Eugenia Cristina Cleto Marolla

Rafael Carvalho de Fassio

A função não contenciosa da Advocacia Pública no Brasil envolve o exercício das atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo (art. 131 e 132 da Constituição). A distinção entre essas duas tarefas é mais fácil na teoria do que na prática, mas parece haver uma clara diferença no que diz respeito à forma de mensuração dessas atribuições. De um lado, se a consultoria tem no número de pareceres emitidos mensalmente um indicador claro e relativamente preciso, há ainda muita incerteza envolvendo o exercício de atividades de assessoramento. Nesse contexto, ainda marcado por muitos pontos em aberto, este ensaio discute a experiência da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE/SP) na estruturação de um novo modelo de atuação consultiva para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&amp;I).
A Lei nº 10.973/2004 ocupa o centro de um marco legal transversal e multidisciplinar que, até pouco tempo atrás, era muito pouco explorado nas faculdades de direito. Na época, a relativa escassez de estudos jurídicos sobre o tema contribuía para que as várias possibilidades interpretativas, fruto da vagueza e da amplitude do próprio texto legal, provocassem muitas incertezas na sua aplicação. Por exemplo, não era claro se o artigo 20 da Lei de Inovação previa uma efetiva hipótese de compra pública (a encomenda tecnológica) ou se enunciava apenas uma conexão abstrata entre tecnologia e o poder de compra do Estado<a href="applewebdata://276D695D-DA34-4181-9A2A-519E02AA968F#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Esse cenário causava grande indefinição ao controle, que era exercido à moda de outros instrumentos de direito administrativo e sob a influência de outras legislações, especialmente da Lei nº 8.666/1993.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
O Projeto de Lei nº 2.177/2011, de autoria do Deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), buscou criar um “Código de Ciência, Tecnologia e Inovação”<a href="applewebdata://276D695D-DA34-4181-9A2A-519E02AA968F#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, para reunir em um único diploma as principais normas sobre o tema no Brasil. Maria Paula Dallari Bucci e Diogo Coutinho ressaltam o caráter simbólico da figura do Código, visto como “(...) resposta da comunidade científica a toda a área de controle (especialmente o Tribunal de Contas da União, a Advocacia Geral da União e a Controladoria Geral da União, englobados na expressão jocosa “Sistema U”)”. A existência de um código preservaria os institutos públicos de pesquisa do controle excessivo, pois “(...) a comunidadepoderia dizer: ‘agora temos a nossa lei!’, ‘não nos sujeitamos mais à sua Lei de Licitações’” <a href="applewebdata://276D695D-DA34-4181-9A2A-519E02AA968F#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Entretanto, a proposta deu lugar a uma estratégia de revisão pontual da legislação que resultou na Emenda Constitucional nº 85/2015 e na Lei nº 13.243/2016, responsável pela alteração da Lei de Inovação e diversas outras leis relacionadas a CT&amp;I.
<blockquote class="jota-article__eye">Mesmo com a nova redação, o emprego dos instrumentos previstos na Lei de Inovação permaneceu abaixo do esperado.</blockquote>
Aliás, o levantamento realizado por <a href="https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&amp;view=article&amp;id=35147" target="_blank" rel="noopener noreferrer">André Rauen, do IPEA</a>, revela de forma eloquente o uso quase inexpressivo da encomenda tecnológica entre 2010 e 2019. É verdade que ainda faltam dados estruturados sobre compras públicas de inovação no Brasil, bem como sobre a frequência com que, efetivamente, tais contratos são julgados irregulares e os gestores por eles responsáveis são apenados. Entretanto, as evidências disponíveis até aqui convergem para o argumento de que o uso escasso desses instrumentos se deve, em grande parte, à indefinição sobre como os processos serão posteriormente analisados pelos órgãos de controle.
O lado positivo de ser visto como parte do problema é poder oferecer caminhos efetivos para a sua resolução. Por isso, e na linha de outras iniciativas empreendidas por órgãos na esfera federal, como a AGU e o TCU, a PGE/SP estruturou um novo modelo de assessoramento para a área de CT&amp;I que coloca a insegurança jurídica na mira e aposta na aproximação entre a Advocacia Pública e as instituições públicas de pesquisa para inverter esse cenário.
O primeiro passo foi criar, em 2019, um Núcleo Temático de Propriedade Intelectual e Inovação, ligado ao Centro de Estudos da PGE/SP, para fomentar os debates sobre o tema na carreira. O núcleo foi fundamental para o segundo passo: uniformizar interpretações e entendimentos internos sobre o Marco Legal de CT&amp;I. A <a href="https://app.box.com/s/9p0wpkpj03zhpk6smjmkv5syknc1s3a4" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Nota Técnica SubG-Cons nº 11/2020</a> buscou solucionar pontos controversos da legislação, como a relação de fundações de apoio com as instituições apoiadas, a operacionalização de direitos de propriedade intelectual e a natureza jurídica de alguns dos instrumentos jurídicos previstos na Lei de Inovação.
O terceiro passo dessa trajetória foi dado no último dia 25 de março, quando foi lançado o <a href="https://ideiagov.sp.gov.br/toolkit/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Toolkit do Marco Legal de CT&amp;I</a>, no Fórum de Inovação em Governo do Programa IdeiaGov. Elaborado pela PGE/SP com apoio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o toolkit busca simplificar a aplicação da Lei de Inovação pelos gestores públicos. Para tanto, apresenta modelos para cinco instrumentos jurídicos – encomenda tecnológica, concursos de inovação, contratações diretas, acordos de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação e contratos de licenciamento e transferência de tecnologia – e uma lista de verificação que sistematiza os requisitos previstos na legislação federal e estadual de CT&amp;I.<img class="aligncenter size-full wp-image-308332" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/04/fluxograma-de-decisao-dos-gestores-para-compras-publicas-de-inovacao-scaled.jpg" alt="" width="2560" height="1810" />
Os modelos do toolkit foram adaptados a partir de documentos reais, como os concursos de projetos promovidos pelo <a href="http://mobilab.prefeitura.sp.gov.br/projetos/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">MobiLab, da Prefeitura de São Paulo</a>, a <a href="https://www.gov.br/aeb/pt-br/programa-espacial-brasileiro/encomenda-tecnologica-etec/documentos-1" target="_blank" rel="noopener noreferrer">encomenda tecnológica da Agência Espacial Brasileira</a>, acompanhada de perto pelo Laboratório de Inovação do TCU, e o contrato de <a href="https://portal.fiocruz.br/noticia/fiocruz-divulga-contrato-de-encomenda-tecnologica-com-astrazeneca#:~:text=Fiocruz%20divulga%20contrato%20de%20encomenda%20tecnol%C3%B3gica%20com%20a%20AstraZeneca,-29%2F10%2F2020&amp;text=%E2%80%9CO%20acordo%20com%20a%20AstraZeneca,para%20Bio%2DManguinhos%2FFiocruz." target="_blank" rel="noopener noreferrer">encomenda celebrado pela FIOCRUZ com a AstraZeneca</a> para o fornecimento da vacina contra o novo coronavírus. Além disso, os documentos incorporam recomendações e boas práticas internacionais, como as veiculadas pela alemã <a href="https://procure2innovate.eu/fileadmin/user_upload/Documents/KOINNO_PublicProcurementofInnovation.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">KOINNO</a>, a agência holandesa <a href="https://www.pianoo.nl/sites/default/files/documents/documents/procurementforinnovativeproposalsdecember2011.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">PIANOo </a>e o toolkit desenvolvido pela <a href="https://eafip.eu/toolkit/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">EAFIP</a> (European Assistance for Innovation Procurement) na União Europeia.
O percurso percorrido até aqui pretendeu fornecer uma nova dimensão de ferramentas de trabalho aos gestores, já acostumados a receber da jurisprudência orientações do que não fazer, mas que têm diante de si poucos relatos de bons exemplos a seguir. Essa, portanto, não é uma linha de chegada, mas um ponto de partida de muitos novos caminhos para que a Advocacia Pública possa ressignificar o assessoramento jurídico na área de CT&amp;I.
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}, 3000);
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<a href="applewebdata://276D695D-DA34-4181-9A2A-519E02AA968F#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> SUNDFELD, C.A.; CAMPOS, R. P. “Incentivo à inovação tecnológica nas contratações governamentais: um panorama realista quanto à segurança jurídica”. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 5, n. 60, dez. 2006.
<a href="applewebdata://276D695D-DA34-4181-9A2A-519E02AA968F#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Esse ponto foi ressaltado na Justificativa do PL n. 2.177/2011: "Um dos principais entraves é a legislação de regência, que, não obstante se considerar os avanços já contidos nos textos da Lei Federal de Licitações, Lei de Inovação e Lei do Bem, ainda está aquém do dinamismo e da realidade do setor (...). O regramento para aquisições e contratações, no âmbito da CT&amp;I, deve ser mais célere e descomplicado, afastando-se do setor a incidência da atual Lei Federal de Licitações, cuja morosidade de procedimentos vem obstaculizando, senão inviabilizando, um sem-número de projetos científicos e de inovação que poderiam resultar em inimagináveis ganhos diretos e indiretos para a sociedade” (BUCCI; COUTINHO, 2017, nt. 25, p. 329).
<a href="applewebdata://276D695D-DA34-4181-9A2A-519E02AA968F#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> BUCCI, M. P. D.; COUTINHO, D. R. "Arranjos jurídico-institucionais da política de inovação tecnológica: uma análise baseada na abordagem de direito e políticas públicas" In: COUTINHO, D.; FOSS, M. C.; e MOUALLEM, P. S. (Org.) Inovação no Brasil - avanços e desafios jurídicos e institucionais. São Paulo: Blucher, 2017. pp. 313-339. Cit. pp. 329-330

inovação

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JOTA

Toolkit do Marco Legal de CT&I, elaborado pela PGE/SP, reúne modelos para facilitar a aplicação do marco legal em SP

Inovação na advocacia pública: o toolkit do marco legal de ciência e inovação

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