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Varas de falência e recuperação de competência regional

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Capítulo 1

Identificação do problema

Atualmente, a grande maioria dos juízos que cuidam de falência e recuperação judicial não são especializados. Conforme se observa das Leis de Organização Judiciárias dos Tribunais Estaduais, nas pequenas Comarcas (que são as mais numerosas), existe apenas um único juiz com competência para julgar todos os feitos cíveis (incluindo Fazenda Pública, Execução Fiscal, Família, Sucessões, Registros Públicos, Infância e Juventude e também Falência e Recuperação Judicial) e criminais. Nas Comarcas médias, já se observa uma pequena especialização de matérias, separando-se entre os juízes as competências cíveis e criminais. Somente nas grandes Comarcas há maior especialização, encontrando-se Varas Especializadas Cíveis, de Fazenda Pública, de Família, de Infância e Juventude, criminais, dentre outras.

Entretanto, mesmo nas grandes Comarcas, existem poucas Varas especializadas em Falência e Recuperação de Empresas. Conforme dados do CNJ, existem Varas Especializadas em Falência e Recuperação Judicial apenas em 17 Comarcas no Brasil, localizadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Fortaleza, Campo Grande, Florianópolis, Cuiabá, Vitória, Juiz de Fora/MG, Contagem/MG, Uberaba/MG, Montes Claros/MG, Macapá/AP e Novo Hamburgo/RS.

E muitas dessas Varas supostamente especializadas não são efetivamente especializadas, na medida em que acumulam competências distintas. Por exemplo, as Varas de Florianópolis e Campo Grande têm também competência para Cartas Precatórias e a Vara de Cuiabá tem competência cumulativa cível.

Conforme constatado em inspeções realizadas pelo CNJ (durante o programa criado pela  Min. Nancy Andrighi), muitas das Varas supostamente especializadas não são dotadas de juízes efetivamente especializados, na medida em que as competência que lhe são cumuladas – e que não guardam qualquer relação com falência e recuperação de empresas – ocupam a maior parte do tempo de suas atuações (como cartas precatórias e execução de precatórios e/ou feitos relacionados à Fazenda Pública ou de competência cível).

E mais.

Conforme dispõe a Lei 11.101/05 (Lei de Falência e Recuperação Judicial), a falência e a recuperação judicial deverão ser distribuídas perante o juízo do principal estabelecimento da empresa devedora. Considerando que existem apenas 17 Comarcas com juízos especializados na matéria, conclui-se que a grande maioria dos processos de falência e recuperação judicial serão conduzidos e julgados por juízes que não são especializados nessa matéria. Na prática, considerando a realidade dos milhares de pequenos e médios municípios do Brasil, esses juízes não especialistas conduzirão – em muitos casos – sua primeira e última falência e/ou recuperação judicial.

Identifica-se, portanto, um grande problema: as questões decorrentes de falência e recuperação judicial são extremamente complexas e específicas, exigindo uma grande especialização daqueles que atuam nessa matéria. Entretanto, a maioria das falências e recuperações judiciais no Brasil são conduzidas por juízes que não tem especialização nessa área e que não possuem prática suficiente para julgar essas questões.

E não é só.

Além de tratar de matérias de direito muito específicas – bem como de questões multidisciplinares em economia, administração de empresas e contabilidade – ,  as falências e recuperações judiciais têm um grande impacto social e econômico. Em muitos casos, a atuação da empresa devedora é fundamental para a sociedade local e sua economia. A empresa devedora gera empregos, tributos, receitas e fornece produtos e serviços importantes para determinada região. E justamente o processo de insolvência dessa empresa, que gera tanto impacto social e econômico, será conduzido e julgado por um juiz que não é especializado na matéria e que não possui experiência e familiaridade com as questões que terá de enfrentar.

Capítulo 2

A solução do problema

Criação por Lei Complementar de cada estado

O certo seria que cada Comarca possuísse uma Vara especializada em Falência e Recuperação Judicial. Entretanto, como parece muito óbvio, não faz sentido a criação de milhares de Varas Especializadas em pequenas e médias cidades que não possuirão movimento judiciário suficiente para justificar sua criação, de modo que os juízes especializados trabalhariam com pouquíssimos casos e, muitas vezes, seriam juízes de um único caso. Isso seria antieconômico.

Como então fazer para que todas as falências e recuperações judiciais sejam julgadas por juízes especializados sem incidir na lógica antieconômica acima mencionada?

Devem ser criadas Varas Especializadas em falência e recuperação de empresas com competência territorial abrangente e não limitada à Comarca onde se encontra. São as Varas de Falência e Recuperação Judicial de competência regional.

Assim, por exemplo, divide-se o Estado de São Paulo em regiões, criando-se uma Vara de Falências e Recuperações Judiciais em cada uma dessas regiões, de modo que todos os processos dessa natureza, independentemente de se referirem a empresas localizadas em pequenos e médios municípios, serão julgadas por um juiz especializado, que será aquele com competência para a determinada região em que se insere o município.

No caso do Estado de São Paulo, já existe um projeto de lei estadual encaminhado à Assembleia Legislativa (Projeto de Lei Complementar n. 47, de 2012), visando a criação de Varas de Competência Regional cuja jurisdição se estenderia a toda a área territorial da determinada Região (que inclui diversas Comarcas dentro das quais se localizam diversos municípios) ou Regiões, conforme será definido por resolução do TJSP em função do movimento processual e da adequada prestação jurisdicional.

Nesse sentido, se não se justifica a criação de uma Vara especializada em Falência e Recuperação Judicial na pequena Comarca de Morro Agudo/SP, certamente se justificaria a criação de uma Vara especializada em Ribeirão Preto/SP (sede da circunscrição) com competência para julgar falências e recuperações de toda a região nordeste do Estado de São Paulo, incluindo os casos de Morro Agudo/SP.

Isso seria aplicado em todos os Estados da Federação, de modo que qualquer processo de falência ou de recuperação judicial seria julgado por um juiz especializado e com competência para a determinada região dentro da qual se encontra a Comarca que sedia o principal estabelecimento da empresa devedora.

Os Tribunais Estaduais deverão criar as Varas de Competência Regional, na medida em que essa matéria é de competência estadual, enviando projetos de lei complementar para as respectivas Assembleias Legislativas. Evidentemente, cada Tribunal Estadual deverá dividir o território do Estado em tantas regiões quantas forem necessárias, de acordo com o movimento judiciário de falências e recuperações judiciais.

A título de sugestão, e numa análise perfunctória/intuitiva – baseada no volume de atividade industrial das regiões – me parece que os Estados do Norte e do Nordeste poderiam ter uma Vara de Falência e Recuperação Judicial com competência para todo o território do respectivo Estado. Nos Estados do Centro-Oeste, considerando a crescente atividade econômica lá desenvolvida (principalmente relacionada ao agronegócio), se justificaria a criação de duas ou três regiões em cada Estado, com uma Vara para cada região. Nos estados do Sudeste – a região mais industrializada do país – haveria uma divisão dos Estados em mais regiões, notadamente em São Paulo e Minas Gerais, que possuem uma extensão territorial maior. Nos Estados do Sul também deveria haver a divisão dos Estados em duas ou três regiões.

Desse modo, pode-se imaginar que existiriam no Brasil, no máximo, aproximadamente 60 juízes atuando em Varas Especializadas em falência e recuperação judicial com competência regional. Esse, em princípio, parece ser um número razoável para fazer frente ao movimento judiciário brasileiro em termos de processos de insolvência empresarial.

A título de informação, os Estados Unidos da América utilizam o sistema de Varas Regionais de Falência e Recuperação Judicial, existindo atualmente 250 juízes especializados atuando naquele País, divididos entre os 94 “federal districts”.

As Varas Especializadas de competência regional devem ser totalmente informatizadas, utilizando-se de processo digital. Dessa forma, elimina-se o problema do acesso à Justiça que poderia ser criado pelo fato de sua competência abrangente em área territorial extensa. Assim, as partes não precisariam se deslocar por grandes distâncias para ter acesso ao processo. Esse acesso seria garantido pela internet (tecnologia acessível em praticamente todo o território nacional).

O processo digital já é realidade em boa parte dos Tribunais Estaduais. Desse modo, a criação das Varas Especializadas de competência regional nesse sistema digital não representaria um problema. Há tecnologia e expertise para essa providência.

A título de sugestão, o ideal é que essas Varas Especializadas de competência regional tivessem estrutura adequada para lidar com os feitos complexos e multidisciplinares de insolvência empresarial.

Nesse sentido, os juízes deveriam ter a possibilidade de nomear uma equipe multidisciplinar composta por dois assistentes jurídicos, um economista, um contador e um administrador de empresas.

Essa equipe deve ser, preferencialmente, formada por cargos em comissão de livre nomeação. Isso para não onerar o Estado com a contratação de funcionários públicos (com todos os encargos daí decorrentes) e para que seja mais fácil e ágil a troca e/ou substituição de assistentes que não atuem de maneira adequada.

Os custos da criação dessas Varas com a estrutura adequada seriam relativamente baixos, já que existiriam poucas Varas e aproximadamente 60 juízes. Além disso, esse custo seria certamente compensado pelos benefícios econômicos gerados pela atuação adequada das Varas, o que gerará um expressivo incremento na arrecadação de tributos pelos Estados.

Capítulo 3

As principais vantagens

O que virá com a criação das varas especializadas de competência regional?

São muitas as vantagens da criação de varas regionais de falência e recuperação judicial.

Efetividade

Como já observado, os processos de insolvência empresarial envolvem questões muito especializadas e complexas e possuem, por outro lado, um impacto econômico e social muito grande nas regiões onde atuam as empresas em crise. Dependendo do porte da empresa, as consequências de sua crise afetam todo o País e, algumas vezes, trazem consequências mundiais. Nesse sentido, o sucesso do processo de insolvência é diretamente relacionado à preservação dos benefícios econômicos e sociais para determinada região.

Atualmente, como sabido, o índice de sucesso em falências e recuperações judiciais é extremamente baixo no Brasil. Um percentual muito pequeno dos credores conseguem receber seus créditos em processos falimentares – inclusive o fisco – e um número muito pequeno de empresas conseguem se recuperar e manter os empregos e sua atividade nos processos de recuperação judicial.

A razão para esse insucesso é, em grande parte, atribuída ao fato de que esses processos serão conduzidos por juízes que não são especializados e que não possuem experiência na matéria. Provavelmente, a maioria das falências e recuperações judiciais são conduzidas por juízes que nunca tiveram a experiência anterior de trabalhar com essa matéria.

Assim, a criação das Varas Especializadas de competência regional viabilizará que todos os processos de falência e recuperação do Brasil sejam julgados por juízes especializados, com experiência na matéria, e que já atuaram em diversos outros processos dessa natureza – na medida em que  essa será a única atribuição desses juízes. Isso fará com que o índice de sucesso na recuperação das empresas e na recuperação de créditos em falências aumente exponencialmente, gerando por consequência os benefícios sociais e econômicos que tanto se necessita no Brasil.

Importante: além da preservação dos empregos e da renda dos trabalhadores (no caso de recuperação efetiva da empresa), deve-se destacar que o sucesso das falências gerará um expressivo aumento da arrecadação de tributos pelos entes federativos, na medida em que os tributos estão em terceiro lugar na ordem de pagamento em falências (vindo após credores trabalhistas e com garantia real).

Treinamento permanente e comunicação entre os juízes especializados

Atualmente, é praticamente impossível fornecer treinamento específico para os juízes com competência para julgar falências e recuperações judiciais. Isso porque, como já visto, a grande maioria dos juízes possui competência cumulativa para essa matéria. Assim, teríamos aproximadamente 12 mil juízes com competência para conduzir processos de insolvência empresarial em cumulação com diversas outras competências. Além disso, nem mesmo os juízes teriam interesse em receber treinamento específico, na medida em que a grande maioria conduziria um processo dessa natureza uma única vez em toda a sua carreira.

Entretanto, com a criação das Varas de Competência Regional, existiriam no Brasil aproximadamente 60 juízes de falência e recuperação judicial, distribuídos pelo território nacional. Se é praticamente inviável treinar 12 mil juízes, se mostra totalmente viável fornecer treinamento permanente para 60 juízes especializados.

O CNJ poderia criar um programa permanente de treinamento para esses poucos juízes, fornecendo atualização e propiciando o intercâmbio de informações e de experiências entre eles. Assim, todas as falências e recuperações judiciais seriam conduzidas por juízes efetivamente especializados e bem treinados, gerando resultados muito positivos, com importante impacto econômico e social para o Brasil.

E mais.

Os juízes especializados em falência e recuperação judicial estariam em permanente contato entre si. Haveria efetiva troca de informações e experiências. Isso facilitaria a divulgação de boas práticas aplicadas em determinada região que já produziram, comprovadamente, resultados positivos, espalhando-se benefícios por todo o território nacional.

Nos EUA, os juízes de falência e recuperação judicial estão em permanente contato através de grupos de Whatsapp, o que certamente seria replicado no modelo brasileiro. Dúvidas e discussões sobre as melhores soluções aconteceriam em tempo real.

Aumento da qualidade de atuação dos administradores judiciais

Atualmente, o índice de sucesso em recuperações judiciais e falências é baixo também em função da atuação insuficiente dos administradores judiciais.

Tendo em vista que os juízes que atuam em falências e recuperações judicias representam verdadeiras ilhas isoladas no sistema brasileiro – sem treinamento, sem especialização, sem troca de informação com outros juízes e sem fiscalização – os maus administradores judiciais continuam a ser nomeados para conduzir processos importantes de insolvência.

A criação das Varas Especializadas de competência regional viabilizará um consequente aumento da qualidade da administração judicial. Isso porque, os juízes serão efetivamente especializados e terão condições de avaliar o desempenho dos administradores judiciais.

E mais.

Haverá troca de informação efetiva entre os juízes. Assim, os administradores que realizem bons trabalhos naturalmente ganharão mais espaço, ao passo que os maus administradores deixarão de ser nomeados por todos os juízes

Incentivo ao investimento nacional e estrangeiro na economia brasileira, atração de capitais, preservação da segurança jurídica

Atualmente, há uma intensa insegurança jurídica no Brasil em termos de falência e recuperação de empresas. Os juízes não são especializados e atuam de maneira absolutamente isolada. Daí que há um leque muito grande e variado de decisões diversas tratando de questões semelhantes.

Essa situação de insegurança jurídica e falta de especialização afugenta o investimento empresarial no Brasil. O investidor (nacional e estrangeiro) certamente analisará o sistema de insolvência do Pais ou do Estado em que pretende aplicar seus recursos. A insegurança e a ineficiência desse sistema será um fator de desestímulo ao investimento.

A criação das Varas Especializadas de competência regional oferecerá ao investidor um sistema em que os juízes são efetivamente especializados e eficientes.

E mais.

O treinamento e o intercâmbio entre os juízes proporcionam uma maior uniformidade de decisões em todo o território nacional. E isso é fundamental quando se trata de preservação da SEGURANÇA JURÍDICA.

Certamente, as soluções adotadas pelo juiz de falências e recuperações judiciais de uma região do país serão semelhantes àquelas adotadas pelos outros juízes de regiões diferentes, uma vez que todos estarão submetidos ao mesmo treinamento e estarão todos em permanente contato para discussões sobre a aplicação das melhores práticas.

Haverá, portanto, um estímulo substancial ao investimento no Brasil, em todas as regiões.

Aumento da arrecadação de tributos

Atualmente, as recuperações judiciais têm um índice de sucesso muito baixo. Seguramente, menos de 10% das empresas que ajuízam a recuperação judicial efetivamente se recuperam. E isso não se deve apenas a problemas de legislação, mas principalmente à falta de especialização dos juízes (e também dos administradores judiciais, como será explicado em item próprio).

Prova disso, é que na 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, o índice de sucesso é de aproximadamente 60%, com a utilização da mesma lei 11.101/05. A diferença é, portanto, a especialização do juízo. O sucesso da recuperação judicial gera benefícios sociais e econômicos imediatos, como a preservação dos empregos e da renda dos trabalhadores. Mas, além disso, gera um aumento da arrecadação de tributos. Na medida em que a atividade econômica é preservada, o recolhimento dos tributos também será preservado.

E mais.

O sucesso das falências também gerará um aumento da arrecadação de tributos. Na medida em que houver uma efetiva arrecadação e venda de ativos da empresa falida, será possível pagar um número maior de credores. E o fisco está em posição privilegiada na ordem de prioridade de recebimento de valores na falência.

Portanto, é certo que o aumento da efetividade da falência gerará um importante impacto na arrecadação de tributos pelos entes federativos.

Aumento da fiscalização dos juízes e garantias de transparência nos processos de insolvência, combate à corrupção

Atualmente, a fiscalização da atuação dos juízes de falência e de todos aqueles que atuam no processo falimentar e recuperacional é extremamente difícil. Como visto, são mais de 12 mil juízes conduzindo processos de insolvência no Brasil, existindo casos em quase todos os municípios brasileiros. Além disso, como já afirmado, a grande maioria dos juízes não é especializada e não tem condições de realizar uma efetiva fiscalização da atuação dos demais agentes que atuam na falência e na recuperação judicial.

A falta de fiscalização efetiva e o isolamento dos juízos falimentares favorecem a ocorrência de desvios funcionais. Infelizmente, não é raro observar-se a ocorrência de corrupção e desvios de ativos em massas falidas, em prejuízo dos interesses sociais e da maioria dos credores.

A criação da Varas Especializadas de competência regional viabilizaria uma efetiva fiscalização dos juízos falimentares e recuperacionais. Na medida em que se teria aproximadamente 60 juízes atuando nessa área no Brasil, o CNJ poderia criar um órgão permanente de fiscalização intensa de suas atuações.

Se é impossível fiscalizar de maneira efetiva 12 mil juízes, é bastante factível a fiscalização de 60 juízes. E não só dos juízes, mas também dos administradores judicias e de todos os demais agentes que atuam no processo de insolvência.

Seria possível, inclusive, que o CNJ, através de assessores especializados, promovesse a visita in loco de cada uma das Varas Especializadas uma vez por ano. Isso porque não seriam tantas as regiões existentes no Brasil.

E mais.

Considerando que as Varas Especializadas seriam totalmente informatizadas (processo digital), viabiliza-se o acompanhamento em tempo real e de forma remota de todos os processos de falência e recuperação do Brasil. Essa fiscalização representará garantia de diminuição expressiva dos desvios de conduta, das fraudes e demais maus feitos em processos de falência e de recuperação judicial.