Paulo Roberto G. de Carvalho

Como forma de estímulo a complementar o regime de previdência social, o artigo 202, §2º da Constituição Federal de 1988 tratou de considerar imunes os pagamentos/aportes/contribuições aos Planos de Previdência Privada da incidência das contribuições previdenciárias e direitos trabalhistas, desvinculando tais pagamentos remuneração do trabalhador, conforme disposto no artigo 202:
"Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência sócia, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar:
(...)
<ul>
<li style="list-style-type: none;">
<ul>
<li>2º. As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei."</li>
</ul>
</li>
</ul>
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Na sequência, a Lei nº. 8.212/91 (Plano de Custeio da Seguridade Social) expressamente determinou que as contribuições aos planos de previdência privada não integram o salário de contribuição, a saber:
"Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição: (...) 
<ul>
<li>9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: (...)</li>
</ul>
<ol>
<li>p) o valor das contribuições efetivamente pago pela pessoa jurídica relativo a programa de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes,observados, no que couber, os arts. 9º e 468 da CLT;"</li>
</ol>
E é sobre este conceito de disponibilidade a todos os empregados e dirigentes, disposto pelo art. 28, §9º, "p" da Lei nº. 8.212/91, que reside a polêmica ora em voga e abordada neste espaço.
De forma restritiva, a Fiscalização passou a defender que o plano de previdência privada só poderia ser considerado oferecido à totalidade dos empregados se houvesse algum tipo de efetivo pagamento de contribuição ao plano pela empregadora patrocinadora para todos os trabalhadores que aderissem ao plano.
Isso porque é muito comum que as empresas estabeleçam critérios de elegibilidade em seus planos de previdência complementar privada, justamente em razão da natureza complementar à Previdência Social, para a qual todos os empregados são segurados obrigatórios.
Logo, tais planos podem estabelecer, como elegibilidade, diversos critérios que reafirmam esta natureza de complementariedade à Previdência Social, como a determinação de que as contribuições da empresa só ocorrem nos casos dos salários que superam o limite de benefício do INSS ou algum valor ou unidade de valor estipulada pelo plano.
No âmbito administrativo, o entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) ainda é dividido sobre o assunto.
Por um lado, a Câmara Superior do CARF tem sido consistente na interpretação de que, para planos criados em Entidades Abertas de Previdência Complementar (EAPC), i.e. vinculadas aos bancos e seguradoras, não há a obrigação de a empregadora pagar efetivas contribuições aos empregados, por conta do disposto expressamente nos artigos 68 e 69 da Lei Complementar nº. 109/2001<a href="applewebdata://BE4A0548-E995-4DD0-BD9E-41CC56B88524#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Por outro lado, a mesma Câmara Superior do CARF tem entendido que, para planos criados em Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), e.g. fundos de pensão e fundos multipatrocinados, o disposto no artigo 16 da Lei Complementar nº. 109/2001 cominado com o artigo 28, §9º, "p" da Lei nº. 8.212/91 levariam à conclusão de que há a obrigação de a empregadora pagar efetivas contribuições a todos os trabalhadores que aderirem ao plano para cumprimento do requisito de isenção ou imunidade condicionada.
Nesta mesma linha também há precedentes de Turmas Ordinárias no sentido de que "Não atende à legislação isentiva o Plano de Previdência Privada que não alcança a totalidade dos empregados da empresa instituidora, não sendo suficiente a mera possibilidade de participação exclusivamente com aportes pessoais do participante, sem a contrapartida da patrocinadora, em particular quando se fala nos que recebem os menores salários" (Processo nº 10830.720746/2014­28 - Acórdão nº 2201­003.789 –  2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária - Sessão de 08 de agosto de 2017).
Esta interpretação restritiva quantos aos planos em EFPCs, todavia, não é consolidada. Ainda no âmbito do CARF é possível identificar precedentes de Turma Ordinária que, por exemplo, decidiu favoravelmente à tese dos contribuintes no sentido de que a mera existência de tipos de contribuições diferentes não seria causa suficiente para afastar a isenção previdenciária, in verbis:
"(...). Pela análise da legislação verifica-se que a única condição, determinação, para que os valores não integrem o SC é que o plano seja disponibilizado a todos os segurados.
É de se ressaltar a determinação sobre interpretação da legislação tributária contida no Art. 111 do CTN. (...).
A interpretação literal limita-se ao texto legal, não cabendo maiores discussões sobre os diversos significados que uma palavra ou uma expressão podem ter.
Portanto, tanto para os contribuintes quanto para o Fisco, não há como interpretar a legislação que concede isenção de maneira que não seja literal.
Assim, como na legislação há como única condição para o usufruto da isenção que o a programa de previdência complementar, aberto ou fechado, esteja disponível totalidade de seus empregados e dirigentes, e, como no presente caso, há a disponibilização de um único plano a todos os empregados, não há como tributar esses valores.
(CARF 2a. Seção / 2a. Turma da 4a. Câmara / ACÓRDÃO 2402-01.291 Publicado no DOU em: 20.05.2011).
Também neste racional, de forma mais recente, a 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção do CARF decidiu que "De conformidade com o artigo 28, § 9°, da Lei n° 8.212/91, o exclusivo pressuposto legal para afastar a tributação dos valores pagos aos empregados e dirigentes a título de previdência privada é a extensão à totalidade dos funcionários, inexistindo qualquer vedação legal à inexistência de isonomia entre os aportes, não podendo o aplicador da lei conferir interpretação que não decorre do bojo da própria norma legal". (ACÓRDÃO 2202¬004.086 - Processo n° 16682.720773/2013¬47 - 8 de agosto de 2017).
Aliás, contraditoriamente ao posicionamento da Câmara Superior do CARF, é importante destacar que há até precedente de primeira instância, da Delegacia Regional de Julgamento, reconhecendo que o Plano de Previdência Privada em EFPC precisa apenas estar aberto à adesão de todos os empregados e dirigentes, a saber:
"(...) Contudo, a efetiva contribuição da patrocinadora em relação aos participantes não é requisito exigido pela lei à supressão da incidência da contribuição previdenciária, limitando-se a lei a exigir a extensão do plano a todos os segurados da empresa. A questão da ausência de contribuição por parte da patrocinadora é questão que se limita à relação jurídica contratual e à questão atuarial, aspectos estes absolutamente irrelevantes à norma de tributação. (...).
Ex positis, concluo pela procedência da impugnação apresentada, exonerando o crédito tributário constituído pelo Auto de Infração DEBCAD nº 35.858.9673. É como voto."
(Processo Administrativo nº. 35403.002613/2006-27 - NFLD nº. 35.858.967-3 - Acórdão 05-37.149 - 6ª Turma da DRJ - Sessão de 13.04.2012)
Ante tal cenário controvertido na esfera administrativa, a evolução da jurisprudencial judicial será de grande relevância para a pacificação da questão. Apesar de não haver grande volume de precedentes, é importante destacar os exemplos que já começaram a surgir sobre este assunto específico.
Por exemplo, nos autos da Ação Anulatória nº. 5004888-90.2018.4.03.6105, foi prolatada sentença, em 2020, reconhecendo como indevidas as cobranças de contribuições previdenciárias sob o argumento de que a mera disponibilização da adesão a todos os empregados já seria suficiente, a saber:
(...) A exigência legal para que o valor das contribuições efetivamente pago pela pessoa jurídica ao plano de previdência complementar, aberto ou fechado, não integre o salário–de-contribuição é que referido plano esteja disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes. (...)
Destarte, entendo que a Autora cumpriu os requisitos estabelecidos na legislação de regência, razão pela qual tais valores estariam isentos de incidência de contribuições previdenciárias e das contribuições destinadas aos terceiros. Portanto, independentemente do valor do salário recebido pelo funcionário, considerando que todos são elegíveis ao referido plano, a existência de tipos distintos de contribuições para o programa de previdência complementar não constitui óbice para reconhecimento da isenção pretendida, mormente considerando que a Autora é obrigada a realizar uma contribuição mínima creditada na conta coletiva do fundo de reserva para garantia de um benefício mínimo para cada funcionário".
De forma não diversa, o Superior Tribunal de Justiça - STJ, há mais de uma década, já havia proferido um precedente muito semelhante ao defendido acima, ao não aceitar a interpretação restritiva do Fisco, que acabara por criar requisito não presente na legislação, a saber:
 "(...). Nesse sentido, ao dispor sobre os valores pagos a título de previdência complementar e de assistência médica ou odontológica, a única exigência legal é de que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa. (...).
Essa disciplina foi respeitada também por ocasião da regulamentação dos pagamentos efetivados pelo contribuinte a título de previdência complementar e de assistência médica ou odontológica, nestes termos: (…)".
(STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 660.202 - CE - MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES 05/2010).
Como se vê, tais decisões estão pautadas no artigo 111, II, do Código Tributário Nacional, o qual aduz que a lei que dispõe sobre isenção fiscal deve ser interpretada literalmente, concluindo que a Lei previdenciária determina, simplesmente, que seja fornecida a oportunidade de que todos os empregados e dirigentes participem do plano, independentemente de igualdade de regras e condições.
Aliás, para um exercício de analogia, cumpre trazer à presente análise o precedente da Câmara Superior do CARF no qual restou entendido improcedente o argumento do Fisco de que seria necessário que todos os funcionários recebessem o mesmo plano de saúde para garantir a não-incidência (Acórdão nº. 9202-00.295), sendo que tal racional também poderia ser aplicado aos requisitos legais para isenção previdenciária sobre valores pagos a título de Previdência Privada.
Portanto, apesar de a jurisprudência do CARF ainda ser controvertida, verifica-se que os precedentes judiciais têm corroborado a tese de interpretação menos restritiva e mais literal, sem a criação de novos requisitos, no sentido de que não seria necessário que a empregadora efetuasse o mesmo tipo de contribuição/depósito no plano de previdência privada de todos os participantes, sendo somente necessário que tal plano seja oferecido à possibilidade de adesão a totalidade dos empregados e dirigentes.
<hr />
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<a href="applewebdata://BE4A0548-E995-4DD0-BD9E-41CC56B88524#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 68. As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstos nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência complementar não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes.
<ul>
<li>
1oOs benefícios serão considerados direito adquirido do participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano.
</li>
<li>
2oA concessão de benefício pela previdência complementar não depende da concessão de benefício pelo regime geral de previdência social.
</li>
</ul>
Art. 69. As contribuições vertidas para as entidades de previdência complementar, destinadas ao custeio dos planos de benefícios de natureza previdenciária, são dedutíveis para fins de incidência de imposto sobre a renda, nos limites e nas condições fixadas em lei.
<ul>
<li>
1oSobre as contribuições de que trata o caput não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza.
</li>
<li>
2oSobre a portabilidade de recursos de reservas técnicas, fundos e provisões entre planos de benefícios de entidades de previdência complementar, titulados pelo mesmo participante, não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza.
</li>
</ul>

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JOTA

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