A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, receber a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o governador do Amazonas, Wilson Lima, por supostos crimes praticados no contexto do enfrentamento à pandemia da Covid-19, em 2020.
O governador responderá pelo suposto exercício do comando de organização criminosa voltada à prática de crimes diversos, sobretudo dispensa indevida de licitação (artigo 89 da Lei 8.666/93), fraude a licitação (artigo 96, inciso I, da Lei 8.666/93) e peculato (artigo 312 do Código Penal). Wilson Lima também responderá por delito de embaraço à investigação (artigo 2, § 1º, Lei 12.850/13).
A PGR não pediu o afastamento do governador, que continua no cargo enquanto tramitar o processo.
No que diz respeito às preliminares, houve apenas um voto vencido, do ministro Raul Araújo, com relação à preliminar de cerceamento de defesa. No mérito, a decisão foi unânime.
Agora, com o recebimento da denúncia, tem início a ação penal. Ao fim do processo, a ação será julgada, com condenação ou absolvição dos réus.
Compra de 28 respiradores motivou investigação contra governador
Esta é a segunda denúncia recebida pelo STJ contra um governador pela suspeita de crimes praticados durante a pandemia – a primeira foi contra Wilson Witzel, que já sofreu impeachment.
A investigação contra o governador do Amazonas foi aberta após a divulgação, pela imprensa, de que o governo do Estado do Amazonas adquiriu 28 respiradores de uma loja de vinhos. Esse fato “despertou a atenção dos órgãos de controle, dada a probabilidade da ocorrência de ilícitos”, diz a denúncia.
Segundo a PGR, a apuração demonstrou que, sob o comando do governador, instalou-se na estrutura burocrática do Governo do Amazonas, notadamente na Secretaria de Estado de Saúde, “uma verdadeira organização criminosa que tinha por propósito a prática de crimes contra a administração pública, especialmente a partir do direcionamento de contratações de insumos para enfrentamento da pandemia, sendo certo que em pelo menos uma aquisição, o intento se concretizou”.
A PGR informa que, no caso do peculato, os denunciados são acusados de desviar, em benefício dos integrantes da organização criminosa, valores de que tinham a posse em razão dos cargos públicos ocupados.
Durante a sustentação oral, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo destacou que o preço inicial ofertado pelos equipamentos já estava em completo descompasso com o praticado no mercado na época da aquisição, mesmo no cenário da pandemia.
Segundo laudo elaborado pela Polícia Federal, houve sobrepreço de R$ 60,8 mil por unidade de respirador, redundando em sobrepreço total de R$ 1,7 milhão, valor 133,67% acima do preço máximo encontrado na pesquisa de mercado. Com isso, o prejuízo total ao erário em razão da operação foi calculado em, no mínimo, R$ 2.198.419,88, segundo a PGR.
Em seu voto, o relator, ministro Francisco Falcão, afirmou que a denúncia da PGR é apta e existe justa causa para o início do processo criminal contra o governador e os demais denunciados.
“Diante das provas descritas, considero que o governador exercia o comando da organização criminal que, engendrada na cúpula do governo do Amazonas, visava à prática de delitos de fraude, dispensa de licitação indevida e peculato, como de fato ocorreu na consumação do delito pela ocasião dos 28 respiradores em 8 de abril de 2020”, disse o relator.
“Os fatos imputados pelo Ministério Público Federal (MPF) são gravíssimos. As condutas teriam sido praticadas em plena pandemia da Covid-19”, afirmou Falcão.
A Corte Especial é composta por 15 ministros. Desses, o presidente, Humberto Martins, não vota. O ministro Mauro Campbell Marques não participou do julgamento por estar impedido, e o ministro Og Fernandes estava ausente. O relator votou pelo recebimento da denúncia e foi acompanhado por todos os presentes.