Louise Didier
Advogada e sócia da Impact Legal Performance
O mês de maio de 2023 traz uma sensível celebração que talvez seja o marco mais importante para as relações de trabalho no país: os 80 anos da publicação do Decreto-Lei 5.452, a Consolidação das Leis do Trabalho, legislação mais conhecida pela sigla CLT. Essas três letras se tornaram símbolos da maior inclusão social no Brasil através da garantia de direitos aos trabalhadores criada em 1930 e qualificada como um patrimônio do trabalhador e passaporte da cidadania.
O acontecimento pavimentou o caminho para outras conquistas ao longo dos anos, como o descanso semanal remunerado (1949) e o 13º salário (1962), bem como a consolidação da Justiça do Trabalho, com a Constituição de 1946, originada como ramo do Judiciário dedicado a essa demanda. A sustentação dessas garantias teve novo reforço em 1988, com a “Constituição Cidadã”, cujas principais proteções trabalhistas passaram a fazer parte da Constituição Federal de 1988, ganhando o status de direitos sociais.
As evoluções sociais não pararam por aí. Ainda que de forma bastante controversa, a CLT ganhou uma série de mudanças por meio da reforma trabalhista assinada pelo governo Michel Temer em 2017. A partir de então diversos pontos de vista se estabeleceram, seja para argumentar a modernização das leis brasileiras frente ao restante do mundo, seja para defender a precarização da situação do trabalhador para aumentar o lucro do empregador.
Não bastasse isso, sabemos que a pandemia trouxe uma série de reflexões sobre possíveis modelos da relação de trabalho em prol do trabalhador, mas, sem dúvida, corroborou com efeitos negativos em relação às taxas de ocupação do país. Por outro lado, em março deste ano, havia 42,9 milhões de trabalhadores “celetistas” no Brasil, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho – o maior patamar desde janeiro de 2020. O número é grande, mas o cenário revela que a informalidade tem alcançado níveis inéditos. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, o percentual de trabalhadores sem carteira assinada atingiu o patamar mais elevado desde que o quesito passou a ser verificado pelo instituto, em 2012.
Historicamente, a informalidade tem sido um problema crônico no país, e as transformações do mercado de trabalho envolvem diversos fatores. Mas, em meio a tantas questões com raízes profundas e discussões acaloradas, fato é que ter uma ocupação com a carteira de trabalho assinada não necessariamente é visto como um privilégio nos dias atuais. Os colaboradores tendem a desejar mais do que a lei de 80 anos atrás, criada para organizar um mercado em intenso processo de industrialização e urbanização, oferece.
Essa insatisfação não parece espontânea. Em 2019, o Brasil foi incluído pela primeira vez na lista dos dez piores países do mundo para os trabalhadores, presente no Índice Global de Direitos, indicador calculado pela Conferência Internacional do Trabalho, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU).
Por aqui, a Justiça do Trabalho segue com um volume elevado de litígios: somente em 2021 (últimos dados disponíveis), foram julgados mais de 2,8 milhões de processos. A demanda processual, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), aumentou 0,1% naquele ano em relação a 2020, representando mais de 2,5 milhões de casos novos. Ou seja, para cada 100 mil habitantes do Brasil, 1.196 pessoas ingressaram com ao menos uma ação ou recurso na Justiça do Trabalho.
Para as empresas, os números mostram que há muito a se fazer para pacificar essa realidade. Parte das possíveis soluções já são conhecidas e transcendem o cumprimento das meras obrigações legais, como exemplo, a aplicação de práticas ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance) em diversos âmbitos de uma companhia. O objetivo desta prática visa desenvolver um propósito maior para a corporação e um ambiente de trabalho acolhedor. Uma companhia alinhada à agenda ESG aplica boas práticas em sua gestão e gera impactos ao meio ambiente e à sociedade, estabelecendo uma governança que cumpra seus objetivos estratégicos, minimizando impactos negativos e potencializando resultados positivos. Do ponto de vista do trabalhador, sem dúvida, tais práticas reforçam a satisfação dos colaboradores, assim como os engajam, evitando ou atenuando eventuais litígios trabalhistas.
Outra forma de aplicar as práticas ESG se dá por meio de medidas para evitar o aumento de passivo judicial trabalhista a partir de uma abordagem não-litigiosa. Observa-se no Brasil uma cultura que favorece as disputas judiciais e representa um risco financeiro e reputacional para as empresas. No entanto, há alternativas para mitigar essa característica tão negativa. Uma delas consiste em aproximar o setor jurídico das demais áreas corporativas, transcendendo as atividades clássicas forenses, e transformando o setor em um gerador de insights para melhorias das operações e relações com seus stakeholders, e via de consequência, do resultado da companhia.
A aplicação do Legal Operations, por exemplo, é um meio para alcançar esse resultado, de modo que otimiza atividades rotineiras do jurídico e transforma o mindset da área, tornando-a um centro estratégico e eficiente para atenuação de riscos e oportunidade de melhorias de toda a empresa, sobretudo seus colaboradores.
Evitar o aumento dos litígios também pode ser feito com a adoção de soluções alternativas para a resolução de conflitos. Em vez de se gastar tempo e recursos em longas batalhas na Justiça, busca-se mediar esses conflitos, adotando uma postura empática, transparente e assertiva quanto à pacificação entre as partes. Trata-se, portanto, de uma atenção especial ao eixo Social da sigla ESG, algo que contribui para melhores relações de trabalho, além do potencial de reduzir impactos financeiros e de reputação de imagem.
Em suma, a CLT surgiu em um momento em que diversos países também buscavam regulamentar o trabalho e segue necessária para equilibrar as forças do mercado. Porém, 80 anos e muitas transformações depois de sua promulgação, a economia e a sociedade mudaram, surgiram outras demandas e, para se adaptar ao presente e se preparar para o futuro, as empresas não podem se furtar de inovar, sobretudo no setor jurídico. Se as mudanças legislativas tendem a ser morosas, o mundo corporativo tem a oportunidade de figurar na vanguarda do futuro do trabalho.