Direito Tributário

Averbar a CDA é constitucional, mas a indisponibilidade não: qual o efeito prático?

A averbação da CDA atesta a existência da dívida, nada mais

constitucionalismo abusivo
Crédito: Antônio Cruz/Agência Brasil

Recente julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) coloca uma questão prática muito interessante em destaque, no tocante à validade de averbação de certidão dívida ativa (CDA) inscrita pela Procuradoria da Fazenda Nacional em registros de bens de devedores, a averbação de CDA.

A discussão decorre das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5.881, 5.886, 5.890, 5.925, 5.931 e 5.932, as quais versam sobre a compatibilidade, com a Constituição Federal, do artigo 25 da Lei Federal nº 13.606, de 9 de janeiro de 2018, que inseriu os artigos 20-B, § 3º, inciso II, e 20-E na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002.

Com base em tal artigo, é possível que a Fazenda Nacional tenha averbada a certidão de dívida ativa (CDA) nos registros imobiliários dos bens imóveis dos devedores, tornando-os indisponíveis, sem necessidade de qualquer ato judicial prévio.

Essa possibilidade de averbação é mais uma ferramenta dentre as diversas disponíveis para a Fazenda Pública buscar os seus créditos tributários. Desde a própria exigência de apresentação de certidão negativa para atos de registro envolvendo direitos reais sobre imóveis, até o arrolamento e as próprias disposições relacionadas às averbações premonitórias e mais inovações que culminaram na Lei nº 13.097/15, na qual se destaca o princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel, a Fazenda Nacional possui vasta munição para fazer valer os seus direitos creditórios.

Depois de toda a análise procedida pelo STF, o que foi definido, em suma, é que a averbação é constitucional, mas a indisponibilidade de bens dela decorrente não.

Quer dizer, então, que a informação da existência de uma CDA, título representativo da dívida tributária, pode ser assentada no registro do imóvel do vendedor, mas que tal ato gere a sua indisponibilidade, não.

O dispositivo que trata sobre tema é o art. 20-B, § 3º, II, da Lei nº 10.522/2002. Ele estabelece que, inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados.

Não pago o débito nesse prazo a Fazenda poderá, além de comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres, averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.

Nos parece ser exatamente esse último trecho do dispositivo legal, no qual há a menção de “tornando-os indisponíveis”, o exagero legislativo que culminou na declaração de sua inconstitucionalidade.

Em seu voto, o ministro Roberto Barroso, definido como redator do acórdão, entendeu que a averbação prevista no dispositivo acima é legítima, possuindo papel importante perante terceiros inocentes. Citou, para dar amparo à sua posição, o dispositivo que presume a alienação fraudulenta quando o contribuinte com débitos inscritos com a fazenda pública onera bens ou rendas.

Entretanto, a indisponibilidade seria ilegítima pois, para a maioria do STF, a intervenção drástica sobre o direito de propriedade exigiria a atuação do Poder Judiciário.

Assim, enquanto a averbação seria um alerta para terceiros, a indisponibilidade seria uma restrição a parte substantiva do direito de propriedade, que envolve o direito de usar, fruir e dispor. O ministro Barroso destacou, ainda, que basta a Fazenda Pública ajuizar execução fiscal que, uma vez não paga a dívida, pode haver penhora do bem.

Assim, não haveria razão em haver uma indisponibilidade administrativa de bens, quando isso pode ocorrer, em execução fiscal, como ressaltado acima.

Já o inciso I do § 3º do referido artigo 20-B, que também foi objeto de análise, seria inteiramente constitucional, por também ser um alerta a terceiros de boa-fé.

O que se destaca é o fato de mais essa ferramenta de informação ser passível de ser usada apenas com a emissão da CDA, mas é importante ressaltar se tratar de uma ferramenta de informação que é muito diferente daquelas ferramentas que alcançam a indisponibilidade do bem.

Coerentemente com o conceito de informação, no que se refere aos bens imóveis dos devedores, a averbação da CDA na matrícula do imóvel, assim entendida a informação decorrente da existência da dívida consistente na CDA, encontra amplo respaldo legal e se coaduna com os efeitos que a publicidade absoluta que emana do registro imobiliário em prestígio, inclusive, à segurança jurídica esperada do registro público imobiliário. Todavia, essa informação, conforme a decisão do STF, não poderá ter os efeitos pretendidos na Lei atinentes à indisponibilidade do bem imóvel.

Então, na prática, a informação a respeito da CDA averbada no imóvel possui efeito de indisponibilidade? Nos parece que não. A ciência a respeito da situação do proprietário que pretende alienar um imóvel é, mais do que legalmente, culturalmente, uma praxe a ser observada pelo adquirente que, ainda que possa se ancorar no princípio da concentração, ainda encontra em nosso sistema jurídico diversas exceções e situações que não suportariam o argumento da averbação prévia para se manter.

E vale lembrar que a alienação de qualquer bem por devedor que possua débitos inscritos em dívida ativa será fraudulenta na hipótese de não serem reservados bens suficientes a saldar a dívida. Ou seja, a averbação alertará o adquirente de boa-fé acerca da existência da dívida, e possibilitará que seja averiguada a reserva de bens a honrá-la.

Nesse contexto, a averbação da CDA atesta a existência da dívida, nada mais. Se a alienação do imóvel diante da existência da dívida representada pela CDA é capaz de reduzir o proprietário do imóvel à insolvência, a alienação pretendida pode ser frontalmente atingida. Se houver execução em curso, a alienação pretendida poderá ser atingida com ainda mais violência.

Conceitualmente, aliás, essas mesmas circunstâncias se aplicam nas relações privadas, nas quais a informação a respeito do crédito, ainda que futuro e que possa decorrer de uma ação em curso, ou de uma execução, são passíveis de serem informadas no registro imobiliário. Mas em nenhum caso, agora também em relação à Fazenda Nacional, dessa informação decorrerá automaticamente a indisponibilidade do bem.


O episódio 52 do podcast Sem Precedentes discute os bastidores e as desconfianças envolvendo o caso Lula no Supremo Tribunal Federal. Ouça: