios e bases legais de tratamento. As bases legais incluem hipóteses autorizativas para o uso de dados como a execução de políticas públicas, bem como acrescem responsabilidades aos agentes de tratamento quando tais informações são consideradas sensíveis (arts. 7º e 11).
Já princípios como finalidade, necessidade e adequação fixam diretrizes para balizar os limites e possibilidades da divulgação de informações relativas a candidatos durante o processo eleitoral.
<blockquote class="jota-article__eye">Vale lembrar que os dados pessoais divulgados incluem nome completo, declaração de bens, filiação partidária e uma série de outras informações consideradas sensíveis e que expõem os candidatos aos mais variados riscos, como ataques durante a campanha e assédio direcionado.</blockquote>
Quanto ao ponto, Diogo Rais destaca os desafios que surgem de uma transformação digital acelerada, sendo que a transparência eleitoral foi concebida em um mundo analógico e que não tinha como prever problemas atuais como o doxxing. Em síntese, o painel enfatiza que é preciso pensar a proteção de dados de candidatos não apenas por terem garantias como qualquer outra pessoa, mas também porque as particularidades das eleições tornam importante protegê-los de exposições indevidas.
Em continuidade, o debate também abordou recente decisão do TSE a respeito de retirada de dados pessoais de um ex-candidato na plataforma de transparência DivulgaCand. No processo (processo administrativo nº 0600448-51.2019, DJe pub. 04.08.2020, p. 29), julgado antes da entrada em vigor da LGPD e sob relatoria do ministro Og Fernandes, o TSE decidiu por unanimidade que os dados pessoais do candidato não eleito deveriam ser classificados como “não disponíveis” na plataforma de transparência, considerando a perda do interesse público e o exaurimento da publicidade pelo encerramento do processo eleitoral.
A decisão reforça a jurisprudência pacífica que já vinha nesse sentido, mas destaca-se por fazer menção expressa à LGPD e ao direito à privacidade dos candidatos. Bastante comentada à época, a decisão do TSE foi considerada um importante marco na proteção de dados no âmbito eleitoral por incorporar os desenvolvimentos normativos sobre o tema.
Ainda a respeito, Bioni comentou que o posicionamento do TSE é um exemplo prático de aplicação dos princípios da LGPD e que considera o ciclo de vida dos dados para fins eleitorais, preservando a transparência enquanto necessária no processo e observando as garantias dos titulares em seu desfecho. Isso ocorre sem prejuízo da memória das eleições, uma vez que o TSE pode manter os dados anonimizados para fins de série histórica.
Complementando a fala, Diogo Rais explicou que não há um choque entre privacidade, transparência e memória, pois a proteção de dados não é o antônimo desses valores, mas sim o caminho para que o processo eleitoral ocorra da melhor forma possível atendendo tanto aos interesses coletivos quanto às garantias individuais.
Para mais informações, o evento foi transmitido ao vivo e está disponível no <a href="https://www.youtube.com/channel/UC1kilS1DdyYOEGItHPRukBw" target="_blank" rel="noopener noreferrer">canal do Youtube</a> da Justiça Eleitoral. A transmissão do painel com a participação do Data Privacy Brasil pode ser consultada <a href="https://www.youtube.com/watch?v=VlspfK1YBOE" target="_blank" rel="noopener noreferrer">aqui</a> e o tópico também foi um dos temas contemplados pela <a href="https://www.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2020/09/internetlab_protecao-de-dados-nas-eleicoes.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">publicação</a> “Proteção de dados nas eleições: democracia e privacidade”, elaborada de forma conjunta pelas entidades InternetLab, Instituto de Liberdade Digital e Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa.
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O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw
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JOTA

É possível falar em coexistência harmônica entre privacidade dos candidatos e transparência de dados?

Dados pessoais de candidatos: privacidade, transparência, história e memória

É possível falar em coexistência harmônica entre privacidade dos candidatos e publicização de dados pessoais pela transparência do processo?