Iuri Dantas

O perfil do contrabandista brasileiro é de um homem jovem, morador de área rural na região de fronteira, que não deseja permanecer no mesmo lugar e decide buscar o crime. A sociedade perde duas vezes: por não receber a contribuição do trabalho deles e ao gastar com seu sustento na cadeia. O dinheiro que ganha vai para festas e "uma certa ostentação".
A avaliação foi feita ao JOTA pelo auditor fiscal da Receita Federal Gilberto Tragancin, Chefe da Divisão de Vigilância e Repressão ao Contrabando e Descaminho (Direp), da Coordenação-Geral de Administração Aduaneira (Coana). Ele conta que conhece de perto o problema do contrabando, após trabalhar por oito anos em Foz do Iguaçu (PR).
Em entrevista, Tragancin afirmou que os cortes orçamentários afetam diretamente a atuação da Receita no combate a produtos ilegais, uma vez que as equipes de fiscalização precisam de dinheiro para gasolina e diárias por exemplo.
A crise econômica por que passa o país, porém, ajuda a frear o consumo de bens contrabandeados. Porque a alta do dólar encarece itens produzidos no exterior, principalmente eletrônicos, elevando a competitividade dos artigos genuínos. E também porque a alta da inflação corrói o poder de compra da população, inibindo o consumo.
Exceções feitas a produtos como cigarros e medicamentos, que permanecem com uma boa margem de lucro para os contrabandistas. O consumo de similares ilegais de tabaco e remédios permanece em alta.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Quais são os impactos da crise econômica no contrabando?
A gente tem dois efeitos, até contraditórios. Por um lado, com o aumento do dólar a gente percebeu uma redução na atividade de contrabando de alguns produtos. É que o preço quase se equiparou ao mercado interno. Neste primeiro momento, houve perda de competitividade dos produtos que ate então eram contrabandeados e desencaminhados no comercio de mercadorias no brasil afora.
Por outro lado, parte desse efeito pode ser dado pela perda de poder aquisitivo da população, que também acaba se refletindo no mercado informal. Com o passar do tempo, a questão cambial pode ser equiparada em que alguns produtos vão ter uma certa vantagem de preço. Mas a gente também vem observando uma redução do consumo graças a varias campanhas feitas, não só pelos órgãos públicos, no sentido de conscientizar dos efeitos nefastos que esse tipo de comércio traz - não apenas em arrecadação, mas também em segurança.
O contrabando tem relação com quais outros crimes?
Ha uma rede de crimes conexos que se relacionam com o contrabando. As mesmas quadrilhas que cruzavam com mercadorias, com brinquedos, eletrônicos, eram as mesmas que usavam as rotas para  introduzir armas, drogas e medicamentos falsificados.
Além dessa situação, há uma serie de outros crimes, como corrupção, que acaba sendo estimulada em todos os níveis para tornar possível essas mercadorias chegarem até o centro de consumo. Além dos crimes de relação com consumo, falta de atendimento às normas sanitárias.
A crise mudou a lista dos principais produtos contrabandeados apreendidos pela Receita?
Tem a redução dos eletrônicos com a questão do câmbio... muitas vezes o produto legitimo comercializado pelas lojas e pelo comercio acaba tendo preço mais competitivo do que está sendo praticado lá fora. Uma parte por se tratar de produção interna, menos afetada pelo câmbio, e parte em razão do que está sendo comercializado. Parte foi importada com câmbio mais favorável e estava em estoque. Este efeito, principalmente na parte de eletrônicos, é bastante sentido.
Outros produtos ainda mais danosos continuam com margem bastante atrativa e estimulam quadrilhas a continuar na atividade. A questão de cigarros, mesmo com variação cambial, há margem bastante grande. É um produto altamente perigoso.
Produtos que sejam legítimos como bebidas alcoólicas, vinhos, destilados, enfim é mais um dos exemplos que os preços estão bastante nivelados que estão sendo praticados no mercado internacional.
Tudo que for falsificado, como medicamente, continua sendo atrativo. O custo para você produzir um comprimido falso que pode ou não conter principio ativo, é uma fração muito pequena do preço de venda. Independente da questão de câmbio sempre vai ter margem significativa. O mais complicado é que parcelas da população, não se sabe se por desconhecimento ou falta de opção, acaba sendo seduzida por este produto pretensamente barato.
O corte orçamentário afetou o trabalho de vocês?
É sempre um complicador a mais. Nessa atividade especificamente de combate ao contrabando e descaminho, a gente precisa necessariamente de um efetivo de pessoas treinadas e qualificadas especificamente para essa atividade logística demanda.
Não só recursos financeiros, mas estrutura de suporte para essas atividades. Logística, transportes, veículos, combustíveis. Quando o orçamento fica mais apertado, os cortes são lineares e sofremos efeitos das restrições orçamentárias. Mas por outro lado a gente precisa buscar formas mais inovadoras e concentrar esforços em atividades que possam produzir mais resultados. Por um lado é ruim mas somos forcados a buscar ganho de produtividade para compensar isso.
A gente trabalha com parcerias com o setor privado e todas as esferas de governo. Não podemos esquecer que não são problemas econômicos, de governo, arrecadatórios... são mais amplos. Precisa haver engajamento de toda a sociedade contra a essas práticas desleais e danosas à saúde da população. Temos um programa de educação fiscal, tocado em parceria com prefeituras e governos para difundir esses conceitos na população, principalmente nas crianças e estudantes de nível médio, fundamental e universitário, para a médio e longo prazo termos sensibilidade maior da população.
Quais as principais formas de entrada do contrabando no País?
Há duas principais formas de ingresso em quantidade e valor. A primeira são os portos. Existe movimentação bastante grande de contêineres e navios que atracam todos os dias, por mais que tenhamos controles bastante rígidos em relação ao que está sendo trazido, existe prática de falsa declaração de conteúdo. Aquilo que esta sendo apresentado como um produto, mas na verdade é outro. Temos mecanismos para combater essas práticas, não conseguimos 100% de sucesso. É um ponto bastante importante, temos focado bastante atenção para diminuir incidência.
A segunda questão é a fronteira terrestre. temos países limítrofes com políticas sanitárias bastante vantajosas, com desoneração completa das mercadorias que acabam abastecendo parte do nosso mercado. São as duas fontes.
Tem que buscar equilíbrio entre ter agilidade das cargas de forma geral, para não emperrar o comércio internacional, mas instalar mecanismos de controle que garantam um grau de segurança nas operações praticados.
Qual o perfil do contrabandista que atua no Brasil?
É um tanto difícil dar um perfil de forma mais generalizada.
O que a gente observa na prática são pessoas jovens, do sexo masculino e que têm uma percepção de valor bastante distorcida. Uma necessidade de afirmação social, algo do gênero, que implica que necessita ter uma certa ostentação.
Muito desse dinheiro que é ganho pelas pessoas que atuam nessa atividade é usado para festas, comemorações. Não têm compormisso com nada. Em pouco tempo essa pessoa está presa e a sua vida vai para o espaço.
É um ciclo vicioso que se estabelece principalmente na região de fronteira. Um jovem cuja família tem uma pequena propriedade rural se vê inconformado em permanecer na atividade, acha que pode ter sucesso na vida com essa atividade de contrabando.
O destino deles, em maior ou menor tempo, acaba sendo a cadeia. Acaba sendo prejuízo para a sociedade, porque em vez de agregar valor vai ter que sustentar essas pessoas na cadeia.
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JOTA

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