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Soluções alternativas de resolução de conflitos chegam à Suprema Corte

A Resolução 697/2020 trouxe protagonismo para a mediação e a conciliação dentro da mais alta instância do Poder Judiciário

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Prédio do STF. Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF

Na última segunda-feira (10), entrou em vigor a Resolução nº 697/2020[1] (“Resolução”), criada pelo Ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). A Resolução inovou ao criar o Centro de Mediação e Conciliação (CMC), que tem por objetivo evitar a protelação de casos sujeitos à competência da Suprema Corte, utilizando-se da via das soluções consensuais de conflitos como meio alternativo.

Ao Centro de Mediação e Conciliação competirá buscar a solução de questões jurídicas sujeitas à competência do STF que, por sua natureza, a lei permita solução pacífica através da mediação ou conciliação, seja na atividade pré-processual ou durante o curso do processo.

Se, anteriormente, acreditava-se numa lenta evolução dos processos autocompositivos, ou até mesmo em seu encolhimento[2], a criação do CMC simboliza o primeiro passo para a institucionalização das práticas de Mediação e Conciliação dentro da mais alta instância do Poder Judiciário.

 

A novidade gera muito valor para os métodos autocompositivos de resolução de litígios que, desde 2015, destacam-se no Código de Processo Civil (CPC) e vêm sendo cada vez mais utilizados e difundidos dentro do Poder Judiciário brasileiro. Tais métodos surgiram como alternativa à um judiciário sobrecarregado de litígios e sem forças para suportar maiores expansões.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça[3], após o CPC de 2015 dar lugar de destaque à mediação e à negociação (Art. 334), houve, no mesmo ano, um aumento de 80,7% no número de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) criados. Isto é, desde 2015, os métodos autocompositivos já vêm sendo muito explorados no âmbito judicial.

Logo no preâmbulo da nova Resolução percebe-se o intuito de efetivação de uma jurisdição multiportas como instrumento consagrado e garantidor do Princípio da Razoável Duração do Processo. Porém, ainda que endossando o trabalho do Conselho Nacional de Justiça na criação e implementação dos CEJUSCs, a Resolução admite que núcleos de conciliação similares ainda não eram aplicados à Suprema Corte, mesmo havendo possibilidade de realização de acordos em processos de competência originária ou recursal em trâmite no STF.

Uma importante inovação da Resolução é a possibilidade de  peticionamento direto à Presidência do STF, requerendo a realização de audiências de mediação ou conciliação prévias à judicialização de  conflitos de competência originária do Supremo Tribunal Federal. Esta possibilidade é uma prática já tradicional no direito francês[5], com efetiva aplicação no primeiro grau de jurisdição daquele país.

Contudo, seja em sede recursal ou em casos de análise de competência originária, não se sabe ao certo qual será a efetividade desse instituto, especialmente porque, no Brasil, a não judicialização dos conflitos de competência originária ou de recursos de competência da Suprema Corte retira do seu âmbito a interpretação das leis aplicáveis ao caso concreto, o que pode prejudicar a função uniformizadora dos entendimentos no Supremo Tribunal Federal.

No entanto, um ponto positivo da proposta é a concretização de um dos  princípios basilares da Mediação: a submissão de todos os envolvidos no processo mediacional ou negocial – “coordenador, o mediador, o conciliador, as partes, seus advogados, membros do Ministério Público e Defensoria Pública, assistentes técnicos e demais envolvidos, direta ou indiretamente” – à confidencialidade de tudo o que for dito, exibido ou acordado na sessão, através de cláusula de confidencialidade. Esse aspecto é uma das características mais interessantes e estimulantes dos processos de mediação e negociação e, certamente, fará da alternativa proposta pelo STF um meio mais atrativo para as partes.

Ainda, mesmo apresentando uma alternativa para implementação dos meios alternativos de resolução de conflitos, a Resolução mostra pouco comprometimento com investimentos orçamentários para a criação e implementação do órgão. No parágrafo 1° do artigo 6, fica determinado que a “estrutura física e o quantitativo de colaboradores deverá ser proporcional à demanda existente”, todavia, não explicita quais os critérios para estabelecer tal proporcionalidade. Nesse sentido, a Resolução aduz que futuras disposições e regulamentações serão de responsabilidade da Presidência do STF.

Para além disso, a Resolução ressalta e estabelece que a atuação do mediador ou conciliador deve se dar de forma voluntária, imparcial e sem remuneração, não constituindo, portanto, vínculo empregatício, e não podendo acarretar em despesas ao STF, além de ser considerada como uma atribuição transitória. Estabelece também como possíveis conciliadores e mediadores temporários: ministros aposentados, magistrados, membros do Ministério Público, advogados e defensores públicos aposentados, servidores do Poder Judiciário e advogados.

Nesse sentido, o STF apresenta a figura do mediador/conciliador como não remunerada e ocupada não necessariamente por especialistas em Mediação/Conciliação, se distanciando de práticas das câmaras privadas de mediação, que buscam uma maior qualificação de seus profissionais.

Todavia, cabe ressaltar que os CEJUSCs, que hoje contam com profissionais altamente qualificados e especializados para Mediação e Conciliação, se desenvolveram inicialmente com profissionais não necessariamente qualificados para os métodos de autocomposição. Desse modo, mesmo que na Resolução do STF hoje não se destaque a qualificação dos profissionais do CMC, esse quadro pode mudar seguindo uma linha de aperfeiçoamento e especialização cada vez maior desses profissionais.

A possibilidade de sessões de mediação e conciliação dentro da Suprema Corte é uma realidade recente, mas já muito difundida nos países regidos juridicamente pela common law – como nas supremas cortes dos estados australianos[4], na Índia e em alguns estados americanos[5]. A criação de um instituto similar a ser aplicado na jurisdição brasileira denota inovação e comprometimento com uma jurisdição multiportas. No entanto, deve-se ficar atento à regulamentação do tema pois o pouco aprofundamento da Resolução, no que diz respeito ao investimento e capacitação dos profissionais e do Centro de Mediação e Conciliação, ainda revela incertezas quanto à efetividade desse novo instituto.

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[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resolução n. 679/2020. Brasília: STF, 2020. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DJE198.pdf

[2] SOUSA. Fernando Alves de. O Encolhimento da Autocomposição no Brasil. Brasília: Jota, 2019 Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-encolhimento-da-autocomposicao-no-brasil-24112019

[3] JUSTIÇA EM NÚMEROS 2019/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2019. p. 142.

[4] AUSTRALIA. What Happens at a Mediation. Sidney: Supreme Court Of Victoria’s Website. Disponível em: https://www.supremecourt.vic.gov.au/law-and-practice/mediation/what-happens-at-a-mediation

[5] VIRGINIA. Procedures For Complaints Against Certified Mediators Mediators, Mediation Trainers and Mediator Mentors. Richmond:  Judicial Council of Virginia. Disponível em: http://www.courts.state.va.us/courtadmin/aoc/djs/programs/drs/mediation/forms/adr1004proc.pdf