Prática predatória

Juíza oficia OAB por entender que escritório fez prática predatória da advocacia

Advogada ingressou com 563 ações no TRT2 em seis meses. Magistrada diz que diversos pedidos contra empresas diferentes são idênticos

prática predatória da advocacia
Sede do TRT2 / Crédito: Divulgação/CNJ

Ao julgar uma sentença, a juíza Tatiane Pastorelli Dutra, da 3ª Vara do Trabalho de Mauá, listou o que considerou indícios de prática predatória da advocacia, em processos no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), por parte do escritório Sanches e Sanches. A magistrada oficiou a OAB e a Corregedoria do TRT2, diante dos “fortíssimos elementos da prática de advocacia predatória”.

Na ação em questão, a magistrada considerou que o trabalhador entrou com processo contra a empresa de comunicação Icomon Tecnologia com informações genéricas e não fundamentadas. O empregado afirmou que trabalhava de segunda a sábado, inclusive aos feriados, e em dois domingos por mês, das 7h às 19h, sempre com 30 minutos de intervalo intrajornada. Disse ainda que não recebia corretamente as horas extras, pleiteou a integração de salário pago “por fora”, equiparação salarial, horas extras, entre outros.

Os mesmos argumentos foram usados em ao menos oito processos, listados pela juíza, ajuizados pelo mesmo escritório contra a Icomon Telecnologia, com matéria idêntica sobre horas extras, inclusive domingos e feriados, sempre com igual supressão do intervalo.

“Em acontecimento cósmico raro, é necessário chegar à conclusão de que o escritório Sanches e Sanches representa apenas trabalhadores que vivem as mesmas violações trabalhistas, provavelmente rejeitando os demais empregados, já que a conclusão oposta seria a prática de advocacia predatória”, sustenta a Dutra.

A magistrada fez ainda uma busca aleatória no site do TRT2, na qual constatou que entre julho e dezembro de 2022, a advogada Renata Sanches Guilherme ajuizou 563 ações. Por amostragem de forma aleatória, entrou em um processo e verificou semelhanças. “Analisando a petição inicial correspondente, nota-se que o trabalhador ativava-se na mesma jornada declinada em outros processos, de segunda a domingo, com 30 minutos de intervalo intrajornada, laborando 02 domingos por mês, tendo trabalhado nos mesmos feriados. Há fortíssimos elementos da prática de advocacia predatória”, completa.

A juíza destaca ainda que no caso em que proferiu a sentença a única testemunha ouvida em juízo prestou longo depoimento, “recheado de incertezas e contradições (fato comum em demandas que envolvem o escritório Sanches e Sanches)”.

Para ela, é “inevitável concluir que todo o depoimento da testemunha não passa de um ensaio teatral, em que o circo é o próprio Poder Judiciário”. “É patente o dolo do autor de tentar enganar o Juízo e, valendo-se de eventual falha da defesa, enriquecer-se ilicitamente, em um verdadeiro estelionato judicial”, completa.

Em conclusão, a juíza julgou os pedidos do autor improcedentes e o condenou ao pagamento de multa por litigância de má-fé, na importância de 2% do valor atualizado da causa, que deverá ser revertido em favor da reclamada. Também indeferiu os benefícios da justiça gratuita e condenou ao pagamento dos honorários sucumbenciais, na quantia equivalente a 5% do valor atribuído na petição inicial. “Custas pelo autor, calculadas sobre o valor da causa de R$ 215.411,25, no importe de R$ 4.308,23”, detalhou.

Foi ainda determinada a intimação das empresas mais demandas pelo escritório Sanches e Sanches — Icomon Tecnologia LTDA, Telefônica Brasil e Vip BR Telecom — para que, caso queiram, apresentem, no prazo de 10 dias úteis, petição e documentos que entendam pertinentes para instruir o ofício.

Ficou estipulado que, decorrido o prazo, com ou sem a apresentação de documentos pelas empresas, seja oficiada a Corregedoria do TRT2 e Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, independentemente do trânsito em julgado, com o objetivo de que adotem as diligências que entender  pertinentes quanto aos “indícios de advocacia predatória”.

Logo depois da sentença, o escritório arguiu a suspeição da magistrada e a consequente nulidade dos atos processuais praticados no curso do processo.

Ao negar o pedido, Dutra afirmou que “para suspender o que quer que seja, a oposição da exceção deve ser realizada antes da prolação da sentença, nunca depois”.

De qualquer forma a juíza encaminhou os autos para a segunda instância, já que já havia sido interposto um agravo de instrumento.

A reportagem do JOTA tentou contato com o escritório Sanches e Sanches por email, telefone e WhatsApp, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

O processo tramita com o número 1000967-58.2022.5.02.0363.