Pergunte ao professor

Com a perda da vigência da MP 927, como fica o home office e a antecipação de férias?

Com a perda de validade as regras estão revogadas, e voltam a produzir efeitos as previsões da CLT

teto de gastos
Crédito Pedro França/Agência Senado

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!” dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do professor de Direito do Trabalho e mestre nas Relações Trabalhistas e Sindicais, dr. Ricardo Calcini.

O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas sempre às sextas-feiras. E a você leitor que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a  #pergunte ao professor.


Neste episódio de nº 37 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:

Pergunta ► Com a perda da vigência da MP 927, como ficam as questões do home office, banco de horas negativo, antecipação e comunicação de férias e etc? É necessário repactuar tudo novamente com o colaborador? Há necessidade de negociação coletiva com o sindicato da categoria?

 Resposta ► Com a palavra, o professor Sólon Cunha.

A Medida Provisória (MP) 927 perdeu o prazo para a votação e caducou. O texto foi a reação do Governo Federal frente à pandemia, visando a preservação do emprego e da renda no enfrentamento do estado de calamidade pública. O propósito foi facilitar a manutenção dos postos de trabalho. A MP chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados, mas não teve consenso para ser colocada em pauta na votação do Senado.

A MP tinha força de lei. Com a perda de sua validade as regras estão revogadas, e, consequentemente, voltam a produzir efeitos as previsões da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a partir de 20 de julho de 2020. Os atos praticados durante a vigência da MP são válidos, obviamente se respeitados os parâmetros estabelecidos naquele momento.

Resta saber se tudo o que foi pactuado, enquanto estava em vigor a MP, continua tendo validade. Pela regra constitucional do artigo 62, o Congresso Nacional editará um decreto legislativo para regulamentar os efeitos da MP não aprovada. Não tem sido essa a prática adotada pelo Parlamento, em casos de caducidade de medida provisória. Assim, acredito que não haverá decreto legislativo para modular os efeitos da MP.

Home office/teletrabalho

O Site do Senado[1] informa que antes da pandemia o IBGE anunciara, em 2018, um total de 3,8 milhões de pessoas trabalhando “no domicílio de residência”. Elas foram entrevistadas para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em sua versão “contínua”, mas os informes do IBGE à época não deixaram claro a natureza das atividades que realizavam.

Na semana de 21 a 27 de junho de 2020, já no contexto da PNAD-Covid-19, o IBGE estimou em 8,6 milhões o número de brasileiros que “trabalhavam remotamente”, ou seja, 12,4% da população ocupada do país menos os afastados por causa do distanciamento social (69,2 milhões). Portanto, o home office passou a ser uma realidade nacional.

Como era na MP? Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.

Voltando à regra geral da CLT, o empregador deixa de determinar unilateralmente a alteração do regime de trabalho do presencial para o remoto. A adoção do teletrabalho dependerá de prévio acordo entre as partes, em contrato escrito, com especificação das atividades que serão realizadas pelo empregado.

A responsabilidade pela aquisição, manutenção e custeio de equipamentos e utilidades deverá ser também ajustada em contrato de trabalho. O retorno ao regime presencial poderá ser determinado unilateralmente pelo empregador, mediante prazo de transição mínimo de quinze dias.

Mesmo que implementado o teletrabalho durante a vigência da MP, recomenda-se a adaptação do ajuste às exigências da CLT, evitando contingências desnecessárias. O empregador sempre terá a seu favor a defesa de que o interesse público se sobrepõe ao individual e que as Autoridades Sanitárias do País recomendam o trabalho em casa como critério de reforço ao isolamento social.

A MP afirmava que “o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal podem ser configurados como tempo à disposição”. A dificuldade das empresas está na necessidade (ou não) de controle de horário do trabalhador em regime de home office. A caracterização do tempo à disposição parece evidente (art. 4º). O Artigo 6º da CLT afirma que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”.

Mas o artigo 62 da CLT atesta que não são abrangidos pelo Capítulo da Duração do Trabalho os empregados em regime de teletrabalho. Já o artigo 75-B define que se considera “teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”. (g.n.)

O tempo trabalhado pelo funcionário em home office, além da jornada normal de trabalho, será considerado hora extra? Para aqueles que apontam três regimes distintos – trabalho em domicílio, trabalho a distância ou remoto, e teletrabalho – a polêmica ainda é maior. Sem falar no conceito de jornada híbrida que se avizinha em decorrência da retomada gradual das atividades não essenciais.

Ficarei com o gênero home office, admitindo que a pandemia o fará preponderante na jornada de trabalho do empregado, naquelas funções que admitem esse tipo de contratação. Empregados que ocupam “cargos de confiança” devem ser excluídos do controle. Aqui o cuidado é maior ao se pactuar, com esses mesmos profissionais de confiança, a redução salarial com a redução de jornada. O ideal será reduzir dias da semana ou períodos do dia, sem controlar as horas trabalhadas de forma reduzida.

Para os demais, não tenho dúvida de que o Judiciário Trabalhista levará o ônus da prova ao empregador, com base na Súmula 338[2] do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O uso da exclusão do artigo 62 ficará por conta daqueles que só a admitem em “teletrabalho”, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação apuradas e sofisticadas. Será que os vídeos conferências aí estarão?

Aprendizes e estagiários não podem mais atuar no regime de trabalho remoto? Penso que sim, podem, porque nunca verifiquei contingência pré-pandemia nesse sentido. Claro que esses contratos atípicos dependem de supervisão e têm conteúdo educacional, pelo que precisarão ser adaptados.

O ensino à distância (EAD) é regra na pandemia. Ora, se o estagiário pode ter graduação por EAD, por que não poderia realizar seu estágio em home office? Raciocínio contrário levará ao desligamento de milhares de estudantes e aprendizes pelas empresas. Algo não condizente com as regras e costumes, e bem distante do interesse público (art. 8º da CLT).

Mas a boa prática de governança será aquela que utilizar o artigo 611-A da CLT, que admite prevalência do negociado sobre a lei, nos Acordos Coletivos ou Convenções Coletivas que dispuserem sobre o teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente (inciso VIII). O gestor que busca segurança jurídica e menor contingência deve dialogar com o sindicato de trabalhadores nesse sentido: regulamentando o home office e a forma de controle de jornada.

Férias

Férias Individuais – o período de férias individuais volta ser comunicado com 30 dias de antecedência, e não mais em 48 horas. Podem ser fracionadas em até 3 períodos, um deles não inferior a 14 dias e os demais não inferiores a 5 dias cada um, mediante concordância do empregado. Consequentemente, o pagamento também não pode ser realizado como estava na MP. O adicional de 1/3 e o abono pecuniário passam a ser pagos nos prazos normais, em até 2 dias antes do início das férias.

Em tese, o empregador não poderá mais antecipar férias para o funcionário que não completou 12 meses como empregado, portanto, não tem o período aquisitivo para esse direito, exceto as coletivas.

Férias já concedidas durante a vigência da MP deverão ser respeitadas, inclusive no que se refere ao pagamento do terço constitucional até dezembro. Assim, as férias comunicadas antes de 20 de julho de 2020, ainda que antecipadas, usufruídas ou em curso, seguirão seu caminho, com pagamento ao final.

As comunicações feitas antes de 20 de julho de 2020 são válidas, inclusive para a antecipação do período, mas se usufruídas após a data, induzem pagamento nos dois dias que a antecedem, a menos que exista norma coletiva em contrário. As férias antecipadas farão falta nos próximos anos, como costuma dizer o professor Homero Batista.

Ponto interessante é o da suspensão da concessão das férias aos profissionais da saúde, admitida na MP. Com o fim da MP voltam ao procedimento normal, embora a pandemia esteja em curso. Empregadores da área de saúde devem auditar os períodos concessivos evitando o pagamento em dobro.

Férias Coletivas – o empregador deve comunicar a concessão de férias coletivas com 15 dias de antecedência, e não mais 48 horas, por um período mínimo de 10 dias, e tem que informar ao sindicato da categoria dos funcionários e ao Ministério da Economia. Podem ser fracionadas em até 2 períodos anuais, não inferiores a 10 dias cada um.

Feriados

Os feriados não podem ser antecipados, sem que isso tenha sido negociado em acordo coletivo.

Banco de horas

Como era? Horas não trabalhadas em razão da interrupção das atividades do empregador poderiam ser compensadas em até dezoito meses, contados da data do encerramento do estado de calamidade pública.

O banco de horas deixa de ser compensado em até 18 meses, voltando ao prazo de seis meses (em caso de acordo individual). Acordos Sindicais prevalecerão, na tese do negociado sobre o legislado.

Empresas poderão ter três bancos de horas correndo ao mesmo tempo: (i) novas contratações; (ii) horas geradas – crédito ou débito – durante a MP; e (iii) empregados com contrato antigo, com saldo anterior, e horas geradas depois de ter caducado a MP. Explico. As horas negativas decorrentes do não trabalho em casa, poderão ser compensadas até 30 de junho de 2022. Mas as horas levadas ao Banco de Horas a partir de 20 de julho de 2020 deverão ser levadas à compensação em até seis meses (acordo individual) ou em um ano (norma coletiva).

Segurança e saúde do trabalho

Os exames médicos ocupacionais devem ser feitos nos prazos normais previstos na NR-7. E os treinamentos estabelecidos pelas normas regulamentadoras também devem ser feitos de acordo com os prazos legais e de forma presencial.

Deixa de existir a possibilidade de prorrogação dos mandatos dos membros da CIPA, devendo o processo eleitoral ser realizado nos prazos previstos na NR-5.

As medidas que deixaram de ser realizadas durante a vigência da MP 927, em conformidade com as regras nelas previstas, não constituirão infrações às normas regulamentadoras e devem ser retomadas.

Fiscalização

Fiscalização – os Auditores deixam de atuar exclusivamente de maneira orientativa.

CND – a Receita Federal e a PGFN não mais devem prorrogar o prazo de validade da certidão referente aos tributos federais e à dívida ativa da União. Os auditores do Trabalho podem atuar de forma fiscalizadora, inclusive com a aplicação de sanções e multas.

CCT e ACT – Prazos

Convenções e acordos coletivos vencidos ou vincendos até 17 de setembro (180 dias da data de entrada em vigor da MP) poderiam ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de 90 dias. Esta possibilidade de prorrogação de efeitos das normas coletivas deixa de existir.

Aqui um ponto de ampla preocupação frente à regra do artigo 614 da CLT, porquanto o seu §3º afirma que “não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade” (g.n.). As normas coletivas vencidas deixarão o empregador diante do dilema: cortar as obrigações decorrentes das adições de normas coletivas, ou prosseguir com a manutenção da rotina correndo o risco da adesão aos contratos individuais de trabalho daquelas condições mais benéficas. Aqui a negociação coletiva é ferramenta de gestão empresarial.

Mas, se o leitor acha que estamos satisfeitos com a insegurança jurídica que o afastamento da MP nos brindou, tente acrescentar as ADIs em andamento ao raciocínio de que no Brasil, como dizia Pedro Malan, até o passado é incerto. Há no Supremo Tribunal Federal dez Ações Diretas de Inconstitucionalidade sob relatoria do ministro Marco Aurélio (Vide ADI nº 6377).

A Procuradoria Geral da República (PGR) apresentou manifestação em todas elas requerendo o não conhecimento da ADI, decorrente da perda da eficácia da MP, não convertida em lei após o ajuizamento da ação contra ela proposta, o que conduziria à alegada prejudicialidade da ação, por perda superveniente “do objeto”. Nas aulas do professor Antonio Carlos Marcato a carência superveniente se daria por falta do interesse de agir do Autor.

Porém, como a MP 927 surtiu efeitos, admitiria o STF a sua possível inconstitucionalidade temporária, extinguindo o feito? A PGR traz precedente do ano de 2005 do STF[3] da relatoria do ministro Celso de Mello, em que defendeu na oportunidade que “a revogação superveniente do ato estatal impugnado faz instaurar situação de prejudicialidade que provoca a extinção anômala do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, eis que a abrogação do diploma normativo questionado opera, quanto a este, a sua exclusão do sistema de direito positivo, causando, desse modo, a perda ulterior de objeto da própria ação direta, independentemente da ocorrência, ou não, de efeitos residuais concretos”.

Os autos foram conclusos ao relator. Vamos aguardar a decisão, e voltaremos ao assunto.

 


[1] Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2020/07/teletrabalho-ganha-impulso-na-pandemia-mas-regulacao-e-objeto-de-controversia>.

[2] É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário

[3] ADI 1.442, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 29.04.2005; RTJ 195/752.

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