
Este artigo integra a série “Quais as propostas dos presidenciáveis para o serviço público?”, de autoria do Núcleo de Inovação da Função Pública, da Sociedade Brasileira de Direito Público (sbdp), em colaboração com o JOTA. A iniciativa tem por objetivo contribuir com as discussões em torno da eleição presidencial. Isso será feito a partir da apresentação, contextualização e análise crítica de três propostas para o serviço público de cada um dos quatro candidatos à Presidência melhor posicionados segundo as pesquisas eleitorais mais recentes. O primeiro artigo analisou as propostas do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT); o segundo, de Jair Bolsonaro (PL); e o terceiro, de Ciro Gomes (PDT). O presente artigo, quarto e último da série, aborda as propostas para o serviço público da candidata Simone Tebet (MDB).
*
A candidata Simone Tebet apresentou plano de governo intitulado Princípios, Diretrizes e Compromissos, o qual divide-se em quatro eixos: “Justiça social, cidadania e combate a desigualdades”; “Economia verde e desenvolvimento sustentável”; “Governo parceiro da iniciativa privada”; e “Governo inclusivo, seguro e transparente”. No eixo relativo à construção de um governo parceiro da iniciativa privada, o documento lista propostas que dialogam com a gestão de pessoas no setor público.
Quais as propostas da candidata do MDB para o serviço público?
1) Implementação da avaliação periódica de desempenho no serviço público
Simone Tebet propõe uma “reforma administrativa que torne o Estado mais eficiente, ágil, produtivo e amigável para o cidadão, com objetivo de ampliar e melhorar a oferta de serviços públicos”.[1] O programa não detalha qual seria a arquitetura dessa reforma. Mas, em declarações à imprensa, a candidata afirmou ser favorável a uma reforma administrativa focada na implementação da avaliação periódica de desempenho dos servidores públicos.
A candidata defende que o sistema de avaliação seja regulamentado por lei e revisado periodicamente. Em sua visão, a regulamentação da avaliação periódica por meio de lei seria mais adequada do que a partir de mudanças na Constituição. Isso porque a aprovação de emendas constitucionais requer elevado quórum no Congresso Nacional, dificultando a concretização de reformas no setor público.
A proposta se conecta ao tema da estrutura jurídica do regime de pessoal no setor público, que tem por preocupação identificar o tipo mais adequado de norma (constitucional, legal ou regulamentar) para disciplinar cada aspecto do serviço público.
Em 2020, o governo enviou ao Legislativo a PEC 32, batizada de “reforma administrativa”. A medida foi fortemente criticada tanto por seu conteúdo como pela escolha por alterar a Constituição. Em sentido oposto, no debate público, especialistas têm chamado a atenção para as possibilidades e possíveis vantagens de reformas em âmbito infraconstitucional (ver, por exemplo, artigo de Carlos Ari Sundfeld).
De fato, o atual texto da Constituição parece conferir amplo espaço para inovações legais, e até regulamentares, no regime jurídico de pessoal no setor público – não apenas no âmbito de avaliações da atuação funcional, mas também quanto a aspectos como critérios de promoção e regras sobre recebimento de parcelas indenizatórias (sobre isto, ver estudo do Núcleo de Inovação da Função Pública – sbdp).
A proposta de Tebet parece estar alinhada a tal visão. Mas mesmo no plano infraconstitucional, a efetivação de avaliações de desempenho envolverá desafios, entre os quais o de definir critérios e métodos para avaliar os servidores de modo técnico, impessoal e transparente.
2) Fortalecimento da ENAP para capacitação de servidores
O plano de governo da candidata também aborda a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), escola de governo vinculada ao Ministério da Economia. Tebet propõe “fortalecer” a ENAP “como centro de conhecimento e difusão sobre as melhores práticas de gestão, inovação e regulação e como responsável por programas de formação permanente para a melhoria dos quadros”.[2]
A proposta enquadra-se no tema da capacitação do funcionalismo público, área em que a ENAP já é uma referência nacional. A entidade tem protagonismo, por exemplo, na promoção da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas, voltada para a administração pública federal direta, autárquica e fundacional (Decreto nº 9.991 de 2019). No programa, cabe à ENAP a articulação de diversas escolas de governo, bem como o assessoramento ministerial acerca da identificação de competências necessárias ao exercício de funções públicas.
Aqui, um ponto de atenção envolve pensar em como estimular a efetiva profissionalização do serviço público em âmbito nacional, frente às desigualdades, inclusive ferramentais, entre União, estados e municípios (sobre o tema, ver o artigo de Gabriela Lotta e Francisco Gaetani).
Embora não esteja expresso no programa, a ENAP tem grande potencial para contribuir com a “difusão sobre as melhores práticas de gestão, inovação e regulação” Brasil afora, a partir da transferência de conhecimentos para administrações locais. Aposta nesse sentido estaria inserida na preocupação atual de modernização do setor público em âmbito nacional.
3) Ampliação do acesso pela população a serviços digitais
Por fim, Tebet propõe o desenvolvimento de “mecanismos em favor da população com dificuldades de acesso a serviços digitais, com mudanças gerenciadas estrategicamente, levando em consideração critérios como produtividade, efetividade, qualificação, tempestividade, precisão, adequação e inclusão”.[3]
Em declarações à imprensa, a candidata indicou que uma das medidas nesse sentido seria o “Governo Digital”, sistema de aplicativo do governo federal, em articulação com estados e municípios, que facilitaria o acesso a certos documentos ou informações, tais como a obtenção de senhas para postos de saúde e situação escolar de crianças e adolescentes.
A proposta está inserida em discussão mais ampla envolvendo a digitalização da administração pública. Iniciativas nesse campo têm o potencial não apenas de tornar a administração mais eficiente, mas também de reduzir desigualdades, facilitando o acesso ao Estado. Aqui, o rol de possibilidades é amplo, e vai desde propostas como essa da candidata até projetos como “concursos públicos digitais” (sobre isto, ver artigo de Anna Carolina Migueis e Conrado Tristão).
O grande desafio aqui é o da segurança digital. Por isso, a digitalização da administração deve ser acompanhada, necessariamente, de atenção do Estado com a proteção de dados pessoais (por exemplo, assegurando a boa aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados).
As propostas de Simone Tebet aqui analisadas foram escolhidas devido à relação com o tema da inovação na função pública. Mas a candidata também apresenta outras propostas ligadas ao serviço público (que podem ser conferidas no programa de governo), incluindo o controle do desempenho das organizações estatais e a ampliação da transparência do governo.
A menos de um mês do primeiro turno das eleições de 2022, os presidenciáveis fazem acenos a suas bases mais consolidadas e buscam conquistar indecisos. Em matéria de serviço público, apresentam propostas que mostram afinidades com aspectos mais amplos de seus planos de governo e com suas prioridades em matéria de políticas públicas. Com a série “Quais as propostas dos presidenciáveis para o serviço público?” esperamos ter contribuído para o debate de ideias e circulação de informações entre leitoras e leitores. Agradecemos ao JOTA pelo espaço privilegiado de debate público. E convidamos todas e todos a conhecerem em profundidade as propostas de seus candidatos à Presidência da República.
[1] Página 32 do plano de governo.
[2] Página 33 do plano de governo.
[3] Página 33 do plano de governo.